Ventilador faz mal? Ciência explica por que não usá-lo quando está muito quente

  • Rosana Ribeiro
  • Publicado em 12 de dezembro de 2024 às 19:00
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Pesquisas mostram que aparelhos podem agravar a exaustão pelo calor em vez de amenizá-la

Usar o ventilador com o tempo quente e seco não ajuda a se refrescar – foto Arquivo

 

Quando o ventilador se transforma em air fryer? Neste ano de recordes de calor, a pergunta e suas implicações para a saúde têm deixado especialistas em conforto térmico de cabeça quente.

Para o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC, na sigla em inglês), acima de 32 °C não se deve usar ventilador sob o risco de agravar a exaustão pelo calor em vez de amenizá-la.

Já a Organização Mundial de Saúde (OMS) preconiza que o limite é 40ºC.

O único consenso é que se sabe pouco sobre a tolerância e as reações do corpo humano ao estresse térmico e menos ainda sobre o que pode ocorrer à medida que o mundo esquenta.

Para idosos, crianças pequenas e pessoas com comorbidades e sem acesso ao ar-condicionado, responder a essa questão é um caso de vida e morte.

A umidade do ar se mostra crucial na transformação do ventilador de aliado em tormento. Se for alta, o ventilador refresca. Quando está baixa, tem o efeito contrário. A velocidade do vento não faz diferença.

Convencionalmente, 35°C seria o limite de uso de ventiladores, pois essa é a temperatura típica da pele humana.

O pressuposto é que acima desse nível, o ventilador agravaria o superaquecimento porque removeria a camada de ar que se resfriou ao atingir o equilíbrio com a temperatura da pele.

Na prática, funcionaria como um forno de convecção que acelera o cozimento ao circular ar quente. Isto é, viraria uma air fryer.

Dois estudos recentes publicados em revistas médico-científicas de grande prestígio alimentaram a polêmica.

Um deles, publicado em novembro no periódico The New England Journal of Medicine (NEJM), diz que ventiladores podem aliviar o estresse no coração de pessoas idosas em condições úmidas de até 38°C.

Já a outra pesquisa, publicada na JAMA (Journal of the American Medical Association), reafirma não haver benefício em usar um ventilador acima de 35°C.

Se sabe que o ventilador funciona melhor em condições de calor úmido porque remove o suor e, com isso, ajuda a resfriar a pele.

Suar é um dos principais mecanismos pelos quais o corpo tenta eliminar o calor e evitar superaquecer, condição potencialmente letal e que, no mínimo, causa mal-estar.

Já quando a umidade é baixa e o suor já evapora normalmente, o ventilador lança vento quente em alta velocidade sobre o corpo, o efeito air fryer.

Nessas condições, em vez de aliviar, ele acaba aumentando a sensação de calor e os seus efeitos nocivos.

Isso quer dizer que no calorão de meio de ano, quando o calendário diz que seria inverno, mas este não se manifesta, o ventilador só aumenta o tormento.

Os meses de inverno costumam ser mais secos. Mas, no restante do ano, quando a umidade é maior e por vezes extremamente elevada, o ventilador é útil, pois ajuda a remover o suor quente.

No inferno com o ventilador

Considerado um dos maiores especialistas do mundo em conforto térmico e um dos autores do estudo na NEJM, Ollie Jay, da Universidade de Sydney, na Austrália, defende que o corpo humano pode se beneficiar do vento provido por ventiladores em temperaturas superiores a 35ºC.

Porém, a umidade é o fator decisivo para o ventilador promover alívio em vez de virar air fryer.

Ele baseia sua afirmação numa série de experiências com pessoas submetidas a estresse térmico em câmaras especiais e em modelagens computacionais.

Estudos anteriores de Jay ajudaram a convencer a OMS de que orientar o uso de ventilador até 40ºC seria seguro, em condições de umidade.

Para avaliar vantagens e riscos do uso de ventilador no grupo que mais precisa se proteger do calor, o dos idosos, Jay e seus colegas recrutaram pessoas com mais de 65 anos, algumas delas com doenças cardíacas.

Pessoas mais velhas são mais vulneráveis ao calor porque à medida que se envelhece, se sua menos, o que reduz o resfriamento proporcionado pela evaporação do suor.

Isso acontece porque o sistema de regulação do corpo começa a falhar e a pessoa percebe menos o calor. Porém, sofre com mais intensidade os seus efeitos.

Além disso, costumam ter mais distúrbios cardíacos e os problemas cardiovasculares são comuns em dias de muito calor.

Um grupo de 58 voluntários aceitou passar um tempo em câmaras climáticas especiais. Estas recriaram dois climas quentes diferentes, ambos tenebrosos. Cada grupo foi testado em condições com e sem ventilador.

A primeira câmara simulava um clima úmido, semelhante a lugares como Manaus ou Mumbai (Índia), com 38 °C e 60% de umidade. Outros, um ambiente de deserto, com 45 °C e 15% de umidade.

O ventilador ajudou a aliviar a turma da umidade. Após passarem três horas sob calor úmido padrão amazônico na companhia do eletrodoméstico, mesmo idosos com doenças cardíacas tiveram uma redução de 31% no estresse cardíaco (avaliado por meio da frequência cardíaca e da pressão arterial), em comparação com um teste separado sem ventilador.

O resultado foi ainda melhor quando os voluntários eram borrifados com água enquanto estavam em frente ao ventilador.

Nesse caso, a redução do estresse cardíaco foi de 55%. Jay explica que, ao circular o ar, os ventiladores permitem que mais umidade na pele evapore do que se o ar próximo ao corpo permanecesse parado.

Já no clima quente e seco, o ventilador virou air fryer. A experiência teve que ser interrompida porque o estresse cardíaco dos participantes disparava, quando eram atingidos pelo vento quente do ventilador.

Metade do grupo não conseguiu permanecer na câmara por três horas.

Jay explicou que o ar extremamente seco faz o suor evaporar depressa, não oferecendo resfriamento adicional e o ventilador ainda lança mais ar muito quente, piorando as coisas.

Ventilador X Ar-condicionado

Em dias quentes, o ar-condicionado é a salvação. Para a saúde física, que fique claro. Pois, para a do planeta e a da economia, ele é um problema.

Aparelhos de ar-condicionado consomem, em média, 50 vezes mais energia que um ventilador. Aumentam a conta de luz e a emissão de gases do efeito-estufa.

A OMS considera que somente ambientes refrigerados são realmente seguros para a saúde em dias de calor extremo.

É unanimidade entre especialistas que o ar-condicionado protege contra os efeitos negativos do calor. Ele é a única forma de manter um ambiente numa zona de conforto térmico, isto é, sem risco para a saúde.

O uso de ar-condicionado mantém a produtividade de atividades em ambientes internos. E, em hospitais a refrigeração diminui a mortalidade durante ondas de calor em 40%.

O ideal é que o aparelho mantenha a temperatura ambiente entre 22 ºC e 25 ºC, não importando o quanto o termômetro marque no exterior.

Mas a maioria da população não tem acesso a ar-condicionado, seja pelo custo do aparelho quanto o da energia.

No Brasil, dados da Eletrobras (Pesquisa de Posse e Hábitos de Uso de Equipamentos Elétricos de Classe Residencial) revelam que somente 13,91% dos domicílios brasileiros dispõem de ar-condicionado. Os dados, de 2019, são os mais recentes no país.

A Agência Internacional de Energia estima que há 1,6 bilhão de aparelhos no mundo, metade deles na China e nos EUA.

*Informações O Globo


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