Criança na rua e trabalho infantil: para uns, incômodo; para outros, questão social

  • Cláudia Canelli
  • Publicado em 2 de setembro de 2021 às 08:00
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A Juíza do Trabalho, Eliana Nogueira, faz um alerta: “as pessoas não se dão conta que essas crianças e adolescentes estão em situação de trabalho infantil”

A cena de crianças e adolescentes atuando nos cruzamentos tem sido cada vez mais constante em Franca

Ei, tio, compra uma bala?
Ei, tia, posso lavar o vidro do carro?

Crianças, cada vez mais novas, têm sido vistas nos últimos meses nos semáforos de Franca, em busca de algum trocado.

Para algumas pessoas isso é um transtorno, para outras, empenhadas na solução de uma grave questão, é um desafio que precisa ser enfrentado com determinação e visão social.

A primeira pergunta que surge é: de quem é a responsabilidade?

Antes de responder a pergunta, a Juíza Coordenadora do Juizado Especial da Infância e Adolescência da Justiça do Trabalho de Franca- JEIA, Eliana Nogueira, faz um alerta: “as pessoas não se dão conta que essas crianças e adolescentes estão em situação de trabalho infantil”.

Trabalho infantil

Participante do Fórum Municipal de Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente de Franca – FMPETIPA, do qual é uma das fundadoras, Eliana Nogueira explica o que é considerado trabalho infantil.

“É considerado trabalho infantil o exercício de qualquer tipo de trabalho, em atividades econômicas e/ou atividades de sobrevivência, com ou sem finalidade de lucro, remuneradas ou não”.

Existe a ressalva do trabalho feito como aprendiz a partir dos 14 anos, através de contrato de trabalho especial, devidamente anotado na carteira de trabalho do adolescente

Algumas atividades são proibidas para quem tem idade inferior a 18 anos, em razão dos riscos que trazem para o desenvolvimento físico, moral ou psíquico.

Motivos

Dentre estas atividades estão aquelas que envolvem trabalho em ruas, como o trabalho na venda de balas, doces, panos de prato, limpando para-brisas de veículos e tantas outras vistas no dia a dia.

“Os motivos da proibição? Os riscos evidentes que tais atividades trazem para crianças e adolescentes. Há uma grande dificuldade de entender que essa situação é situação de trabalho infantil”, diz Eliana Nogueira, que também é gestora Regional pelo TRT15 do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e Estímulo à Aprendizagem do Tribunal Superior do Trabalho.

O Brasil ratificou a Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho, através da Lei 6.481/2008, que dentre outras atividades, tipifica o trabalho de crianças e adolescentes nas ruas como uma das piores formas de trabalho infantil.

Nas ruas, crianças e adolescentes estão expostos a riscos de violência, ao consumo de drogas, assédio sexual, exposição à radiação solar, chuva, frio, acidentes de trânsito e atropelamento.

Senso comum

Além destes riscos, ficam sujeitos a sérios agravamentos de sua saúde, como dependência química, comprometimento do desenvolvimento afetivo, atividade sexual precoce, gravidez indesejada, câncer de pele e envelhecimento precoce, desidratação, doenças respiratórias, hipertermia, traumatismos e ferimentos.

“Nosso senso comum sabe bem que existe o risco para crianças e adolescentes que permanecem nas ruas em tais atividades, de dia e de noite. Exatamente por isso nos incomodamos e buscamos responsabilizar alguém”, diz Eliana Nogueira.

Segundo a Juíza, “o mais fácil (e mais perverso) é responsabilizar os pais. Isso porque, invariavelmente, tais crianças e adolescentes vivem em uma situação de pobreza e miséria que não lhes permite viver em plenitude sua infância e sua adolescência”.

Para Eliana Nogueira, “punir os pais ou as crianças que trabalham é o mesmo que defender o fechamento de hospitais para curar os doentes. Nada mais absurdo e desonesto”.

Projetos

O Fórum Municipal de Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente de Franca atua para desenvolver projetos e medidas que garantam às famílias pobres plenas condições de alimentar e educar seus filhos.

Faz parte do trabalho o pensar em ações efetivas que garantam dignidade para que possam ter seus filhos em segurança enquanto trabalham ou buscam meios para sobrevivência.

Segundo a Juíza é preciso desenvolver políticas públicas de transferência de renda para os mais vulneráveis, atividades de lazer, cultura e esportes para que os filhos tenham oportunidades de crescimento saudável.

É preciso dar profissionalização para pais que cresceram em círculos de miséria e pobreza, que também foram vítimas do trabalho infantil e que, hoje, perpetuam esse ciclo mantendo seus filhos na mesma situação, em busca da sobrevivência.

Para ela, combater o trabalho infantil não é combater a criança e o adolescente que trabalha, nem punir suas famílias.

Existe o senso comum de que criança e adolescente na rua é errado. E é mesmo.

Há uma grande estrutura em andamento em Franca, a partir da rede de proteção no Fórum Municipal de Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente.

O trabalho busca combater o trabalho infantil protegendo a criança, o adolescente e a família que vive em situação de miséria, criando ações efetivas que possam garantir vida digna a quem se encontra em situação de exclusão.

A constatação geral é que, para essas pessoas, a proteção do Estado ainda é uma realidade distante.


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