Por que a vida média de um celular é de apenas 3 anos, mas deveria ser de 25

  • Dayse Cruz
  • Publicado em 10 de outubro de 2023 às 06:30
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Para combater geração de lixo eletrônico, especialistas defendem que empresas facilitem o acesso a conserto e atualização de aparelhos

Usuários costumam trocar de celular cada vez mais rápido por conta das novidades do mercado – foto Freepik

 

Jorge Marcos Fernández tenta fazer com que seus celulares durem o máximo possível. O último que teve foi um Samsung, que aos seis anos era “muito devagar”.

“Abrir o Spotify era um parto, usava o Google Maps e ficava muito lento. Era uma agonia ver aquilo funcionar”, lembra ele.

Ao considerar comprar um novo, o jovem de 27 anos tinha duas prioridades: que fosse facilmente reparável e que utilizasse materiais recicláveis ​​e de origem sustentável. Ele optou pelo Fairphone 4, um aparelho projetado para ser facilmente consertado pelo usuário.

Embora Marcos Fernández tenha durado seis anos com o seu dispositivo anterior, a vida média de um smartphone é muito menor. Especificamente, três anos, segundo o Gabinete Europeu do Ambiente (EEB).

O número está longe dos mais de 25 anos que um telefone deveria durar para compensar o seu impacto no meio ambiente.

É o que indica o EEB, que destaca que prolongar em um ano a vida útil de todos os smartphones na União Europeia pouparia 2,1 milhões de toneladas de dióxido de carbono por ano entre agora e 2030, “o equivalente a levar mais de um milhão de carros”. ”

Mas por que trocamos de celular a cada três anos? Uma das principais razões é “a obsolescência estética, a procura constante de algo novo”, afirma Mário Barros, professor auxiliar do Departamento de Arquitetura, Design e Tecnologia de Mídia da Universidade de Aalborg, na Dinamarca.

“Há muito marketing que promove os novos smartphones lançados no mercado e que apelam ao consumismo.
No dia 12 de setembro, a Apple anunciou que o novo iPhone 15 poderia ser reservado a partir de três dias depois, algo que muitos usuários fizeram”.

“Houve quem vendesse o celular antigo para comprar o novo. Na verdade, as pessoas que colocam seus aparelhos à venda costumam fazê-lo para “ter mais orçamento para comprar o último modelo que está à venda”.

É o que indica um porta-voz da empresa, que lembra que após o lançamento do iPhone 14, em 2022, “a oferta dos modelos anteriores aumentou em relação aos outros meses”.

Os usuários também costumam substituir os telefones devido a defeitos de hardware, um novo provedor de assinatura móvel, falta de suporte de software e insatisfação com o desempenho, diz Marina Proske, pesquisadora do Departamento de Engenharia Ambiental e de Confiabilidade do instituto de pesquisa alemão Fraunhofer IZM.

O que mais falha nos celulares é a bateria, seguido por sistema operacional e funções da tela, segundo estudo da Organização de Consumidores e Usuários (OCU) publicado em 2020.

Conserto em oficinas independentes

“Os smartphones quebram”, diz Barros. E corrigi-los às vezes é difícil, uma vez que “os modelos de negócios e as cadeias de abastecimento são otimizados para entregar novos produtos, e não para repará-los”.

O especialista destaca, por exemplo, que os grandes fabricantes impõem diversas limitações aos reparadores independentes. “Se a capacidade de conserto fosse bem implementada e acessível, os smartphones poderiam durar uma década”, afirma.

Gigantes da tecnologia como Google, Apple e Samsung lançaram programas de auto-reparo para que os próprios usuários possam consertar seus dispositivos em casa com ferramentas oficiais.

Mas a maioria dos telefones não é feita para ser facilmente reparável. É o que indica Barros, que destaca que Apple e Samsung dominam o mercado de smartphones e estabelecem as práticas seguidas pela concorrência.

“Seis ou oito anos atrás, quando a Xiaomi era um player menor, as baterias de seus telefones eram removíveis e facilmente substituíveis. Atualmente, a maioria tem a bateria colada na tampa traseira por ser mais fina, o que dificulta o reparo”, afirma.

Anna Jopp, assessora de imprensa da Fairphone, concorda que os telefones geralmente se tornaram mais difíceis de consertar com o tempo porque “a maioria das peças está colada”.

“Para retirar ou substituir uma peça quebrada, é necessário um equipamento especial, se é que é possível abrir o telefone. É quase impossível para um usuário fazer isso sozinho”, acrescenta.

Por esta razão, Barros considera necessário que uma rede de oficinas independentes possa operar no mercado: “É como acontece quando um carro precisa de manutenção, e o cliente pode escolher se quer que ele seja inspecionado na marca ou em outra oficina”.

Além do hardware, o software também é essencial. O Fairphone 5, último modelo lançado pela empresa, tem garantia de cinco anos e pelo menos oito anos de suporte de software garantido.

“Seu telefone ainda pode funcionar perfeitamente, mas se parar de receber atualizações de software, há aplicativos como bancos que podem parar de funcionar”, lembra Jopp, que acredita que a Apple faz um bom trabalho ao oferecer suporte de software por um longo tempo (até nove anos em alguns modelos).

“Adoraríamos ver isso cada vez mais em dispositivos Android”, diz ela.

Os telefones poderiam então funcionar corretamente por uma década? Barros acredita que sim, “como acontece com muitos laptops”. Mas ele não acha que isso vai acontecer.

“Os smartphones estão aqui desde 2007, e os celulares o geral há ainda mais tempo, e só recentemente a legislação começou a incluir medidas”, afirma.

Algumas políticas, como o índice de reparabilidade na França ou a aprovação do conector de carregamento universal USB tipo C na Europa, “forçam os fabricantes a mudar as suas práticas”.

No entanto, a especialista critica que a legislação esteja sendo implementada de forma tão lenta e não seja aplicada de forma mais ampla.

Embora as medidas tomadas promovam a circularidade, “elas abordam apenas parte do problema”. Para ela, uma legislação mais rígida teria que levar em conta a extração de materiais para fabricação de celulares e o fim do ciclo de vida do produto – quem é o responsável pelo descarte do smartphone e suas peças.

“Se as empresas fossem responsáveis ​​ou mesmo parcialmente responsáveis ​​por isto, concentrariam os seus esforços no desenvolvimento de soluções para isso. Caso contrário, não é problema seu”, finaliza.

A produção de um celular requer energia e materiais. “Existem mais de 40 materiais diferentes num smartphone que são extraídos em condições difíceis e muitas vezes perigosas”, diz Jopp, que destaca que apenas uma pequena porcentagem destes recursos valiosos pode ser recuperada durante a reciclagem.

Ao mesmo tempo, “o lixo eletrônico é o fluxo de resíduos que mais cresce no planeta”: “1,5 bilhões de telefones são vendidos todos os anos, e apenas 20% deles são reutilizados ou reciclados”, afirma.

Um problema importante considerando que em 2019 foram geradas 53,6 milhões de toneladas de lixo eletrônico em todo o mundo, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). A expectativa é que em 2030 esse número atinja 74,7 milhões de toneladas.

*Informações O Globo


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