Inflamação da mente por causa de estresse é gatilho para a depressão

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 17 de junho de 2018 às 22:20
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:48
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Pesquisadores tentam construir uma visão sistêmica do transtorno, que pode ser desencadeado por vários fatores

Nas páginas de O mercador de Veneza, Antonio
descreve seu estado de espírito de forma melancólica: “Não sei porque estou
triste. Ela me cansa, como cansa você. Do que é feita ou do que terá nascido,
eu vou aprender”. Formulada há mais de quatro séculos, a indagação de um dos
personagens criados por William Shakespeare ainda descreve de forma eficaz os
mistérios que circundam a depressão.

O número de casos da doença tem aumentado
mundialmente, desencadeando problemas mais graves, como o suicídio, o que torna
urgente a compreensão de sua origem. Mas, aos poucos, cientistas começam a
desvendar esse enigma. Uma das constatações revela que há um trabalho longo a
ser percorrido é a de que a depressão não ocorre por desequilíbrios neurais
específicos, mas por uma série de mecanismos que envolve diferentes partes do
organismo humano.

Geralmente, o estresse é o primeiro ponto a ser
lembrado nas discussões, mas isso não é suficiente para explicar o transtorno.
“Ele é um grande risco para a depressão, sabemos disso sem sombra de
dúvidas. Mas como o estresse causa depressão? Tudo indica que isso ocorre por
meio da inflamação”, explicou Edward Bullmore, autor do livro The inflamed
mind: A radical new approach to depression (Em tradução livre, A mente
inflamada: Uma nova abordagem radical sobre a depressão) e professor de
psiquiatria na Universidade de Cambridge, no Reino Unido.

Desde 1989, Bullmore pesquisa sobre a relação da
inflamação com o transtorno psiquiátrico. Em seus trabalhos, analisou dados de
pacientes com depressão e percebeu níveis altos de inflamação no cérebro.
“O estresse causa uma resposta inflamatória no corpo de animais e em
humanos, como se o sistema imunológico estivesse preparando o corpo para
responder a uma ameaça à sua sobrevivência”, detalhou.  

O pesquisador acredita que uma explicação viável
para que a melancolia acometa pessoas durante inflamações é o desencorajamento
de indivíduos doentes a socializar e disseminar uma infecção, mesmo que nem
todas as enfermidades relacionadas sejam contagiosas.

Segundo Bullmore, outros cientistas também têm
conduzido estudos relacionando inflamação e depressão e mostrando a facilidade
com que proteínas conseguem entrar no cérebro, uma vulnerabilidade não
considerada há pouco tempo. Para o pesquisador, esse mecanismo precisa ser mais
compreendido, pois pode fornecer dados valiosos para a compreensão da doença.
“Precisamos aprender com a história da montanha-russa da pesquisa cerebral e
manter a empolgação sob controle. Porém, acredito que, ainda assim, a
inflamação poderia fornecer um elo perdido entre estresse e depressão”,
ponderou.

DNA

A genética é outra frente investigada como um dos
principais fatores desencadeadores da depressão. Segundo especialistas,
entender a relação do DNA com a doença também pode ajudar a compreender a maior
frequência de casos do distúrbio psiquiátrico em uma mesma família. O estudo
mais recente e um dos maiores sobre o tema foi publicado em abril, na revista
Nature Genetics, e analisou o DNA de 135.458 casos de depressão e 344.901 casos
de pessoas sem a doença.

O levantamento mostrou que, entre os 20 mil genes
que compõem o genoma humano, 44 contribuem para o risco de depressão de uma
geração para outra. “Nós mostramos que todos nós carregamos variantes genéticas
para a depressão, mas aqueles com uma carga maior são mais suscetíveis”,
explicou Naomi Wray, uma das autoras do estudo e pesquisadora da Universidade
de Queensland, na Austrália. “Sabemos que muitas experiências de vida também
contribuem para o risco de depressão, mas identificar os fatores genéticos abre
novas portas para a pesquisa dos fatores biológicos”, completou.

Os investigadores acreditam que mais
questões surgem com a descoberta, já que cada um dos genes pode ter um papel
distinto relacionado à doença, mas, ainda assim, o estudo aumenta as chances de
tratamentos mais direcionados no futuro. “Apesar de décadas de esforço, houve,
até agora, apenas escassos dados sobre os mecanismos biológicos da depressão.
Muitas pessoas sofrem com ela e têm opções limitadas. Esse estudo representa um
grande passo para elucidar os fundamentos biológicos da doença”, explicou
Steven Hyman, diretor do Centro Stanley de Pesquisa Psiquiátrica da
Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, e autor do estudo.


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