O bobo

  • Língua Portuguesa
  • Publicado em 11 de dezembro de 2018 às 12:02
  • Modificado em 8 de abril de 2021 às 14:20
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O BOBO

(LUIZ CLÁUDIO JUBILATO – 27/07/2014 – dia do escritor)

Quando a escrita ainda garatuja pulava amarelinha brincava de polícia ladrão, a dona das verdades universais recitou pra molecada de cara borrada regras sobre como escrever bem. Até hoje não sei o que é isso também. Tolo, quis trancafiar Palavras entre a margem da folha e o ponto final. Elas se libertaram das algemas, fizeram da minha pretensão carnaval. Não se esqueceram de vomitar em cima de mim Palavra é ser camaleônico, pode escapar, pode fazer viver e/ou matar e/ou roubar.

Palavra ora tormenta, ora inventa, ora se reinventa, hora atormenta: língua solta, língua de trapo, língua de sogra, língua de sapo. Escrita, ela tem roupa cara de documento. Falada escapa pelos olhos foge como o vento espalha, cara de “invento”. Será palavra cachorro vira-latas, não aceita coleira, nem lei. Tempo morto, mofo Assinava-se com a mão, apagava-se com borracha, não com toque de botão.

Vírgula cria silêncio entre palavras. Interrogação cria o talvez, o sim, o não. Parênteses encarceram pensamentos. Aspas lhe dão status quo. Palavra faca cega, cega. Substantivos, adjetivos, preposições, verbos, conjunções, pronomes agarram-se, amarram-se, devoram-se, despem-se. Às vezes, soltam-se sem cadeias nem amarras.

Palavras têm olhos, pernas, fogem, abraçam, correm, comem, tramam, sem um por que rasga o indivíduo, o estilo. Meu corretor, não corrige, me dirige, não sabe nada de nada, não sabe de línguas nem que palavras bichos indomáveis. Por trás da máquina, há o homem programado, programador, errante, como errei ante o cânone, errei de proposto, errei para rimar. Há uma intenção. Ele não conhece suscetibilidades, subjetividades, sensibilidades. Aprendi a brincar com as palavras, errar de propósito. Sem submissão, com razão.

Tempo presente, digita-se com a ponta dos dedos, minha identidade é minha assinatura, não minha senha. Não tenho a soberba de declarar-me escritor, escrevinhador, poetador romanceador, seja lá o que for, numa civilização da dor: cultivador, semeador, elevador,

Palavras são escorregadias, aceitam bocas correntes, não aceitam correntes. Abraçam sem pudor, os complacentes, os coniventes, os dementes e os inocentes. Palavras são cavalos indomáveis. Não aceitam sela, nem cela. Tem um organismo libertador. Num dicionário, vestem-se de fraque. Fora dessas circunstâncias, podem ser comidas por traças, mergulham no mar, mesmo sem saber nadar.


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