USP lidera força-tarefa para descobrir conexões entre as espécies

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 27 de novembro de 2019 às 17:25
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 20:04
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Estudo poderá prever consequências de desastres ecológicos como o que está ocorrendo no Nordeste

Da esquerda para a direita, de cima para baixo: Marco Mello, Cullen Geiselman, Sharlene Santana, Ana Vogler, Marco Tschapka e Jan

​O que leva um grupo de pesquisadores das instituições mais qualificadas do planeta a se unirem para estudar morcegos e suas relações com plantas?

As descobertas desses cientistas – à primeira vista, sem muita importância – ganharam as páginas de uma das revistas mais relevantes do mundo nas áreas de ecologia e evolução, a Nature Ecology & Evolution.

Para compreender o trabalho dessa força-tarefa da ciência, formada por dois professores da USP e mais oito pesquisadores, três brasileiros e cinco estrangeiros, basta esquecer os morcegos e as plantas (temporariamente), e pensar no desastre ecológico que está ocorrendo agora no litoral do Nordeste. 

Hoje, é impossível calcular as consequências que o óleo pode trazer ao ecossistema da região.

No entanto, o impacto da contaminação poderia ser calculado se houvesse um banco de dados com informações sobre os animais que vivem no local bem como as relações que são estabelecidas entre as diferentes espécies. 

Foram dados desse tipo, nesse caso mostrando as interações entre morcegos e plantas registradas ao longo de 70 anos por centenas de naturalistas, que deram origem ao estudo Compreendendo as regras de montagem de uma rede multicamadas continental (Insights on the assembly rules of a continente-wide multilayer network).

“Nosso estudo mostra que é possível analisar como a extinção de espécies de animais e plantas afeta o equilíbrio de um ecossistema, alterando a biodiversidade em diversas regiões do planeta”, explica o professor Marco Mello, do Instituto de Biociências (IB) da USP, que liderou a força-tarefa do estudo.

“As ferramentas computacionais e matemáticas que desenvolvemos para estudar as relações entre os morcegos e as plantas podem ser aplicadas a qualquer outro ecossistema”, completa o professor Francisco Rodrigues, do Instituto de Ciências Matemática e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos.

Então, imagine se esses cientistas tivessem à disposição dados sobre as tartarugas-marinhas, os peixes, as aves, os corais e os demais animais que habitam as áreas contaminadas do litoral do Nordeste ao longo de muitos anos. 

Ora, eles poderiam utilizar as mesmas ferramentas empregadas no estudo sobre morcegos e plantas. Assim, seriam capazes de prever as consequências que o óleo traria à teia da vida nordestina, incluindo aí os seres humanos.

Uma teia com muitas camadas

“Com efeito, um dos aspectos inovadores do trabalho é analisar a miríade de relações entre espécies de morcegos e plantas com ferramentas computacionais, mais ou menos como quem estuda as múltiplas conexões entre pessoas num aplicativo de rede social”, escreve o jornalista José Reinaldo Lopes no artigo Morcegos são cruciais para a saúde dos ecossistemas em que vivem

Publicado pela Folha de S. Paulo no dia 3 de novembro, o artigo destaca como funciona a teia que une 73 espécies de morcegos e 439 espécies de plantas, estudadas pela equipe de pesquisadores de que Mello e Rodrigues fazem parte.

O jornalista conta que os pesquisadores usaram dados coletados em campo sobre a dieta dos bichos para montar as várias camadas de redes de interação:

“Uma dessas camadas corresponde às mais de 900 interações morcego-planta em que há frugivoria (consumo de frutas); outra equivale a 301 interações em que há consumo de néctar; e assim por diante.” 

Para relatar esses processos, os pesquisadores consideram, ainda, a história evolutiva, o grau de parentesco e a distribuição geográfica das diferentes espécies.

“O mapeamento multicamadas que resultou desse esforço mostra, entre outras coisas, quais as espécies que funcionam como as figuras mais “populares” da “rede social” ecológica – mais ou menos como o sujeito com milhares de amigos ou seguidores cuja conta conecta as pessoas mais disparatadas entre si”, escreve Lopes.

Nesse caso, vale lembrar que os morcegos mais populares são os que estão no centro da rede. 

“Isso significa que os animais dessa espécie se alimentam de uma variedade maior de frutos e propagam uma maior diversidade de sementes pelo ecossistema. Se essa espécie é extinta, afetará mais o todo, porque esses animais têm uma função mais relevante na manutenção do ecossistema. 

Por isso, é fundamental determinar quem são essas espécies porque elas podem levar à extinção de outras”, conta o professor Francisco Rodrigues. 

“Com a análise dessas redes complexas multicamadas, o que estamos mostrando é como as conexões entre as espécies são formadas, como são as estruturas dessas redes e qual impacto pode ter a extinção de algumas espécies”, adiciona Rodrigues.

Ele foi um dos responsáveis por desenvolver as soluções matemáticas e computacionais que possibilitam a análise de redes multicamadas juntamente com a pesquisadora iraniana Nastaran Lotfi. Vinda da Universidade de Zanjan, Irã, Nastaran foi aluna visitante de doutorado no ICMC, sob orientação de Rodrigues, e hoje é pós-doutoranda na Universidade Federal de Pernambuco. 

Já os doutorandos Rafael Pinheiro, da Universidade Federal de Minas Gerais, e Gabriel Félix, da Unicamp, desenvolveram novos métodos para entender a estrutura de cada camada das redes.

Segundo Rodrigues, a análise de redes multicamadas é bastante nova e os primeiros estudos começaram a ser produzidos há cerca de seis anos. 

No ano passado, o professor lançou um livro sobre o assunto em parceria com mais três pesquisadores intitulado An Introduction to Multiplex Networks: Basic Formalism and Structural Properties.


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