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Em 2020, o Brasil tinha cerca de 1,8 milhão de crianças e adolescentes, com idades entre 5 e 17 anos, em situação de trabalho infantil
Eliana dos Santos Alves Nogueira [1]
João Batista Martins César [2]
O dia 12 de junho foi instituído pela Organização Internacional do Trabalho, na Conferência Internacional em 2002, como o Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil. No Brasil, a Lei n. 11.542, de 12.11.2007, definiu a data como o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Infantil.
O estudo As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e Adolescência no Brasil[3], divulgado pela UNICEF em fevereiro de 2023, evidencia que ao menos 32 milhões de meninas e meninos, o que corresponde a 63% do total da população na faixa etária de 0 a 17anos, vive na pobreza.
De acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – PnadC (IBGE, 2021), de 2019 e divulgada em 2020, o Brasil tinha cerca de 1,8 milhão de crianças e adolescentes, com idades entre 5 e 17 anos, em situação de trabalho infantil. Desses, 706 mil (45,9%) estavam em ocupações classificadas entre as piores formas de trabalho infantil, ou seja, 4,6% das crianças brasileiras estão nessa situação.
Um estudo do Banco Mundial concluiu que o trabalho infantil, no Brasil, pode ser sete vezes maior do que apontam as pesquisas. O percentual seria, na verdade, de 19,15%, ou 5,658 milhões de crianças de 7 a 14 anos estão em situação de trabalho infantil.[4]
Essas crianças não têm o direito de nascer crianças. Elas nascem adultas.
Essa terrível constatação ganha espaço na mídia apenas quando graves acidentes ceifam a vida de corpos pequenos e frágeis que morrem durante o trabalho. Esse foi o caso de um garoto em Goiânia que, aos 08 anos, morreu prensado entre um poste e um veículo, quando auxiliava o pai na venda de balas em semáforo. Ou do garoto de 14 anos que perdeu o equilíbrio e morreu cortado ao meio por uma serra no Arquipélago de Marajó.
É bom lembrar que o trabalho infantil não rouba apenas o futuro de crianças e adolescentes, mas de toda a sociedade. O trabalho infantil é causa e consequência da miséria, eis que perpetua um ciclo intergeracional que somente será rompido com educação em tempo integral de qualidade e gratuita para todas as crianças e adolescentes.
Neste ano, a campanha contra o trabalho infantil tem como tema “Proteger a infância é potencializar o futuro de crianças e adolescentes. Chega junto para acabar com o trabalho infantil”.
O maior desafio, contudo, é cultural. Parte da população mundial continua acreditando em dois mitos: “é melhor trabalhar do que roubar” e “o trabalho infantil não mata ninguém”.
Esses mitos partem da falsa premissa de que somente haveria essas escolhas para as crianças pobres: no trabalho ou na marginalidade.
Esse raciocínio é pobre e bipolar. Isso porque nos países desenvolvidos já existe plena consciência de que o lugar da criança e do adolescente é na escola pública, gratuita, de qualidade e em tempo integral.
Mais de 80% dos adolescentes em medidas socioeducativas começaram a trabalhar antes da idade mínima e, com isso, abandonam a escola e permanecem vulneráveis às mais diversas formas de violência, inclusive de serem cooptados pelo tráfico de drogas.
Os dados do CNJ mostram que os presos no Brasil são, em sua maioria, jovens e de baixa escolaridade. Da população carcerária brasileira, que compreende mais de 600 mil pessoas, apenas 2 mil (0,4%) têm formação superior completa, mais da metade dos presos (54%) é parda ou negra, tem entre 18 e 29 anos (55%) e pouca escolaridade (5,6% são analfabetos; 13% são apenas alfabetizados e 46% têm apenas o ensino fundamental incompleto).[5]
Nos últimos dez anos, tivemos mais de 40 mil acidentes graves envolvendo o trabalho de crianças e adolescentes, com mais de 290 mortes e 20 mil acidentes graves. Percebe-se, portanto, que o trabalho precoce mata e mutila muitas crianças e adolescentes.
A Dra. Frida Marina Fischer, professora da Faculdade de Saúde Pública da USP, afirma que o ideal é que os jovens passem a trabalhar após a conclusão do ensino médio, pois não possuem maturidade para lidar com constrangimentos psíquicos que acontecem no trabalho.
Segundo ela “eles não estão preparados para enfrentar ambientes muito competitivos, hostis e de muita pressão. É precoce que alguém com menos de 18 anos comece a trabalhar. É começar a vida de adulto muito cedo. Eles vão trabalhar em vez de fazerem cursos extracurriculares, se aperfeiçoarem em línguas, praticarem esportes, que são tão importantes para o lazer e a socialização.”[6]
É preciso criar programas de transferência de renda para que crianças e adolescentes possam concluir o ensino fundamental e médio, sem serem premidos pelo trabalho precoce e não sofram o flagelo da fome. Deve ser garantida a bolsa estudante, pois criança e adolescente é investimento, com retorno de 1 para 10.
A Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas em sua meta n. 8, item 8.7, estipula o ano de 2025 para o término do trabalho infantil em todas as suas formas. Assim, neste dia 12 de junho, venha somar esforços para por término a essa chaga social e garantir um mundo sem trabalho infantil e, por consequência, um futuro melhor para a humanidade. Afinal, toda criança é nossa criança.
[1]Juíza do Trabalho, titular da 2ª Vara do Trabalho de Franca/SP e Coordenadora do Juizado Especial da Infância e Adolescência da Justiça do Trabalho de Franca/SP; Bacharel e Mestre em Direito do Trabalho pela FCHS – UNESP/Franca/SP, Professora Assistente junto ao Departamento de Direito Privado e Processo do Trabalho da FCHS – UNESP / Franca / SP; Doutora em Direito do Trabalho junto à Sapienza Università – Roma / Itália.
[2]Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região – Campinas, presidente do Comitê de Erradicação do Trabalho Infantil do TRT-15 e gestor nacional do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem da Justiça do Trabalho (TST-CSJT), mestre em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba, doutorando pelo Instituto Toledo de Ensino – ITE – e professor na Faculdade de Direito de Sorocaba.
[3] UNICEF. As Múltiplas Dimensões da Pobreza na infância e na adolescência no Brasil. Disponível em https://www.unicef.org/brazil/media/22676/file/multiplas-dimensoes-da-pobreza-na-infancia-e-na-adolescencia-no-brasil.pdf. Acesso em 15/05/2023.
[4] LICHAND, G. e WOLF, S. Measuring child labor: Whom should be asked, and why it matters. 14 set. 2022. Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=4125068>. Acesso em 19.1.2023.
[5]CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Diagnóstico de Pessoas Presas. http://www.cnj.jus.br/images/imprensa/diagnostico_de_pessoas_presas_correcao.pdf Acesso em: 24. Ago. 2019.
[6] BALDINI, Sonia. O adolescente e a entrada no mercado de trabalho. Departamento Científico de Saúde Mental da SP, publicado em 16.5.2014, https://www.spsp.org.br/2014/05/16/o-adolescente-e-a-entrada-no-mercado-de-trabalho/ Acesso em: 30. Mai. 2023.