Já teve um ‘amigo da onça’? Descubra de onde veio a expressão e como se popularizou

  • Rosana Ribeiro
  • Publicado em 2 de agosto de 2024 às 19:00
  • Modificado em 31 de agosto de 2024 às 11:04
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Você já teve um “amigo da onça”? Não é necessário muito esforço para associar a expressão a um amigo falso, a uma pessoa de índole questionável

Expressão foi criada pelo cartunista pernambucano Péricles de Andrade Maranhão – foto Primeira Página

 

Você já teve um “amigo da onça”? Não é necessário muito esforço para associar a expressão a um amigo falso, a uma pessoa de índole questionável, ou a alguém que coloca o outro em enrascadas.

O responsável – ao menos em parte – por disseminar esse conceito no imaginário coletivo brasileiro foi o cartunista pernambucano Péricles de Andrade Maranhão.

Natural do Recife, Péricles nasceu em 14 de agosto de 1924, e teria feito 100 anos neste mês de agosto.

Péricles não inventou a expressão “amigo da onça”, mas a tornou popular a partir da ilustração de um personagem com o mesmo nome, publicado pela primeira vez na revista O Cruzeiro, em 23 de outubro de 1943.

Segundo os pesquisadores Ana Cristina Carmelino e Paulo Ramos, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), no artigo “O impacto de o Amigo da Onça em charges contemporâneas: ethos e humor”, a origem do personagem foi inspirada em uma série do ilustrador argentino Guillermo Divito, chamada “Enemigos del Hombre”, publicada entre as décadas de 1930 e 1940.

Outra versão, relatada na Enciclopédia Itaú Cultural de Cultura Brasileira, diz que a inspiração veio do quadro “The enemies of man” (Os inimigos do homem) , da revista norte-americana “Esquire”.

No Brasil, ainda segundo a enciclopédia, o editor de O Cruzeiro convidou Péricles, então recém-chegado ao Rio de Janeiro, e que já colaborava com outros periódicos, para dar vida ao personagem que constantemente colocava outras pessoas em situações constrangedoras ou difíceis.

Uma das versões sobre o surgimento da expressão, faz referência a uma piada conhecida no início dos anos 1940:

“Dois caçadores conversam em seu acampamento:
— O que você faria se estivesse na selva e uma onça aparecesse na sua frente?
— Ora, dava um tiro nela.
— Mas se você não tivesse nenhuma arma de fogo?
— Bom, então eu matava ela com meu facão.
— E se você estivesse sem o facão?
— Apanhava um pedaço de pau.
— E se não tivesse nenhum pedaço de pau?
— Subiria na árvore mais próxima!
— E se não tivesse nenhuma árvore?
— Sairia correndo.
— E se você estivesse paralisado pelo medo?
Então, o outro, irritado, responde:
— Mas, afinal, você é meu amigo ou amigo da onça?

De acordo com o escritor e mestre em linguística Eugênio Jerônimo, não é possível assegurar que essa anedota, em específico, tenha sido a origem do personagem.

No entanto, o conto, junto com muitos outros, certamente inspiraram o artista, na visão do estudioso.

“A onça é um bicho muito simbólico no Brasil. Você tem muitas lendas, histórias, piadas com a onça – e outras nem tão piadas assim – mas, para atingir uma dimensão dessas, a gente explica isso pela cultura de massas, como foi aproveitado por Péricles”.

“Com a força do humor, tornou-se uma coisa que atingiu o Brasil todo”, comentou Eugênio Jerônimo.

Ainda segundo Eugênio Jerônimo, outro fator que colaborou com a assimilação do personagem e do conceito da expressão “amigo da onça” foi o contexto histórico do país na década de 1940, quando o cartoon foi criado.

“Em 1940 a gente era um país ainda muito rural, onde você tinha 30% do povo morando na cidade. Então, era natural que existisse uma gama de expressões calcadas nas coisas do campo”.

“Você tem expressões como ‘fulano deixou o cavalo passar selado’, para dizer que alguém perdeu uma oportunidade”, explicou o linguista.

A associação entre período histórico e humor, para Eugênio Jerônimo, foi o que levou o “Amigo da Onça” às graças do povo.

Esse mesmo contexto responsável por consagrar o personagem, hoje, aponta reflexos de um Brasil com valores diferentes, onde muitas peças tinham no cerne de seu humor comentários que atualmente podem ser considerados sexistas e racistas.

Péricles de Andrade Maranhão – foto Hoje na História

 

“Não só a cultura, mas a própria vida se faz com a língua. A língua tanto dita a cultura, como se influencia por ela. Todo o preconceito se sedimenta e se constrói pela veiculação da língua”.

“O mais ‘malvado’ é que você passa a naturalizar e dizer coisas como ‘programa de índio’ para se referir a um programa ruim, por exemplo. Como se você perdesse a noção de onde [o conceito] vem e pudesse desenraizar isso da origem do preconceito”, explicou Eugênio.

Apesar das problemáticas que poderiam ser apontadas a partir de discussões que tomaram corpo nas últimas décadas, bem depois do fim da veiculação de o “Amigo da Onça”, o humor ácido e jocoso transformou o personagem numa das figuras mais reconhecidas do Brasil.

Segundo a Enciclopédia Itaú Cultural de Cultura Brasileira, a tirinha do “Amigo da Onça” foi responsável pela fama nacional do desenhista pernambucano, que “é considerado um dos responsáveis pela inovação do humorismo brasileiro”.

Após a morte de Péricles – que se suicidou aos 37 anos, em seu apartamento em Copacabana, no Rio de Janeiro, o personagem da “tirinha” continuou a ser publicado pelo desenhista Carlos Estevão, até 1972.

Em 1988, o cartoon foi adaptado para o teatro numa peça escrita pelos também cartunistas Chico Caruso e Nani e dirigida por Paulo Betti.

Em entrevista ao jornal O Globo, em 1987, Paulo Betti classificou o personagem de humor como o mais popular do Brasil até então. De acordo com o artista, os leitores recortavam as tirinhas, colecionavam e faziam álbuns.

Cem anos depois do nascimento de Péricles de Andrade Maranhão e 52 anos após o fim da publicação periódica do personagem, “O Amigo da Onça” continua permeando o imaginário brasileiro e a cultura popular do país.

*Informações G1 Pernambuco


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