Pesquisadores investigam uso do vírus Zika no combate a tumores

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 29 de abril de 2018 às 02:43
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:42
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Grupo de cientistas da USP pretende avançar em breve par a fase dos ensaios clínicos

Um estudo brasileiro mostrou, pela
primeira vez em um modelo vivo, que o vírus Zika pode ser usado como ferramenta
no tratamento de tumores humanos agressivos do sistema nervoso central. A
pesquisa conta com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo (Fapesp).

O trabalho foi publicado nesta
quinta-feira (26) na revista “Cancer Research”. Após injetar pequenas
quantidades do patógeno no encéfalo de camundongos com estágio avançado da
doença, os cientistas observaram uma redução significativa da massa tumoral e
aumento da sobrevida dos animais.

Em alguns casos, houve a eliminação completa
do tumor, até mesmo de metástases na medula espinal. “Estamos muito animados
com a possibilidade de testar o tratamento em pacientes humanos e já estamos
conversando com oncologistas. Também submetemos uma patente com o protocolo
terapêutico adotado em roedores”, relata Mayana Zatz, professora do Instituto
de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP) e coordenadora do Centro
de Pesquisas do Genoma Humano e Células-Tronco (CEGH-CEL), um Centro de
Pesquisa, Inovação e Difusão apoiado pela Fapesp.

Mayana Zatz coordenou a investigação
ao lado de Oswaldo Keith Okamoto, também professor do IB-USP e membro do
CEGH-CEL. Colaboraram pesquisadores do Instituto Butantan, do Laboratório
Nacional de Biociências (LNBio) e da Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp). “Nossos resultados sugerem que o Zika possui uma afinidade ainda
maior pelas células tumorais do sistema nervoso central do que pelas
células-tronco neurais sadias, principais alvos do vírus no cérebro de fetos
expostos durante a gestação. E, ao infectar a célula tumoral, ele a destrói
rapidamente”, diz Oswaldo Keith Okamoto.

Propriedades

No laboratório do IB-USP, o
pesquisador tem se dedicado a estudar um grupo de genes que, quando expressos
em tumores malignos, conferem às células tumorais propriedades semelhantes às
de células-tronco, tornando-as mais agressivas e resistentes ao tratamento.

Segundo o pesquisador, essas células
tumorais com características de células-tronco já foram observadas em diversos
tipos de tumores sólidos, inclusive aqueles que afetam o sistema nervoso
central.

Dados da literatura científica
sugerem que elas ajudam o câncer a se disseminar pelo organismo e a restaurar o
crescimento tumoral após a quase eliminação da doença por tratamentos de químio
e radioterapia. “Nossos estudos e de outros grupos mostraram que o vírus Zika
causa microcefalia porque infecta e destrói as células-tronco neurais do feto,
impedindo que novos neurônios sejam formados. Foi então que tivemos a ideia de
investigar se o vírus também atacaria as células-tronco tumorais do sistema
nervoso central”, afirma o cientista.

Metodologia

O trabalho agora publicado teve como
foco os chamados tumores embrionários do sistema nervoso central. Foram usadas
nos experimentos três linhagens tumorais humanas: duas de meduloblastoma e
outra de tumor teratoide rabdoide atípico (TTRA).

Como explica Oswaldo Keith Okamoto,
ambos os tipos de câncer são causados por modificações – genéticas ou
epigenéticas – que acometem as células-tronco e progenitores neurais durante o
desenvolvimento embrionário, quando o sistema nervoso está em formação. “As
células-tronco neurais que sofrem essas alterações dão origem, mais tarde, às
células tumorais. Formam tumores agressivos, de rápido crescimento, que podem
se manifestar logo após o nascimento ou até a adolescência”, diz o pesquisador.

Em uma etapa inicial da pesquisa, o
grupo testou in vitro se o Zika era capaz de infectar essas três linhagens de
tumores do sistema nervoso central e células de outros tipos frequentes de
câncer, como mama, próstata e colorretal.

Escalonamento

Foi feito um estudo de escalonamento
de dose, ou seja, quantidades crescentes do vírus foram adicionadas às células
tumorais em cultura até encontrar a quantidade capaz de promover a infecção.
Por microscopia de imunofluorescência, os pesquisadores puderam confirmar se o
vírus tinha de fato invadido e começado a se replicar no interior da célula
tumoral.

“Observamos que pequenas quantidades
do Zika eram suficientes para infectar as células de tumores do sistema nervoso
central. As de próstata chegaram a ser infectadas, mas em uma proporção muito
menor. Por outro lado, mesmo uma grande dose viral não causou infecção nas
células de câncer de mama e de tumor colorretal”, explica Oswaldo Keith
Okamoto.

O segundo experimento consistiu em
comparar a capacidade do vírus de infectar células-tronco neurais sadias – obtidas
a partir de células-tronco pluripotentes induzidas (IPS, na sigla em inglês,
células adultas reprogramadas em laboratório para se comportarem como
células-tronco) – e células-tronco tumorais do sistema nervoso central. “Infectamos
ambos os tipos celulares in vitro e vimos que as células-tronco tumorais
são ainda mais suscetíveis a serem destruídas pelo Zika do que as
células-tronco neurais sadias. Nesse mesmo ensaio, expusemos neurônios maduros
ao vírus – diferenciados a partir das células-tronco neurais humanas – e vimos
que eles não foram infectados ou destruídos pelo patógeno”, diz o pesquisador. “Essa
é uma ótima notícia, uma vez que nosso objetivo é destruir especificamente
células tumorais”, afirma Mayana Zatz.

Como explicou a pesquisadora, as células-tronco
neurais usadas no experimento foram obtidas durante um estudo anterior do
grupo, feito com pares de gêmeos discordantes, ou seja, casos em que apenas um
dos irmãos foi afetado pelo vírus, embora ambos tenham sido expostos igualmente
durante a gestação.

Dados preliminares do grupo sugerem
que o Zika também é capaz de infectar e destruir outros tipos de células
tumorais do sistema nervoso central, entre elas glioblastoma e ependimoma.

Ensaios

Na terceira e última etapa da
pesquisa, foram feitos ensaios com camundongos imunossuprimidos, nos quais
foram injetadas células tumorais humanas. Nesse modelo de estudo, o tumor é
induzido em uma região do encéfalo conhecida como ventrículo lateral. De lá,
ele se espalha para outras regiões do sistema nervoso central e, em seguida, ao
longo da medula espinal.

Depois que o tumor estava instalado,
uma parte dos animais recebeu – na mesma região do encéfalo – uma injeção com
pequena dose de Zika. “No grupo tratado, observamos uma redução significativa
do volume tumoral. Em alguns casos, o tumor foi eliminado totalmente, até mesmo
as metástases que haviam se formado na medula espinal”, diz Oswaldo Keith
Okamoto.

Paralelamente ao desenvolvimento da
parte teórica em laboratório, o grupo pretende avançar até a fase de ensaios
clínicos em humanos. “São tumores para os quais hoje há poucas opções
terapêuticas. A ideia seria começar com dois ou três pacientes que não
respondem aos tratamentos convencionais e, se a estratégia funcionar, estender
para um grupo maior”, ressalta Mayana Zatz.


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