Fabricantes de brinquedos deixam de lado o rosa para atrair mais meninos

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 13 de março de 2018 às 11:57
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:37
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É mais fácil atrair meninas para carrinhos do que convencer as famílias que meninos podem brincar de casinha

Motivadas pela demanda das famílias, opinião pública e tendências de
mercado, as iniciativas para “apagar o gênero” dos brinquedos têm
dado maior resultado na inclusão das meninas em brincadeiras historicamente
atribuídas a meninos, como carrinhos e super-heróis, do que o contrário.

Segundo fabricantes de brinquedos na 35ª Feira Internacional de
Brinquedos (Abrin), que aconteceu na semana passada em São Paulo, o maior
desafio é atrair mais pais e filhos homens às brincadeiras de casinha, consideradas “coisa de menina”.

Para tentar equilibrar a expansão de todos os brinquedos para ambos os
gêneros, eles apostam algumas de suas fichas em produtos unissex,
caracterizados principalmente pela ausência do cor-de-rosa.

A fabricante Buba, especializada em brinquedos, acessórios e artigo de
decoração para bebês oferece boa parte de seus produtos em rosa e azul,
incluindo o “baby phone”, um smartphone de brinquedo. Mas Samy Moas,
diretor da Buba, explica que, nas linhas recém-lançadas, a empresa tentou
aproveitar outras cores, como o verde e o roxo, para dar uma cara mais neutra
aos itens.

Segundo ele, como precisam de cores para chamar a atenção dos pequenos,
os brinquedos acabam seguindo a principal demanda de curto prazo, que ainda
sustenta a tradicional divisão por gênero.

Mas fabricantes já começam a investir mais para atender o que eles
consideram uma demanda reprimida: meninas que querem se ver representadas em
situações mais aventureiras e, principalmente, mães e pais que querem ensinar
seus filhos meninos a cuidar da casa, para que se tornem adultos independentes
e maridos melhores. 

Nova demanda dos consumidores

Maior feira de brinquedos da América Latina, a Abrin neste
ano teve 130 expositores e um público de 15 mil pessoas do setor era a
expectativa de visitantes para o evento. Renato Pereira é um deles. Diretor da
Zuca Toys, uma fábrica que fica em Itatiba (SP), ele vende brinquedos populares
e começou a fabricar kits de cozinha há 15 anos. “Naquela época todo mundo
fazia assim, rosa. Está meio que no inconsciente da gente”, explicou ele.
Para não ficar monocromático, a escolha era sempre acompanhar o rosa com o
lilás para esses jogos, classificados como “reprodução do mundo
real”.

Foi só
em 2015 que a fábrica decidiu lançar seus primeiros jogos de cozinha com cores
diferentes, visando o público masculino. A reação foi para ouvir alguns pedidos
que apareciam de mães que escreviam à fábrica pelo site e acompanhar
tendências.

Atualmente,
a Zuca Toys oferece kits de cafeteria, utensílios para lavar louça, passar
roupa, jogos de panelinha e outros itens, em jogos ou avulsos, tanto em rosa
quanto em outras opções, principalmente em vermelho. Em três anos, Pereira
afirmou que os kits neutros já respondem por 20% das vendas.

Moda gourmet

Além de pedidos motivados pela igualdade de gênero, Pereira
cita outra tendência que abriu as portas para brinquedos de casinha voltados
para meninos: a moda gourmet. “Em 2017 lançamos nossa linha chef, não é só
para atender meninos e meninas, é também por causa da moda gourmet e dos
programas de gastronomia”, explicou ele.

Tamara
Campos, gerente de marketing da Xalingo Brinquedos, seguiu pelo mesmo caminho
quando lançou, em 2016, uma linha com cozinha e refrigerador com cores
vermelha, preta e cinza e imagens de um menino brincando ao lado de uma menina
na caixa.

Segundo
ela, a maior identificação de homens com a culinária dos programas de
gastronomia, além da preocupação cada vez maior de comida saudável, foram
ganchos usados pela fabricante para aproveitar o interesse e lançar a nova
linha.

Saem as princesas, entram as heroínas

A gerente diz que o paradigma de que deve existir uma
separação por gênero dos brinquedos começou a apresentar brechas depois da
animação Frozen, lançada em 2013 e que bateu recordes históricos de bilheteria e
faturou o Oscar de melhor animação e de melhor canção original.

Além
das cores, Tamara explica que a Xalingo tenta também apagar a divisão de gênero
de outras partes dos brinquedos, como os nomes envolvendo palavras mais ou
menos marcadas para meninos ou meninas. E também busca incluir atividades
voltadas à ciência e aos esportes em outros brinquedos lúdicos, como blocos de
montar.

Para Andrea Ghiraldi, diretora da Anjo Brinquedos, de Laranjal Paulista
(SP), a “moda” das bonecas que não vestem rosa também acompanharam
uma tendência recente no Brasil, de embalagens mais “clean”, que já é
mais antiga na Europa. “Há alguns anos existia resistência dos
compradores”, disse ela sobre bonecas azuis para meninas. “Não era
nem azul nem rosa, era totalmente colorida.”

Segundo ela, por volta de 2010 a tendência europeia era usar menos cores
nas embalagens, e a Anjo arriscou seguir nessa onda. “Nós lançamos e
depois recuamos. Optamos por retroceder no produto mais popular, nos brinquedos
mais voltados para as classes A e B não”, disse ela, sobre a baixa adesão
dos lojistas. Agora, a empresa já oferece bonecas genéricas tanto nas cores
rosas quanto apenas em azul, na embalagem e no vestido.

Bruno
Coimbra, gerente comercial da Global Fantasias, confirma que Frozen abriu as
portas para que o universo de fantasias e brinquedos para meninas saísse da
seara das princesas delicadas, mas diz também que “Moana”, a “princesa
guerreira, solteira, sem maquiagem e descabelada” apresentada ao mundo
em janeiro de 2017 e se tornou a animação mais bem sucedida da Disney no Brasil.
“A menina não encontrava uma heroína que a representava, então a Moana
quebrou muito esse rótulo. Depois que lançou a linha de heroínas e PJMasks, aí
foi um sucesso”, explicou Coimbra, citando os “heróis de pijama”
Gato, Lagartixo e Corujita. Segundo ele, “ainda é muito mais difícil
encontrar meninos vestidos de ‘Frozen’, eles escolherem essas opções”, mas
a Corujita, que tem roupas vermelhas, tem sido a personagem feminina que mais
atrai os meninos.

Ele
afirma que o recente sucesso “Pantera Negra” da Marvel, também tem
impulsionado o empoderamento das meninas – apesar de o protagonista ser um
homem, sua guarda real é toda formada por mulheres.

Diversidade racial nos brinquedos

Se no quesito representatividade de gênero há cada vez mais opções
para meninas e meninos se enxergarem em novos papéis, a representatividade de
raça também aparece, mas em uma minoria ainda menos expressiva dos milhares de
produtos expostos na Abrin.

A
maioria das fabricantes visitadas que ofereciam bonecas negras expuseram
produtos criados nas variações de um modelo também disponível com a pele clara.

Segundo
a Associação Brasileira de Fabricantes de Brinquedos (Abrinq), em 2017 quase
20% de todos os brinquedos vendidos pelo setor se encaixavam na categoria
“bonecas e bonecos em geral e seus acessórios”, seguido dos
“carrinhos, motos e pistas” e dos brinquedos esportivos

Andrea Ghiraldi, da Anjo Brinquedos, explica que fazer o mesmo modelo de
boneca nas versões com pele clara e escura exige dois equipamentos de mistura
dos ingredientes. “Bonecas negras nós temos há muitos anos, houve uma
época em que não tínhamos por questões técnicas”, explicou ela.

Ela diz, porém, que o investimento não deu prejuízos à empresa, além de
garantir uma maior representatividade aos consumidores. “Tem retorno, só
não existe uma grande demanda.”


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