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Primeiros relatos sobre o transtorno datam de 1980, mas só agora o TOD é estudado de forma profunda
Lidar com as birras é um desafio para os pais. Comportamento comum em uma fase do desenvolvimento das crianças – quando elas ainda são muito pequenas e não conseguem argumentar -, ela pode ser classificada como um transtorno quando o comportamento agressivo se torna desproporcional.
Com base em sua experiência pessoal, a psicopedagoga Luciana Brites e o neurologista infantil Clay Brites escreveram o livro Crianças Desafiadoras (Gente), em que apontam a diferença entre birra e o Transtorno Opositivo-Desafiador (TOD) e discutem os papéis da família e da escola, além das formas de tratamento.
“A criança com TOD não consegue elaborar bem situações em que é contrariada e o quadro não se modifica com o tempo, como ocorre com a birra – ele tende a piorar. São necessárias medidas preventivas, psicoterápicas e medicamentosas”, explica Luciana.
O casal é fundador do Instituto NeuroSaber, que compartilha informações sobre desenvolvimento, aprendizagem e comportamento na infância e na adolescência.
Clay é membro titular da Sociedade Brasileira de Pediatria, doutor em Ciências Médicas pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Luciana, mestranda em Distúrbios do Desenvolvimento pela Universidade Mackenzie.
Os primeiros relatos sobre o transtorno datam dos anos 1980, mas só recentemente o TOD passou a ser estudado de forma mais profunda, mostra o livro.
Os especialistas avaliam que quando mais cedo o diagnóstico for feito, menos problemas a criança e os familiares terão no futuro.
Com o tratamento, que envolve terapia, medicamentos e ações da família – como evitar conflitos durante as crises -, é possível ter uma vida normal. Um exemplo é o filho do casal, de 16 anos, que tem o transtorno e assina o prefácio do livro.
P – Qual é diferença entre birra e TOD?
Clay: A birra é um comportamento normal da idade, uma forma de expressão por meio de um comportamento irritado, choroso, que pode envolver a atitude de se jogar no chão e se autoagredir.
Ela ocorre dos 8 meses até uns 2 ou 3 anos, quando a criança não sabe reagir de forma madura em relação a uma frustração ou algo que ela é socialmente impedida. Nessa fase, ela não tem meios estruturados para discutir e argumentar com o adulto.
Isso faz parte do desenvolvimento e da construção da linguagem. Já a criança com TOD não consegue elaborar bem situações em que é contrariada e o quadro não se modifica com o tempo (sem intervenção), como ocorre com a birra – ela tende a piorar. São necessárias medidas preventivas, psicoterápicas e medicamentosas.
P – Quais são os sinais de alerta no caso do TOD?
Clay: A reação emocional é extremamente exagerada. Eles chegam a quebrar objetos da casa, desestabilizar a família e a escola, porque as reações são desafiadoras.
Chegam a tomar atitudes maldosas, usando palavras de baixo calão e fazendo chantagem emocional. Isso dos 3, 4 anos até os 8, 9 anos, que é uma fase em que as demais crianças já têm o pleno entendimento do não e das frustrações.
P – Quais são as causas do TOD?
Clay: Há fatores genéticos e do ambiente, como quando a criança não tem uma rotina de disciplina ou que não foi ensinada a se frustrar.
Há quatro tipos de pais: 1) – os negligentes, 2) – os permissivos, 3) – os autoritários, que não dão suporte emocional para as crianças, e 4) – os autoritativos, que conseguem equilibrar, na hora de dar um comando, a compreensão do sofrimento da crianças e as formas de dar disciplina e limites sem humilhar nem ser permissivo.
Os três primeiros são extremistas e, se têm um filho com predisposição, podem intensificar o quadro.
Também é importante lembrar que nem sempre o transtorno aparece em uma criança típica, ele vem com outras condições, como o TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade) ou outros transtornos, como autismo e transtorno bipolar.
É importante que todo profissional avalie a possibilidade de a criança ter esses transtornos.
P – O que já se sabe sobre o TOD e sobre o tratamento dessa condição?
Clay: É muito recente. Só dos anos 2000 para cá as pesquisas mostram que o cérebro (da criança com TOD) funciona de forma diferente.
As pesquisas indicam que o cérebro de quem tem TOD apresenta uma instabilidade nas áreas de autorregulação emocional para cumprir atividades que não são do seu desejo e o indivíduo acaba tendo desequilíbrios, levando a comportamento disruptivo.
De 40% a 50% dos pacientes precisam ser medicados, porque os pais já estão em situação de estafa, têm dificuldade de se expressar como autoridades e, se não medicar, eles não conseguem voltar à ordem natural das coisas. A medicação ajuda a melhorar a flexibilidade emocional frente às primeiras intervenções comportamentais.
P – E quais são essas intervenções comportamentais?
Clay: O indivíduo opositor tem duas características: quer sempre estar no mesmo nível que a autoridade, ou seja, não quer conviver de forma subserviente, e quer dirigir os rumos da casa e da escola.
A segunda é que tem muita dificuldade de entender que a obediência traz mais benefícios do que a desobediência. Como lidar? Na hora da crise de raiva, os pais não devem conversar nem discutir, porque a criança está impermeável a qualquer palavra que é dita a ela. Tem de dar tempo para ela se acalmar.
Respeitar o tempo para se decepcionar e ter raiva e manter o que foi ordenado. Com isso, ela vai vendo que não adianta ter as reações explosivas. Com isso, vai ver que as crises de raiva não vão ter resultado.
Como a pessoa com TOD tende a ter essas atitudes difíceis, os pais têm de falar a mesma língua. Se um fala não, o resto da família também precisa falar não. É importante não florear argumentos.
Tem de ser direto, objetivo, claro e sem dar espaço para contra-argumentações opositoras. O conjunto de todas as terapias que estão direcionadas para o TOD e as terapias comportamentais de manejo parental têm eficácia de 80% para melhorar os sintomas.
P – É possível estimar a população que tem o transtorno? Ocorre mais entre meninos ou meninas?
Clay: Estima-se que 1% a 11% da população mundial tenha o transtorno. Até a adolescência, é mais comum entre meninos. Depois, empata. Mas o comportamento das meninas é diferente.
Enquanto o menino é mais agressivo, a menina manipula nos bastidores. Ela é mais estratégica e resiliente às avessas. Por isso, é preciso evitar chegar (sem acompanhamento) na adolescência.
É muito mais fácil intervir antes dessa fase, porque os jovens são naturalmente opositores. O transtorno aumenta o risco de delinquência, de envolvimento com más companhias, de uso de drogas e fugas de casa.
Se for feito um trabalho até os 9, 10 anos, evita-se que essas situações venham a acontecer.
P – Alguns pais podem ficar assustados ao ler sobre o TOD. O que é possível dizer para tranquilizá-los caso tenham um filho diagnosticado com essa condição?
Clay: O TOD sempre começa dentro de casa, não é algo que vai ter na escola e não vai se manifestar em outros ambientes. Então, fica mais fácil identificar.
Os tratamentos são muito eficazes, tanto a medicação que vai melhorar a autoregulação emocional, como antipsicóticos e estabilizadores de humor, quanto as terapias comportamentais.
Se os pais forem atentos e tiverem um bom convívio, íntimo e conhecendo os filhos, vão saber conduzir de forma ponderada, mas sem perder a firmeza baseada em disciplina e autoridade.
P – Como os pais de uma criança com TOD devem abordar o tema com a escola?
Luciana: Todos nós somos parceiros para o bem comum das crianças e não existe um desenvolvimento integral sem a parceria entre família e escola.
Os pais devem falar o que o filho tem, as questões de medicação e terapia, indicar bibliografia para a escola. O professor deve agir na escola como os pais agem em casa.
P – Como a escola pode colaborar no processo?
Luciana: No ambiente escolar, é importante conhecer o transtorno, porque muitos conceitos que a gente usa com as escolas têm de ser usados de forma diferente. As crianças com esse tipo de transtorno não aprendem com o erro.
Tem de ter um planejamento que não leve a criança a errar e não é por ser mimado, mas porque é um indivíduo que não consegue se autorregular.
O trabalho tem de ter poucas etapas, conceitos mais curtos, recompensas e regras positivas, como ensinar a respeitar os amigos e não dizer que “não pode bater no amigo”.
P – Por que vocês resolveram escrever o livro?
Clay: O primeiro motivo foi o desconhecimento. Estamos passando por uma era em que os pais estão perdidos para educar e enveredam para os piores caminhos. Além disso, o comportamento opositivo pode ser o primeiro sinal de autismo.
Identificar o TOD é uma forma de identificar autismo e o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH).
Luciana: Nosso filho do meio, de 16 anos, tem o TOD. Ele tem TDAH e, por volta dos 3 anos, teve uma crise muito grande. Nunca colocamos panos quentes na situação.
Ele estava se prejudicando por não socializar e estava perdendo coisas por causa das birras, tratado com muita naturalidade. Ele quer estudar Economia e, embora seja muito tímido, escreveu o prefácio do livro.
Ele viu como uma forma de divulgar o tema e de gerar empatia.