‘Correção’ ou agressão? Palmadas comprometem desenvolvimento cerebral de crianças

  • Rosana Ribeiro
  • Publicado em 12 de abril de 2021 às 13:30
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Estudo mostra pela primeira vez a ligação entre palmadas e reações neurais exageradas à percepção de risco no meio ambiente

Palmadas em crianças causa impactos negativos no funcionamento cerebral dos pequenos

 

A palmada, punição corporal muitas vezes aplicada por adultos em crianças, causa impactos negativos sobre o funcionamento cerebral similares aos provocados por agressões físicas mais violentas e abusos sexuais.

Essa é a conclusão de um estudo novo que foi publicado na última sexta (9) pela “Child Development”, um dos mais prestigiados veículos científicos na área de desenvolvimento infantil.

Segundo os autores do trabalho, é a primeira vez que fica comprovada a ligação entre palmadas e reações neurais exageradas à percepção de risco no meio ambiente.

A descoberta preenche uma importante lacuna na pesquisa acadêmica sobre as possíveis consequências de diferentes formas de violência contra as crianças.

Estudos já haviam mostrado que tanto palmadas quanto formas mais severas de agressão, como espancamento e abuso sexual, impactavam o comportamento, a aprendizagem e a capacidade de adaptação, ainda que em intensidades diferentes.

Mas, até agora, só havia a comprovação de que essas mudanças eram causadas, de fato, por alterações no funcionamento cerebral nos casos de violências mais lesivas física ou psicologicamente.

“Descobrir que a punição corporal pode afetar o desenvolvimento do cérebro é muito forte. Por isso, decidimos fazer esse estudo”, afirmou Jorge Cuartas, um dos autores do estudo.

A metodologia usada pelos pesquisadores envolveu mapear, por meio de exames de ressonância magnética, as respostas neurais de diferentes pontos da região do córtex cerebral à percepção de ameaça.

Os participantes foram expostos – durante as sessões de ressonância magnética – à exibição de sequências de fotos dos rostos de atores com três grupos de expressões faciais diferentes.

Um deles era de rostos que demonstravam medo, como, por exemplo, a aparência de choro iminente.

Outro era de faces neutras, que não esboçavam nenhuma reação específica de alegria, tristeza ou temor.

Um terceiro apresentava faces totalmente embaralhadas por computadores, que mais pareciam um código de barras do que um rosto humano.

Os resultados mostraram que as crianças submetidas a palmadas reagiram à percepção de medo de forma mais intensa do que as demais.

No balanço, a área que regula reações emocionais e reavalia riscos (chamada giro frontal medial) reagiu mais fortemente a faces temerosas do que às expressões neuras no caso de crianças que apanhavam.

Segundo os autores do estudo, isso indica que as crianças que apanham mobilizam mais recursos cerebrais para entender a fonte do temor de outras pessoas, por terem se acostumado a ser vigilantes a ameaças potenciais no ambiente.

Atualmente, 62 países têm legislação clara, já promulgada, proibindo qualquer forma de punição a crianças em qualquer ambiente.

O Brasil deu esse passo em 2014, ao aprovar a Lei Menino Bernardo, popularmente conhecida como lei da palmada.

No entanto, outras 137 nações ainda não baniram, totalmente, a punição física, segundo a “End Corporal Punishment”, iniciativa de uma parceria público-privada global para o fim da violência contra crianças, apoiada pela ONU, por governos e empresas.

Especialistas dizem que, apesar de proibição legal, palmada ainda tem aprovação social no Brasil.

Antes de ter filhos, a  advogada Elisama Santos, 36, acreditava em uma ideia que se tornou comum em muitas sociedades: a de que palmadas eram um método aceitável e eficiente de educação comportamental.

Até que, no fim da gravidez de seu primeiro filho – Miguel, hoje com 8 anos – viu uma mulher aplicando essa punição a uma criança dentro de um supermercado.

“Meu olhar cruzou com o olhar da criança, que chorava, percebi a dor dela e senti uma dor imensa. Minha memória resgatou momentos da minha infância em que, ao apanhar, eu olhava para a porta, esperando que alguém aparecesse”, diz.

Santos conta que teve uma crise de choro e prometeu para o filho, ainda na barriga, que nunca bateria nele.

“Foi a promessa mais difícil que fiz na minha vida, porque tenho uma personalidade raivosa e fui educada em um contexto diferente. É difícil quebrar esse ciclo”, afirma.

*Conteúdo Folhapress


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