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A cultura em torno do café passou por uma grande transformação ao longo dos anos
Às vezes ele parece
uma xícara de petróleo, cuja única função é servir de combustível para um longo
dia. Outras, é uma bebida adocicada e cheia de ingredientes deliciosos, para
ser saboreada aos poucos.
Qualquer que seja
sua preferência, a cultura em torno do café passou por uma grande transformação
ao longo dos anos. Uma dessas mudanças é o surgimento dos cafés especiais — que
custam bem mais caro.
Mas por que esses cafés são
“especiais”?
Para entender o uso desse termo, eis o que dizem os
especialistas sobre as 3 ondas do café.
A primeira onda é representada pelo café de grandes
marcas. O café dessa primeira onda era simplesmente café: barato, genérico e
acessível.
Depois, vieram os
cafés da segunda onda, representado por redes como a Starbucks: bebidas
criativas com vários sabores e customizações. Mas, deixando de lado os
ingredientes extra, essa segunda onda em geral se baseia em misturas de vários
tipos de grão para obter um café de sabor sempre consistente.
A terceira onda, que é a que vivemos agora, é
dominada por marcas de nicho, como Intelligentsia, Stumptown Coffee Roasters e
Counter Culture Coffee. Em vez de consistência, essas empresas privilegiam
grãos de alta qualidade e que reflitam as características únicas de seus locais
de origem.
Sucesso em todos os níveis
Para a indústria do café, a queda dos preços globais
do café é uma realidade triste. É um golpe duro para toda a indústria — mas
especialmente para os produtores de grãos.
O grão de café: qualidade x quantidade
No mercado global de café, há 2 tipos dominantes:
arábica e robusta. O robusta em geral é considerado de qualidade inferior, tem
um sabor neutro e tem produtividade mais alta. O arábica, por outro lado, tem
muitas variações de sabor, do doce ao quase azedo. O cafeeiro é delicado e
costuma ser plantado em áreas de maior elevação, de solos ricos e muita
umidade, sol e sombra.
Quando é importante
ter quantidade, o robusta é escolhido. As plantações têm escala industrial e
usam fertilizantes químicos para incentivar o crescimento das plantas. Em
termos de qualidade, o café arábica é o rei — e o mais procurado quando se
trata de café especial. “A sombra e a altitude garantem que o grão se
desenvolva lentamente”, diz Miguel Gómez, professor associado da Escola de
Economia Aplicada e Administração Charles H. Dyson, da Universidade Cornell.
“O grão acumula todos os aromas daquele terroir e daquela variedade.”
Ou seja, o arábica é mais difícil de produzir: exige
atenção e cuidados no cultivo e no fim das contas tem produtividade menor por
hectare em comparação com o robusta. Isso significa um custo mais alto para o
produto final, e as nuances de sabor de diferentes regiões também agregam
valor.
A colheita: manual x mecanizada
Como qualquer commodity, os produtores de café se
beneficiam das economias de escala, de grandes fazendas e de métodos
automatizados de colheita e processamento — todos ajudam a baixar os custos. O
café especial, por outro lado, exige mais trabalho manual e precisão a cada
etapa do processo, para preservar as características premium do produto.
Giuliano afirma que os grãos de café de uma mesma planta não amadurecem ao
mesmo tempo, então é necessário fazer a colheita de 3 a 5 vezes para garantir a
melhor qualidade. A colheita manual é naturalmente menos eficiente e, portanto,
mais cara.
Torrefação:
atingindo o potencial máximo dos grãos
A torrefação precisa é crucial, pois é esse processo
que destaca muitas das nuances de sabor dos preciosos e caros grãos. É um
processo meticuloso e que demanda tempo, experimentações e, consequentemente,
erros.
Especialistas analisam os grãos para determinar o
tempo e a temperatura ideais para a torragem. É um processo artesanal, e não
existe fórmula universal. Dedicar recursos para mapear o perfil de cada tipo de
grão é um investimento obrigatório de tempo e dinheiro, que todo vendedor de
café especial tem de fazer.
A Kaladi Coffee utiliza o método de torrefação a ar,
diferente do tradicional método do tambor, no qual os grãos entram em contato
com uma superfície de metal quente. Na torrefação a ar, os grãos são torrados
por calor com convecção, o que significa uma torragem mais uniforme — e, mais
importante, reproduzível.
Depois de torrado, o café perde de 12% a 22% de seu
peso. Quanto mais alta a temperatura, maior a perda de peso. O método a ar
aumenta a perda de peso, ou seja, ao final do processo, há menos café para
moer. Isso, em conjunto com um custo maior da energia usada por esse método,
aumenta o custo final do produto.
Na Kickapoo Coffe, as receitas de torrefação são
ajustadas a cada semana, para garantir o controle de qualidade. Os
especialistas provam e analisam os grãos torrados com base em cerca de uma
dúzia de variáveis, registrando os resultados e procurando relações com o que
se verifica nas degustações. É um investimento de tempo e dinheiro, que também
significa um preço mais alto para o consumidor.
Uma torragem menos intensa, também chamada de
torragem clara, pode revelar “sabores exóticos e interessantes”, de
notas florais e que lembram um chá nos cafés da Etiópia a sabores
“supercítricos, complexos e limpos” ou “notas profundas de
frutas silvestres e vinhos” do café do Quênia.
No fim das contas, porém, tudo depende das
preferências de cada um. Você quer algo mais barato (e provavelmente
unidimensional), um sabor consistente ou um produto artesanal que, como o vinho
ou o chocolate, reflete um lugar e uma época?
Para quem busca um produto tratado com carinho por
todos que o manuseiam, é importante apoiar a indústria do café especial. Os
especialistas entrevistados para esta reportagem pedem que os consumidores
olhem além dos selos de certificação (que são úteis, mas precisam melhorar) e
procurem empresas e organizações que estão se esforçando para sustentar
pequenos agricultores e uma cadeia produtiva sustentável.