Promotoria de Minas apura suspeita de que varejo colete informações pessoais
Se você entrou em uma farmácia nos últimos meses, provavelmente se deparou com a seguinte situação: ao fazer o pagamento, a pessoa responsável pelo caixa requisitou o seu número de CPF para que você ganhasse algo em troca, na maioria das vezes algum desconto.
A prática, que se tornou comum em diversas redes de farmácias desde o ano passado, levantou suspeitas da população e está sendo investigada pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), que acatou representação do Instituto de Referência em Internet e Sociedade (Iris).De acordo com o promotor de justiça do MPMG Fernando Abreu, várias redes de farmácia com atuação em Minas Gerais estão sendo investigadas. Sem mencionar os nomes das empresas, ele informou que um processo administrativo – o que significa que irregularidades foram encontradas – já foi aberto contra uma delas.
Caso se comprove alguma ilegalidade, está prevista a aplicação de multa, que pode variar de R$ 700 a R$ 10 milhões, dependendo do faturamento da rede.
Digitar o seu CPF pode significar mais do que aparenta. “Quando a empresa diz ‘coloque o seu CPF para ganhar desconto’ ela está obrigando o consumidor a algo que não foi informado previamente para ele”, afirma Fernando Abreu.
“É preciso ter em mente que o consumidor não está adquirindo só o medicamento, mas também um serviço que é o programa de descontos da empresa. O que está acontecendo é que as empresas estão reunindo dados sobre os consumidores sem que eles saibam”, explica.
Segundo o promotor do MPMG, investigações estão sendo realizadas “no Brasil inteiro” e as empresas envolvidas já foram notificadas pelo Ministério Público. Na representação entregue à Justiça, o instituto Iris destaca que nenhuma das redes de farmácia demonstra transparência para os consumidores a respeito do “propósito efetivo” dos estabelecimentos ao coletar e armazenar informações “individualizadas sobre o histórico de compras de cada cliente”. O instituto é uma instituição multidisciplinar que estuda questões ligadas à privacidade e uso de dados pessoais.
“O fornecimento desse dado de identificação pessoal tem como alegada contraprestação ao consumidor somente a atribuição de descontos sobre produtos que estejam vinculados a uma promoção. Essa prática está sendo adotada pelas mais diversas redes de farmácias, inclusive algumas cujas redes atuam em todo o território nacional”, diz o texto apresentado ao MPMG..
Outro argumento que consta na representação é o de que os dados coletados pelas empresas podem “revelar aspectos muito significativos da vida de um consumidor”, como informações sobre quando uma pessoa adoece, se ela tem alguma Infecção Sexualmente Transmissível (IST), alguma doença crônica ou distúrbio psíquico, além de permitirem que outros dados sensíveis sejam inferidos sobre a pessoa.
“Essa situação é ainda mais grave quando se considera que as farmácias sequer possuem termos de uso ou políticas de privacidade para os programas de desconto”, aponta o documento.
A falta de “consentimento qualificado”, que é o entendimento total que um consumidor tem sobre o que ocorre, sobre a coleta de dados, como define a denúncia apresentada pelo instituto Iris, viola diversas garantias constitucionais e “direitos infraconstitucionais relativos à privacidade e à proteção do consumidor.”
Proteção O instituto Iris explica que o armazenamento e a utilização dos dados coletados pelas redes farmacêuticas, por si só, não configura ato ilícito, mas o “tratamento de dados pessoais deve estar contido em certos limites de forma a proteger os cidadãos de eventuais abusos.”
A peça processual pede que o Ministério Público “proceda à abertura regular de um inquérito civil”, que garanta que os termos de uso sejam disponibilizados de forma inteligível e de fácil acesso aos consumidos. Além disso, pede que as empresas sejam obrigadas a esclarecer o motivo pelo qual realizam a coleta de dados e de se tornarem responsáveis pela segurança das informações coletadas.
Há, ainda, o pedido para que as redes de farmácias “prestem esclarecimentos ao Ministério Público, se os dados são ou não repassados, ou ainda comercializados a terceiros sem o prévio e devido consentimento dos consumidores.” Em entrevista ao Estado de Minas, Davi Teófilo e Luiza Brandão, membro e fundadora, diretora e pesquisadora do Iris, respectivamente, explicam que a situação não ocorre apenas em Belo Horizonte e que a ideia é dar mais transparência para a coleta de dados.
“Não podemos acusar as empresas de venda de dados ou de repasse dessas informações a terceiros. O que oferecemos foi uma representação, que significa dizer ao Ministério público que algo está acontecendo e que isso pode estar ofendendo direitos de consumidores”, afirmam.
“Pedimos, apenas, informações sobre como esses dados são tratados, armazenados e qual é o intuito deles. Não acusamos as redes. A questão que observamos é que há falta de informação, transparência e um vício no consentimento”, ressaltam.
Procurado, o Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos de Minas Gerais (Sincofarma), entidade que representa as redes farmacêuticas que atuam no estado, ainda não se pronunciou. Por meio de sua assessoria, o Sincofarma informou, por telefone, que “não está ciente” da investigação.