Corpus Christi: celebração que une gerações através dos tempos em Franca

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  • Publicado em 19 de junho de 2019 às 19:09
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 19:37
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Primeiros registros de Corpus Christi datam de 1905 em Franca, que até hoje mobiliza a população

Os tapetes envolvem a Praça Nossa Senhora da Conceição, num to-tal de 2.070 m² de desenhos

Todo mundo já ouviu a expressão “Corpus Christi”, sabe da existência do feriado – e anseia por ele, mas nem todos sabem de fato o que isso representa. Data religiosa cristã criada para celebrar o mistério da Eucaristia – o sacramento do corpo e sangue de Jesus Cristo -, ela mobiliza milhares de pessoas em todo o mundo e, em Franca, a tradição se renova e fortalece a cada ano. “Muito mais do que uma festa litúrgica, a solenidade de Corpus Christi assume um caráter devocional popular. O momento ápice da festa é a procissão pelas ruas da cidade, momento em que os fiéis podem pedir as bênçãos de Jesus Eucarístico para suas casas e famílias”, destaca o padre José Geraldo Segantim.

Os primeiros registros da celebração no município datam de 11 de junho de 1905, quando ocorriam missas solenes e procissão. O cortejo passava na área central, parando em todos os altares montados em frente às casas para a bênção. Alguns anos depois, o Dia de Corpus Christi foi declarado feriado religioso em Franca pela Lei Municipal n° 68, de 24 de agosto de 1949.

A participação dos francanos sempre foi intensa e significativa, demonstrando a força de sua fé. Inclusive, a celebração de Corpus Christi foi tombada como patrimônio histórico e cultural pela Câmara Municipal, conforme a  Lei nº. 7.464 de 26 de outubro de 2010, tendo ainda sido incluída no calendário oficial de eventos do município.

Antiga celebração

A expressão Corpus Christi vem do latim e significa “Corpo de Cristo”. Esse significado se dá em referência a última ceia de Jesus com seus apóstolos, quando ele pediu que celebrassem sua lembrança comendo o pão e bebendo o vinho que, na tradição cristã, se transformariam em seu corpo e sangue. A celebração é composta de uma missa, procissão e adoração a esse sacramento. O feriado sempre cai na primeira quinta-feira após a festa da Santíssima Trindade, em alusão à Quinta-feira Santa, dia da Santa Ceia.

A confecção dos tapetes envolve de 400 a 500 pessoas por ano, entre crianças, jovens e adultos, todos unidos pela fé e solidariedade

Foi no século 13, na Bélgica, que a celebração teve início. Em 1209, uma freira chamada Juliana teve visões eucarísticas que teriam ocorrido por um período de quase 30 anos. As visões foram interpretadas como um sinal de que era preciso fazer uma festividade que celebrasse o sacramento da Eucaristia.

Em 1246, o bispo de Juliana achou que as visões faziam sentido e celebrou, na sua diocese, a primeira festa do Corpo de Cristo. Mais tarde, o bispo tornou-se o Papa Urbano IV, que estendeu a festa de Corpus Christi para toda Igreja, em 1264. A celebração só foi difundida para toda a Igreja no pontificado de Clemente V, que reafirmou sua significação no Concilio de Viena (1311-1313). Alguns anos depois, o Papa João XXII confirmou o costume de fazer uma procissão pelas vias da cidade.

Faz parte ainda da programação de todo o Dia de Corpus Christi a tradicional procissão, um dos momentos de grande mobilização em Franca

O costume de enfeitar as ruas com tapetes de serragem, flores e outros materiais, formando um mosaico multicolorido, teve origem com os imigrantes açorianos. No Brasil, essa tradição surgiu em Ouro Preto, cidade histórica de Minas Gerais. 

União de forças e fé

Em Franca, a confecção dos tapetes para a procissão de Corpus Christi começou ainda na década de 50 do século passado, mas foi intensificada a partir de 02 de junho de 1983, completando este ano, 36 anos da tradição renovada. “Esse trabalho funciona com a união e cumplicidade de 400 a 500 pessoas, entre crianças, jovens e adultos”, celebra um dos responsáveis pelos tapetes na cidade, Denizar Pugliesi, que ao lado da artista plástica, palestrante motivacional e escritora, Maria Goret Chagas, coordena a atividade desde que ela teve início. “É um trabalho embasado em fé e arte. Minha função é a comunicação artística, a organização da reunião com as 22 paróquias e seus representantes, e a orientação da partilha dos dons artísticos”, revela Maria Goret.

Maria Goret e Denizar são os coordenadores dos trabalhos de confecção dos tapetes, um dos pontos altos da celebração de Corpus Christi

Nos últimos anos o tapete tem sido confeccionado no entorno da Praça Nossa Senhora da Conceição, mas já enfeitou outros locais, como as Paróquias Santo Antônio, Menino Jesus de Praga, São Judas Tadeu, São Sebastião até a Avenida Integração, Paróquia Nossa Senhora das Graças até a Catedral, no Centro. O Ginásio Poliesportivo – Pedrocão também já recebeu a confecção do tapete.

Sem repetir

Nos dias que antecedem o Corpus Christi, nas paróquias e nos lares dos paroquianos são preparados os materiais a serem utilizados e definidos os motivos dos quadros, já que nenhum ano repete os mesmos desenhos. “São definidos desenhos alusivos à celebração de Corpus Christi, não sendo utilizado nenhum outro tema, como político, esportivo ou social”, observa Denizar. “É aqui que entro sugerindo artistas, cores, temas e materiais”, completa Maria Goret, que se envolveu nesse trabalho após o padre José Geraldo falar em uma missa da possível reestruturação e volta do tradicional tapete e pedindo ajuda aos párocos. “Como sempre estive no meio artístico me propus a ajudar e então não parei mais. Lembro de grandes nomes que fizeram parte de minhas primeiras reuniões artísticas, como Salles Dounner, Chafick, Rengaw, Escola  Santa Mônica e outros, verdadeiras obras de arte que foram deixadas como incentivo e inspiração aos futuros artistas das paró-quias”, conta ela, que vê a união da arte com a fé como um poderoso canal de manifestação do seu agradecimento a Deus por tanta graça recebida. “É uma preparação em forma de tapete para receber Aquele que vem em forma de pão e vinho até nós, Ele vem ao encontro de seu povo e eu sinto que esta união de paróquias, artistas, famílias, amigos e clero nos conduz ao espiritual”, comenta a artista plástica, palestrante vocacional e escritora.

A missão cumprida

Os materiais mais utilizados nos tapetes são raspas de curtume, serragem de madeira, pó e raspa de pneu, casca de arroz, pó de café, pó de mármore e granito, areia, pedra britada, cal, cimento, tampinhas de garrafas, flores ciprestes, ramos de arroz e trigo, bolinhas de isopor, retalhos de tecidos, glitter, DVD e CD usados, pedrinhas coloridas de aquário e tantos outros, que mudam de acordo com os quadros e a imaginação dos artistas.

Missas especiais são realizadas ao longo do  Dia de Corpus Christi, reunindo fiéis que fazem questão de celebrar o corpo de Cristo

Os coordenadores explicam que são executados, no mínimo, 30 quadrados de 3 x 3 metros e 30 tapetes ligadores entre os quadros de 30 metros x 3 metros, num total de 2.070 m² e 690m lineares, o que corresponde a uma volta completa em torno da Praça Nossa Senhora da Conceição. Eles são preparados antes dos primeiros raios de sol, horário em que os participantes desse trabalho chegam com um espírito de solidariedade e cumplicidade. Logo após as orações dos grupos de cada paróquia é iniciada a confecção do tapete. É aí que um sentimento de carinho e amor passa a reinar de forma soberana como a fé. O final da confecção do tapete ocorre por volta da 15h. “Então, para dizer obrigado a Cristo de mãos dadas, todos os integrantes de todas as equipes das 22 paróquias de Franca formam um grande abraço pelo lado externo do tapete em volta da Praça Nossa Senhora da Conceição e é rezado um Pai Nosso e uma Ave-Maria”, comenta Denizar, que se envolveu nesse trabalho quando entendeu que a procissão de Corpus Christi é a presença real e viva de Cristo no meio dos homens. “É o tempo mágico e sagrado que o corpo de Cristo sai da igreja de pedra e vai ao encontro da igreja que existe dentro de cada um de nós. Sinto o Corpus Christi – tapete, missa e procissão – como a exteriorização material e visual da devoção dos fiéis e é também manifestação de graças, louvor e agradecimento”, diz.

Maria Goret concorda com Denizar e diz ser incrível ver como a força da união é poderosa. “Olho aquela grandiosidade e penso na arte que tem as formas e as cores da fé, fruto da criatividade, solidariedade, partilha e, sobretudo, oração. É nossa missão cumprida”.


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