Fies encolhe e impulsiona avanço do ensino à distância e do crédito privado no país

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  • Publicado em 12 de fevereiro de 2020 às 14:26
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 20:22
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Para não extinguir o programa de financiamento estudantil, mudanças prejudicaram interessados

Uma das grandes bandeiras educacionais dos governos Lula e Dilma, o Fies (Fundos de Financiamento Estudantil) encolheu e perde relevância. 

O Fies foi criado para financiar os cursos de graduação de alunos de famílias de baixa e média renda. 

Em 2014, ano que representou o auge do programa, mais de 730 mil novas matrículas foram feitas.

Aos poucos, com a crise fiscal do governo federal, os recursos para o programa ficaram escassos. Em 2020, apenas 70 mil vagas foram abertas no primeiro semestre.

“As vagas contratadas no auge do programa não ampliaram o número de estudantes no ensino superior. O que aconteceu foi que pessoas que tinham condições de pagar pela faculdade acabaram aproveitando-se das condições do Fies”, explica Javier Martinez, diretor do Morgan Stanley que é especialista no tema.

Por que as vagas encolheram? 

Vamos dar um pouco de contexto primeiro. O Fies nasceu na década de 1970, mas foi reforçado a partir de 2010: os financiamentos tiveram os juros reduzidos e a carência para o início dos pagamentos foi ampliada. 

O resultado foi uma enxurrada de novos contratos, concedidos sem a devida fiscalização.

Não faltaram denúncias de irregularidades no programa: universidades que estabeleciam valores de mensalidade superiores para alunos do Fies, alunos contabilizados em duplicidade e até financiamentos para cursos que não existiam. Tudo isso ampliou o gasto relacionado ao programa.

Custeado pelo governo federal, o primeiro golpe ao programa foi a limitação de recursos. Em 2016, o Fies exigiu do Tesouro mais de R$ 30 bilhões – o valor representava 15 vezes mais do que o programa havia gastado em 2011.

Além da ampliação de vagas, outro fator que contribuiu para a exigência maior de recursos do governo foi a inadimplência. 

A falta de pagamento em dia da carteira do Fies chegou a 46%, sendo que a maior parte dos atrasos é superior a 180 dias, o que indica uma baixa chance de recuperação de crédito.

“Na forma em que os contratos foram firmados, não há como cobrar esses valores. Provavelmente o Tesouro terá que assumir”, diz Felipe Sigollo, ex-secretário do Ministério da Educação.

Ele explica que, diante da insustentabilidade financeira do programa, o governo de Michel Temer cogitou extinguir o Fies, mas decidiu manter uma versão bem mais enxuta em vigor. Uma medida provisória enviada ao Congresso em 2017 determinou um novo formato.

Como ficou o novo Fies? A principal mudança está na taxa de juros. As taxas menores ficaram reservadas apenas para as famílias com renda de até 3 salários mínimos per capita, e a prestação foi limitada a 10% da renda. 

Além disso, o Tesouro deixou de ser a única fonte de recursos. Bancos privados e o BNDES entraram em cena, embora o número de vagas para esses contratos seja bem limitado: apenas 50 mil contratos por ano.

No total, o MEC diz que cerca de 100 mil vagas serão abertas no Fies em 2020. “Calculamos que a demanda das famílias de baixa e média renda seja de, no mínimo, 200 mil vagas por ano. O dobro do que será ofertado, portanto”, diz Sigollo.

E qual a alternativa? Ao contrário de países como os Estados Unidos e a Austrália, o Brasil não desenvolveu um braço do sistema financeiro privado que atenda aos estudantes que não podem pagar integralmente a mensalidade da graduação.

Poucos bancos oferecem linhas de empréstimo para custear o ensino privado. Trata-se de um crédito de maior risco, como mostra a experiência do Fies.

Sem acesso ao crédito, e afetadas pelo desemprego e pela redução da renda, as famílias de menor poder aquisitivo têm recorrido ao EAD (ensino à distância). 

Esses cursos têm grade mais flexível e mensalidades menores. Em 2020, o número de vagas ofertadas no EAD superou, pela primeira vez na história, as vagas presenciais.

Mas o que existe de crédito privado no país? A maior instituição nesse segmento é o Pravaler, que fornece linhas de crédito para estudantes da graduação. 

Atualmente, o Pravaler tem mais de 150 mil contratos de financiamento, que somam R$ 3 bilhões na carteira. De cada 10 vagas disponíveis no ensino superior privado, 7 podem ser financiadas pelo programa.

Ao contrário do Fies, as linhas do Pravaler exigem um fiador, que, em geral, são os pais ou os responsáveis pelo estudante. 

As taxas de juros são calculadas de diferentes formas: há desde a possibilidade de financiar com taxa zero (o saldo é corrigido somente pela inflação) até linhas com juros de 15% ao ano.

A taxa de juros não é definida de acordo com a renda familiar do estudante, e, sim, com o interesse da faculdade em preencher as vagas. 

Os juros mais baixos (como o “juro zero”) são subsidiados pelas próprias instituições estudantis. Ou seja: a universidade paga pelos juros do aluno e, em troca, consegue preencher as vagas em sala de aula.

Segundo estimativas de Javier Martinez, do Morgan Stanley, o financiamento privado estudantil crescerá, em média, 18% ao ano até 2025. Em contrapartida, o Fies encolherá 5% ao ano no mesmo período.

“O Brasil entrará em um ciclo longo de taxas de juros baixas, o que indica que o acesso ao financiamento privado vai crescer”, analisa Martinez.

Ele lembra que a expectativa de retomada econômica aumentará a demanda por profissionais qualificados no mercado de trabalho, o que indica que haverá demanda para essas vagas. Completa o especialista: “É perceptível que o estudo é prioridade para as famílias, mas o acesso ainda é um problema”.

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