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Davi Miguel retornou à Franca após um período nos Estados Unidos, onde seria realizado um transplante de intestino, que se mostrou inviável no seu caso
Davi Miguel sofre de uma doença rara no intestino, sem cura ou tratamento – foto G1
Ele adora o gosto da comida japonesa, brinca de slime e no iPad e se dá bem com matemática.
Nos pequenos gestos e preferências, Davi Miguel Gama, de 7 anos, demonstra que há motivo para sorrir e ter esperança, mesmo quando se tem uma doença rara no intestino sem cura ou tratamento viável.
Em mais uma dessas simples mudanças de rotina, mas enormes em significado para ele e a família, o menino – conhecido em todo o país pela luta por recursos para um transplante de órgãos nos Estados Unidos, que não aconteceu – voltou às aulas presenciais mais de um ano e meio depois de um início frustrado pela pandemia da Covid-19 em Franca.
Em um vídeo gravado pela mãe, o pequeno se mostra empolgado e ataca de youtuber enquanto anda pelas ruas do bairro City Petrópolis, na zona Norte da cidade, a caminho da Escola Municipal Aldo Prata, onde retomou em agosto as atividades presenciais pela segunda série do ensino fundamental.
“Oi pessoal, tudo bem? Hoje estou aqui na minha escola, então bora lá. (…) Eu vou estudar. Voltei, vou tirar nota 10, tomara que eu não tire nota zero”, afirma.
Luta pela vida
Ir a pé para a escola com os pais, socializar, brincar com colegas de sala, ainda que com restrições, ter sonhos para o futuro.
Tudo isso representa um ganho de perspectiva único para o menino, que vive sob cuidados médicos constantes por conta de uma inclusão das microvilosidades intestinais, doença que inviabiliza a absorção de nutrientes no organismo desde que nasceu.
Davi Miguel voltou dos Estados Unidos em 2019, onde ficou três anos à espera de um transplante Jackson Memorial Hospital, em Miami, o que não se concretizou devido à inviabilidade para o procedimento e pelo fim dos recursos disponibilizados pelo governo brasileiro para manter a família no exterior.
Depois de 52 dias de internação no Hospital Municipal Menino Jesus, em São Paulo, o menino ainda retorna ao menos uma vez por mês para consultas e exames, mas foi liberado para seguir com o tratamento em casa.
“Ele tem consultas regulares, uma vez por mês, dependendo do resultado dos exames tem que ir toda semana. Só se tiver alguma intercorrência e não der tempo tem que passar pelo hospital daqui e é feita a transferência”, diz o pai, o sapateiro Jesimar Aparecido Gama.
O tratamento básico, para suprir a falta de absorção dos alimentos, significa passar 12 horas por dia conectado a um equipamento que garante a sua nutrição parenteral, ou seja, diretamente nas veias.
“É permanente, o que muda são alguns itens [da nutrição]. Os médicos mudam, prescrevem e o laboratório faz e prescreve”, afirma Jesimar.
Davi também precisa tomar remédio para regular as funções do fígado e receber duas aplicações diárias de um anticoagulante, para evitar tromboses. “Se ele perder o acesso [venoso] que tem, fica difícil, não tem como receber a nutrição”, diz o pai.
Tudo que é feito hoje, segundo Jesimar, é um paliativo diante da falta de perspectivas para um transplante de intestino, considerado inviável pelos médicos devido à perda da maioria dos acessos venosos da criança.
“Falam que não tem jeito, porque os acessos dele não voltaram ainda, ele só tem uma veia. O quadro clínico dele não permite.”
Em nota, a Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo informou que Davi é acompanhando no Hospital Municipal Infantil Menino Jesus e Hospital Sírio-Libanês por equipe multiprofissional do Centro de Reabilitação Intestinal e Transplante.
“O paciente faz parte do programa de nutrição parenteral domiciliar e realiza acompanhamento ambulatorial com a equipe da unidade.”
Mais desafios
Davi Miguel e sua mãe, Dinea – foto G1
O problema de saúde se soma aos desafios financeiros da família que, assim como tantas outras, sentiu na pele os efeitos da pandemia.
A mãe, Dinea Gama, fica em casa para garantir a assistência ao filho, e o pai atua como autônomo, enquanto não consegue um emprego com carteira assinada.
“É difícil, porque com essa pandemia ficou difícil pra todo mundo. A gente já imaginava que seria mais difícil do que lá [nos Estados Unidos]. Minha mulher não trabalha, fica por conta dele [do Davi]. Eu faço algumas coisas, dá pra fazer alguma coisa, não estou registrado”, afirma Jesimar.
Da dor à esperança
Entre dores de injeções e limitações em relação a outras crianças, como não poder entrar na piscina ou jogar uma partida de futebol, Davi Miguel sofre e tenta entender por que as coisas com ele são assim.
“Ele tem consciência, porque sabe que os outros não usam cateter. Ele tem vontade de mergulhar, o sonho dele é mergulhar e ele sabe que por causa do cateter não pode”, afirma Jesimar.
Mas nada disso tira o sorriso dele. A empolgação gravada pela mãe no vídeo da ida para a escola é constante na criança, que é muito brincalhona, ativa e aproveita tudo aquilo que está ao alcance dela, garante a família.
“Ele é feliz, é uma festa só aqui em casa, conversa o dia todo, gosta de trolar os outros. Se você está sentado, ele quer puxar a cadeira para fazer de conta que você está caindo”, conta Jesimar.
Na escola, agora com atividades em sala após um ano e meio só pela internet, o menino também se demonstra interessado. “Ele fala que gosta de matemática, faz tudo certinho. Ele está bem, segundo as professoras.”
Na hora do jantar da família, embora os alimentos não sirvam para sua nutrição, ele não fica de fora e faz questão de provar, ainda mais se for comida japonesa. “Ele experimenta de tudo, só que não absorve, mas gosta. A gente está sempre tentando colocar para ele.”
Davi sabe que viver, sorrir e sonhar também são uma questão de esperança. E isso ele tem de sobra, o suficiente para contagiar quem está à sua volta.
“Temos esperança de que com a tecnologia tudo muda, pode aparecer alguma solução para ele, a esperança é essa. As coisas estão mudando muito, a tecnologia é muito avançada, não sei quanto tempo, Deus é que sabe” , afirma o pai.
*Informações G1