Brasileiro busca cura do HIV com tratamentos e vacina personalizada

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 22 de julho de 2018 às 14:49
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:53
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Infectologista da Unifesp consegue eliminar completamente o vírus do organismo de dois pacientes

Há seis anos, o infectologista
Ricardo Diaz devota a maior parte do tempo dos seus dias à solução de um
problema global: a infecção pelo vírus HIV. E ele pode estar chegando mais
perto da cura, conforme indicam os resultados preliminares de seu experimento.

Diaz, que é pesquisador da Escola de Medicina da
Unifesp, lidera um estudo que, no último ano, conseguiu erradicar completamente
o vírus HIV de duas pessoas soropositivas, segundo os resultados.

Agora, elas estão sendo acompanhadas para ver como seu
organismo reage sem o tratamento experimental.

O estudo ainda não foi publicado, mas será apresentado
na íntegra, pela primeira vez, no Congresso Internacional de Aids, o mais
importante do mundo sobre o tema, que acontece na Holanda a partir desta
segunda-feira, 23 de julho.

A infectologista Melissa
Medeiros, especialista em HIV e consultora da Sociedade Brasileira de
Infectologia, diz que a pesquisa é “extremamente promissora” e
“traz esperança, acima de tudo”. No entanto, ela afirma que é preciso
avançar nos testes para saber qual seria o impacto do tratamento nas pessoas. “Quando
se fala de algo assim, as pessoas já acham que a cura chegou. Mas é importante
saber que há um tempo de pelo menos cinco a 10 anos até as pesquisas chegarem à
população. É preciso bastante tempo até sabermos se a pesquisa será mesmo
bem-sucedida e se é segura”, disse.

Impedindo a volta do vírus

O tratamento contra o HIV
disponível atualmente no Sistema Único de Saúde (SUS) é um coquetel de três
medicamentos que inibe o máximo possível a reprodução do vírus no corpo,
enquanto mantém o sistema imunológico atuante e protege contra infecções
oportunistas.

O HIV, no entanto, não é completamente eliminado do
organismo, e pode voltar.

A equipe de pesquisadores brasileiros fez uma combinação
de medicamentos já utilizados em todo o mundo com mais duas substâncias ainda
não usadas neste tipo de tratamento e vacinas personalizadas, feitas com base
no DNA de cada participante. “É a primeira vez no mundo que alguém
experimenta esse tratamento específico que fizemos, e a primeira vez que temos
resultados tão positivos na primeira etapa. Estamos dando mais um passo na
direção da cura”, afirmou Diaz.

Em 2015, um estudo dinamarquês
combinou um medicamento usado no tratamento de câncer com o coquetel
antirretroviral e uma vacina baseada em DNA e conseguiu eliminar os
reservatórios do vírus HIV no organismo de pacientes por alguns meses.

Desde então, outros testes do tipo têm sido feitos na
Espanha, na Grã-Bretanha, na Noruega, na Alemanha e na Itália, e começam a
ocorrer nos Estados Unidos.

A primeira etapa do estudo de Diaz – feito com 30
pessoas – foi finalizada. Apenas cinco delas receberam a combinação completa de
tratamentos, e entre elas, duas parecem estar livres do vírus, de acordo com os
exames. Este grupo deve ser expandido para pelo menos 50 pessoas até o fim do
ano.

Novo tratamento

O tratamento proposto pelos
pesquisadores brasileiros quer chegar à “cura esterilizante”, que é a
eliminação completa do vírus, sem a possibilidade de que ele volte a se
replicar – algo que atualmente pode ocorrer se o soropositivo para de tomar o
coquetel. “Atualmente, nós tratamos a pessoa, o vírus morre, paramos de
tratar, e o vírus volta. Isso ocorre porque o vírus continua se multiplicando
no corpo da pessoa mesmo com o tratamento eficiente”, explica o
infectologista

De acordo com Diaz, a cura
total de pacientes com HIV enfrenta três grandes obstáculos – o fato de que o
vírus continua se replicando no corpo mesmo com o coquetel, que apenas mantém
essa replicação baixa; o fato de que o vírus fica latente, ou seja,
“adormecido”, e pode voltar à atividade de maneira aleatória; e a
existência dos “santuários”, locais do corpo humano onde os
medicamentos são pouco distribuídos e o HIV pode continuar se desenvolvendo. “O
que fizemos foi combinar tratamentos que pudessem superar todas estas
barreiras”, afirma.

Como funcionam os testes

O
estudo foi feito inicialmente em 30 pacientes, divididos em grupos de cinco
pessoas. Cada um deles experimentou uma combinação diferente, e o último grupo
usou todos os tratamentos em conjunto.

Além do coquetel
antirretroviral, eles usaram a nicotinamida, ou vitamina B3, um suplemento
alimentar que é vendido em farmácias, mas nunca foi usado contra o vírus HIV.
Ele “acorda” as células com o vírus latente no corpo.

A pesquisa usou também o sal de ouro, medicação usada
para tratar doenças como artrite que não chega a despertar as células com HIV,
mas as leva a um “suicídio”, explica Diaz.

E, para eliminar os “santuários” de vírus no
organismo dos pacientes, os pesquisadores desenvolveram, em parceria com a
Universidade de São Paulo (USP), uma complexa vacina personalizada, que faz com
que o sistema imunológico volte a reconhecer o vírus dentro do corpo, encontre
esses santuários e mate o vírus. “Desenhamos, de acordo com o perfil
genético da pessoa, o pedacinho do vírus que seria importante pra despertar o
seu sistema imunológico”, diz o infectologista.

Nas cinco pessoas do grupo 6,
que fizeram o tratamento completo, a quantidade de vírus diminuiu mais do que
em todas as outras. E em duas delas, o vírus sumiu completamente das células. “Agora
estamos estudando como fazer a interrupção desse tratamento, para ver se elas
permanecem sem o vírus por mais tempo. Depois, vamos expandir o estudo.”

Cura está próxima?

O primeiro homem considerado
curado do HIV no mundo, o americano Timothy Ray Brown, foi declarado livre do
vírus em 2006 após receber a medula óssea de um doador com uma mutação genética
rara, que o tornava imune ao vírus.

Brown precisou do transplante porque ele tinha leucemia.
Em 2008, a doença voltou e ele teve que fazer um segundo transplante de medula.
No entanto, continuou completamente livre do HIV.

Mas, segundo os especialistas, isso não quer dizer que
um transplante de medula resolveria os casos de todas as pessoas que são
soropositivas no mundo – cerca de 37 milhões em 2017, segundo a ONU. “Timothy
Brown é um caso raro e bastante específico, porque ele teve a sorte de
encontrar um doador de medula com uma mutação genética raríssima que faz com
que as células de defesa do corpo não tenham um receptor que pode se ligar ao
vírus HIV”, explica Melissa Medeiros. “Mas esse tipo de transplante
tem um índice de 50% de mortalidade. Não é uma opção terapêutica para todas as
pessoas que têm HIV.”

Por isso, nos últimos anos,
cientistas de todo o mundo têm investido em pesquisas como a feita por Diaz, em
que pessoas que já estão em tratamento para controlar o vírus recebem
medicamentos extra e uma vacina específica. “Ser portador do HIV é viver
em silêncio, porque as pessoas sentem que não podem contar para a família nem
para os amigos, vivem com medo de novos relacionamentos, de como a sociedade
vai aceitá-los no trabalho, etc. A cura ainda pode demorar um pouco, mas é
realmente essencial”, diz Melissa Medeiros.

Investimento

Mas, para a epidemiologista
Lígia Kerr, que produz estudos sobre HIV para o Ministério da Saúde, é preciso
mais do que um tratamento médico para resolver o problema da Aids no mundo. “Os
avanços tecnológicos no tratamento e na cura da Aids são muito bem vindos, mas
não são somente eles que vão controlar a situação. Se você tem um tratamento
supercaro e governos que não estão mais querendo investir na saúde, fica
difícil”, disse.

É necessário, segundo Kerr, um
pacote que inclua prevenção, educação sexual, campanhas com populações mais
vulneráveis e tratamento médico, para impedir que o vírus circule. “Alguns
pesquisadores como eu não acreditam nesta cura total da Aids, porque alcançar
isto não envolve só medicação, mas comportamento, comprometimento com o outro,
uso do preservativo, investimento dos governos”, diz. “Tentamos eliminar
completamente outras doenças há anos e não conseguirmos. Por exemplo, a
hanseníase. É uma doença tratável, mas, se você não tratar todo mundo, não tem
jeito. Você ainda terá o bacilo infectando outras pessoas.”

Se for bem-sucedido, o tratamento
para curar o HIV seria muito caro?

Diaz afirma que uma vacina personalizada para cada
paciente soropositivo no Brasil – e no mundo – seria muito custosa, ainda que
ele não tenha uma estimativa real do valor gasto em sua pesquisa até agora.
Mesmo assim, ele se diz otimista. “Há outras coisas na saúde que são
caras, mas, quando viram praxe, são feitas mais rapidamente. Temos vários
exemplos disso na medicina.”

Para Melissa Medeiros, o alto
custo do tratamento poderia ser compensado em sua escala de produção, caso os
resultados finais da pesquisa signifiquem, de fato, uma cura definitiva. “Hoje
o governo já comprou algumas batalhas como essa, como a da Hepatite C. O
tratamento cura quase que 100% das pessoas, e não é barato. Custa em torno de
R$ 100 mil a R$ 300 mil por paciente, mas o Ministério fornece
gratuitamente.”

Polêmico estudo feito só com homens

Para fazer parte do estudo da
Unifesp, era necessário que os soropositivos fossem todos maiores de 18 anos e
do sexo masculino, o que significa que os pesquisadores ainda não sabem como o
tratamento pode funcionar em mulheres. Por essa razão, Diaz admite que foi
“muito criticado”. “Não é uma coisa correta fazer essa
discriminação. Temos que investigar para todos os indivíduos. Mas tive uma
intuição de que, nesse momento, seria mais seguro fazer só com homens”,
diz. “Achei que para alguns medicamentos poderia haver mais efeitos
colaterais nas mulheres. Mulheres às vezes engravidam e não sabíamos o que essa
combinação poderia fazer. Mas já está no plano incluir mulheres na próxima etapa.
Como vimos que a associação de medicamentos não causou mal detectável, então
ficamos mais seguros.”

Segundo o infectologista,
tratamentos experimentais contra o vírus HIV geralmente têm 75% de pacientes
homens e 25% de mulheres, que costumam ser infectadas em menor número.

No entanto, seu estudo deve obedecer a nova diretriz na
comunidade científica de ter o mesmo número de mulheres e homens.


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