Descoberta de vírus da zika em macaco sugere ciclo silvestre da doença

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 30 de outubro de 2018 às 20:22
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 19:07
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Macacos mortos pela população de São José do Rio Preto e Belo Horizonte estavam contaminados

Um estudo feito por
pesquisadores, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo (Fapesp), mostrou que macacos haviam sido mortos a tiros ou pauladas pela
população nos municípios de São José do Rio Preto (São Paulo) e de Belo
Horizonte estavam infectados com o vírus da zika, o que fez com que adoecessem
e ficassem mais vulneráveis ao ataque humano.

Os ataques ocorreram
porque as pessoas suspeitavam que eles estavam com febre amarela. “A
descoberta indica que existe o potencial de um ciclo silvestre para a zika no
Brasil, como acontece com a febre amarela. Se o ciclo silvestre for confirmado,
isso muda completamente a epidemiologia da zika, porque passa a existir um
reservatório natural a partir do qual o vírus pode reinfectar muito mais
frequentemente a população humana”, disse o coordenador do estudo, Marcio
Lacerda Nogueira, que é professor na Faculdade de Medicina de São José do Rio
Preto (Famerp) e presidente da Sociedade Brasileira de Virologia.

Segundo Nogueira, apesar de o vírus
da zika já ter sido encontrado em macacos que vivem perto de humanos no Ceará,
esta é a primeira vez que é identificado como epidemia.

O professor disse ainda que, durante
a epidemia de febre amarela, os pesquisadores perceberam que havia muitos
macacos mortos, não pela febre amarela, mas pela ação das populações humanas,
com medo de serem contagiadas. Esses macacos foram mortos a tiros, pauladas ou
mordidos por cachorros. “Quando saudáveis, esses primatas, principalmente
saguis e micos, são muito difíceis de capturar. Raciocinamos, então, que, se
estavam sendo mortos com facilidade, era porque poderiam estar doentes. Não com
a febre amarela, uma doença que os mata. Mas com alguma outra doença, que, sem
matar, os deixava mais fracos e vulneráveis”, explicou Nogueira.

Após análise de carcaças dos macacos,
constatou-se que o vírus que os infectou é muito parecido com o que estava
infectando os humanos. No mesmo lugar onde as carcaças foram coletadas, foram
encontrados e coletados mosquitos infectados por zika. “Para levar adiante o
estudo, induzimos infecção experimental por zika em macacos vivos. E a
inoculação dos vírus provocou presença de vírus no sangue. Os macacos tiveram
alteração de comportamento, confirmando nossa hipótese inicial, de que a
infecção os teria tornado mais suscetíveis a serem capturados e mortos”,
acrescentou o pesquisador.

Ciclo
da febre amarela

Os pesquisadores concluíram que a
infecção natural e experimental de macacos com zika indica que esses animais
podem ser hospedeiros vertebrados na transmissão e circulação do vírus em
ambientes tropicais urbanos, mas é preciso que sejam feitos mais estudos para
avaliar o papel deles macacos na manutenção do ciclo urbano do zika.

Segundo o professor no Centro de
Doenças Tropicais da University of Texas Medical Branch (UTMB) Nikos Vasilaks,
doenças que ocorrem ao mesmo tempo em vários animais de uma mesma área
geográfica serão sempre fonte de epidemias entre humanos, mesmo após um
possível controle e erradicação do ciclo de transmissão urbana por meio das vacinas
e antivirais. “É um fator fundamental que deve ser
levado em conta pelos responsáveis por políticas públicas e pelo setor de
saúde, bem como por desenvolvedores de vacinas”, afirmou Vasilaks.

 O vírus da zika apareceu
originalmente em macacos na África. Esporadicamente, o vírus saía das florestas
e infectava populações humanas. Quando se propagou da África para a Ásia, o
vírus passou a circular só entre humanos. E, aparentemente, manteve essa
característica quando se instalou nas Américas, o que sugeria um ciclo
semelhante ao do vírus da dengue.

Segundo o professor, a a nova
descoberta sugere uma epidemia mais parecida com a da febre amarela, o que, se
for confirmado, pode tornar o combate à zika mais difícil. “Nossas observações
terão implicações importantes na compreensão da ecologia e da transmissão de
zika nas Américas. Embora este seja um dos primeiros passos no estabelecimento
de um ciclo de transmissão entre primatas não humanos no Novo Mundo e mosquitos
arbóreos, as implicações são enormes, pois é impossível erradicar esse ciclo de
transmissão”, disse Vasilaks.


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