Programa Mais Médicos pode ter situação estabilizada até o fim do ano

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 30 de novembro de 2018 às 09:17
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 19:12
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Os médicos cubanos ocupam 45,7% das 18.240 vagas do Mais Médicos

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O anúncio de Cuba, no dia 14, de que irá retirar até o fim do ano seus mais de 8,3 mil médicos intercambistas do programa Mais Médicos surpreendeu o governo brasileiro e ainda gera incertezas a respeito da manutenção dessa iniciativa, que hoje garante o atendimento a 63 milhões de brasileiros na rede de atenção básica de saúde em 4 mil municípios e 34 distritos sanitários especiais indígenas. 

Os médicos cubanos ocupam 45,7%  das 18.240 vagas do Mais Médicos, e em 1.575 cidades respondem exclusivamente pelo atendimento de saúde, sendo que 80% desses municípios têm até 20 mil habitantes.

RAZÕES PARA A SAÍDA

Para deixar o programa, Cuba alegou descontentamento com algumas declarações do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) acerca da participação dos cubanos no Mais Médicos: “Com referências diretas, depreciativas e ameaçadoras à presença de nossos médicos, [Bolsonaro] disse e reiterou que modificará os termos e condições do Programa Mais Médicos, desrespeitando a Organização Pan-Americana da Saúde e o que esta acordou com Cuba, ao questionar o preparo de nossos médicos e condicionar sua permanência no programa à revalidação do título [Revalida] e como única forma de se contratá-los a forma individual”, manifestou-se, em nota, no dia 14, o Ministério da Saúde Pública de Cuba.

BOLSONARO: INAPTOS E COM SALÁRIOS INJUSTOS

Após a decisão de Cuba, o presidente eleito disse que o país caribenho não aceitou atender as exigências que seriam apresentadas: que os médicos passassem pelo Revalida, que recebessem salário integral e que tivessem liberdade de vir com suas famílias para o Brasil. “Além de explorar seus cidadãos ao não pagar integralmente os salários dos profissionais, a ditadura cubana demonstra grande irresponsabilidade ao desconsiderar os impactos negativos na vida e na saúde dos brasileiros e na integridade dos cubanos”, comentou. 

POR QUE TAMANHA DEPENDÊNCIA DE CUBA?

Embora o programa Mais Médicos não trate a contratação de cubanos como prioridade (leia detalhes no box ao lado), já houve épocas em que 11 mil profissionais daquele País integravam o programa. 

A razão disso é um acordo firmado, em 2013, pelo governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), pelo qual o Brasil paga à Opas um valor referente a cada médico cubano no programa, atualmente R$ 11,8 mil mensais, e governo da ilha caribenha remunera cada médico com aproximadamente R$ 3 mil mensais e fica com o restante do recurso, com a justificativa de que o investe na formação de novos médicos daquele País. 

Segundo informações do portal UOL, entre 2013 e 2017, dos R$ 13 bilhões que o Governo Federal destinou ao Mais Médicos, R$ 7,1 bilhões foram para o acordo com a Opas.

“O programa Mais Médicos foi um projeto de governo, com um caráter temporário e precário, com médico bolsista, muitos sem o diploma reconhecido”, criticou Donizette Dimer Giamberardino, coordenador da Comissão Nacional Pró-SUS, formada por representantes do Conselho Federal de Medicina (CFM), da Associação Médica Brasileira (AMB), da Federação Nacional dos Médicos (Fenam) e outras entidades médicas. 

“Destes mais de 8 mil médicos cubanos, alguns estão em municípios que não precisariam de mais médicos, e em cinco anos cerca 10 mil médicos brasileiros foram demitidos”, afirmou Giamberardino, assegurando que desde o início o programa tem priorizado a contratação de cubanos e que muitas prefeituras aderiram à iniciativa para evitar maiores gastos com a contratação de médicos para a atenção básica de saúde, pois é a União que remunera o profissional do Mais Médicos. 

E AGORA, O QUE FAZER?

À parte as disputas políticas, a população das áreas mais periféricas do Brasil tem sido impactada pela falta de atendimentos nas cidades onde já houve a saída dos médicos cubanos. Na tentativa de repor quadros, o Ministério da Saúde lançou um edital para a contratação de 8.517 médicos em 2.824 municípios e 34 distritos indígenas. 

Até a noite do domingo, 25, já havia cadastro para quase 97% das vagas. A expectativa do Ministério da Saúde é que a maioria dos novos médicos do programa comece a trabalhar até o fim de dezembro. 

“Com a publicação dos editais de contratação, a expectativa é a de que haja médicos para manter o programa em todos os municípios do Brasil, inclusive nas áreas indígenas, onde a quase totalidade dos médicos atendem pelo programa Mais Médicos”, comentou à reportagem Glademir Aroldi, presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM). 

Aroldi acredita que pelos próximos 30 dias devem haver dificuldades pontuais no atendimento de saúde, mas ele afirma que as cidades têm agido para amenizar o problema. “Conversei recentemente com o prefeito de Entre Ijuís, no Rio Grande do Sul, e ele me disse que o médico cubano que lá trabalhava já saiu do programa. 

Então, o prefeito ampliou as horas dos dois outros médicos que atuam na Estratégia de Saúde de Família para suprir a necessidade, e aguarda que nos próximos dias tudo esteja solucionado com a vinda de médicos vinculados ao programa Mais Médicos”, comentou. 

SOLUÇÕES EFETIVAS

Em nota, no dia 14, o Conselho Federal de Medicina garantiu que há no País quantidade suficiente de médicos para atender as demandas da população e cobrou que as diferentes instâncias de governo ofereçam aos médicos condições adequadas, como “infraestrutura de trabalho, apoio de equipe multidisciplinar, acesso a exames e a uma rede de referência para encaminhamento de casos mais graves”. 

O estudo Demografia Médica no Brasil 2018, feito pelo CFM, apontou para as desigualdades na quantidade de médicos nas diferentes regiões do País (leia detalhes abaixo). Nessa perspectiva, a entidade representativa dos médicos acredita que “para estimular a fixação dos médicos brasileiros em áreas distantes e de difícil provimento, o Governo deve prever a criação de uma carreira de Estado para o médico, com a obrigação dos gestores de oferecer o suporte para sua atuação, assim como remuneração adequada”, conforme consta na nota do dia 14. 

“Esperamos que, no novo governo, tenhamos uma carreira médica de ordem federal, sistêmica, para permitir a fixação do médico em municípios muito pequenos, aqueles com menos de 20 mil pessoas”, comentou Giamberardino. 

Aroldi ressaltou que, além da atenção básica, é preciso que se estruturem unidades de referência para atender as demandas de alta complexidade em saúde. Para ele, é positiva a intenção do futuro ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, de que a União contrate médicos para os municípios. “Ao longo dos anos, e não só no governo Temer, a União se afastou e transferiu muito das responsabilidades em saúde para os municípios, com programas subfinanciados em sua maioria, fazendo com que os municípios tenham que entrar com uma contrapartida muita alta, quando a maioria deles não têm orçamento para isso”, observou o Presidente da Confederação Nacional de Municípios.


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