Conheça os segredos que estão escondidos nas refeições de micro-ondas

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 17 de maio de 2018 às 00:17
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:44
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Criar uma receita que dê certo é um processo trabalhoso, que requer uma quantidade surpreendente de ciência

A embalagem diz apenas “lasanha de legumes”. Mas, ao ver a
foto, pensamos que o fabricante pode realmente ter sido generoso. E ficamos com
água na boca só de imaginar as camadas finas de massa, regadas ao molho
bechamel e cobertas com um toque saboroso de queijo derretido gratinado.

Retiramos cuidadosamente a bandeja da caixa de papelão, perfuramos a
cobertura de plástico filme e colocamos no micro-ondas. Dois minutos depois, no
entanto, a refeição que chega ao prato é irreconhecível. O queijo estava
liquefeito em uma camada de gordura, o bechamel tinha coalhado e a massa estava
tão borrachuda quanto uma lula que cozinhou demais.

Quem nunca passou por isso? Esquentar uma refeição de micro-ondas
difícil de comer? Elas podem ficar prontas em minutos, mas criar uma receita
que dê certo é um processo trabalhoso, que requer uma quantidade surpreendente
de ciência.

Por um lado, prevê a adoção de técnicas requintadas criadas por
restaurantes com estrelas no Guia Michelin. Por outro, o uso de aditivos
alimentares.

Para entender o motivo, fica mais fácil se você compreender a chamada
“reação de Maillard”. Descoberta pelo químico francês Louis-Camille
Maillard em 1912, é a reação química mais praticada no planeta. E acontece em
milhões de cozinhas diariamente, embora poucas pessoas tenham ouvido falar
dela.

Basicamente, algo delicioso acontece quando você mistura aminoácidos com
certos tipos de açúcar e depois aquece. Novos compostos começam a se formar,
deixando o alimento com o aspecto corado e mais saboroso.

‘Magia’

Esses produtos derivados da reação de Maillard são responsáveis pela
doçura do café e do leite maltado, pelas notas de caramelo na cerveja, assim
como pelo aroma irresistível do pão assado, da batata frita, da carne de
churrasco e de marshmallows tostados. A maioria dos alimentos considerados uma
tentação devem isto à reação.

É uma das razões pela qual os temperos costumam ser refogados antes de
serem usados, e por que não há comparação entre batatas fritas e cozidas. A
atração por esses alimentos pode ser inata do ser humano, já que eles são um
subproduto da culinária e nós somos as únicas espécies capazes de fazer isso
(embora os chimpanzés, com alguns estímulos, estejam chegando perto, relataram
cientistas em 2015).

Dependendo das proteínas e
açúcares envolvidos, existem milhares de produtos derivados possíveis.
Aminoácidos com altos níveis de nitrogênio tendem a gerar aromas mais
agradáveis, enquanto as variedades mais concentradas, segundo Elmore, costumam
resultar em enxofre e cheiro de cebola.

O problema é que a reação não ocorre se a comida estiver
muito úmida. “Se você bota uma batata crua no forno, ela tem cerca de 80%
de umidade”, diz Elmore.

Quando entra em ponto de ebulição, a água começa a
evaporar e sua superfície começa a secar.

É por isso que as batatas
assadas são geralmente douradas por fora e claras por dentro. 

Decepção

Os micro-ondas funcionam de forma diferente. Em vez de
esquentar o ar ambiente, eles bombardeiam os alimentos com pequenas ondas de
rádio de alta potência que aquecem as moléculas em seu interior à medida que
vão passando. Isso significa que a superfície nunca fica quente ou seca o
suficiente para que a reação de Maillard aconteça, levando à decepção.

Também
faz com que as refeições prontas acabem sendo um pouco sem graça. Um estudo
mostrou que a carne feita no micro-ondas tem apenas um terço do delicioso aroma
químico daquela que é cozida da forma convencional. E outra pesquisa revelou
que o pão assado no micro-ondas é, francamente, desagradável.

Fabricantes
menos escrupulosos tentam mascarar a ausência do aspecto apetitoso enchendo
seus produtos de sal, açúcar e glutamato monossódico, que dá sabor aos
alimentos.

Em 2015,
uma investigação conjunta do jornal britânico The Telegraph e da ONG Action on
Sugar descobriu que algumas refeições dos supermercados britânicos continham
duas vezes mais açúcar do que uma lata de Coca-Cola, ou cerca de 13 colheres de
chá (quatro a mais do que a quantidade diária recomendada para um homem
adulto). 

Mudança de hábito

Mas não precisa ser assim. À medida que cresce a demanda por
refeições caseiras e com sabor fresco, os fabricantes passaram a adotar uma
abordagem mais sofisticada, que começa com a escolha dos ingredientes certos. “A
realidade é que nem tudo é adequado para se cozinhar no micro-ondas”, diz
Benn Hodges, chefe de cozinha da Eat First, empresa especializada em refeições
gourmet prontas. Ele já trabalhou em alguns dos melhores restaurantes do mundo,
incluindo o premiado Roka, em Londres.

Vejamos o caso do salmão. As
estrias presentes nos filés são onde os músculos usados pelo peixe para nadar
se juntam. Eles são unidos pelo colágeno, que derrete e se transforma em
gelatina ao cozinhar. É por isso que sua carne fica em lascas. Ao mesmo tempo,
as proteínas do músculo começam a desnaturar e coagular, o que explica por que
ele se torna opaco.

Como
todos os bons cozinheiros sabem, um dos principais perigos do salmão é que ele
se desmancha, e o encolhimento das fibras musculares extrai sua umidade,
transformando o que seria um suculento jantar em um prato seco. A melhor
maneira de evitar ambas as situações é deixá-lo o mais quente possível e
cozinhá-lo rapidamente. E é aqui que entram as micro-ondas.

A
maioria dos fornos de micro-ondas opera em uma frequência de 2,45 GHz, que é
mais facilmente absorvida por água, gordura e açúcar. Quanto mais moléculas
dessas um alimento tiver, mais rapidamente ele vai cozinhar. É por isso que os
filés de peixe com alto teor de água e gordura são ideais.

Como
bônus, a água não ferve no micro-ondas até chegar a 105°C, então, o que você
cozinhar vai reter mais umidade. E, por fim, vai preservar os pigmentos
saudáveis que dão ao salmão a cor rosado-alaranjada e o aroma perfumado. “Dadas
minhas experiências passadas, eu jamais teria sonhado em cozinhar peixe no
micro-ondas, mas realmente funciona”, diz Hodges. 

Técnica mista

Um prato que ele estava particularmente interessado em
recriar como refeição pronta era o salmão ao molho teriyaki do Roka, que é
grelhado na brasa do carvão e servido no tradicional espetinho japonês – a
robata. Para se certificar de que os filés sejam banhados em compostos
Maillard, como na receita original, eles são grelhados primeiro em um forno a
300°C. “O salmão já está coberto com o molho e o forno cria um lindo
esmalte, como se você estivesse fazendo isso em uma robata no
restaurante”, diz ele.

Para evitar cozinhar em
excesso – afinal, o peixe ainda precisa ser levado ao micro-ondas – o filé
dourado é retirado após um minuto e resfriado.

Esses refrigeradores são
extremamente populares na culinária profissional. Na verdade, são muitas vezes
a única maneira de cumprir com as normas de segurança alimentar, uma vez que
apresentam o benefício adicional de evitar que bactérias nocivas proliferem
enquanto a comida está esfriando. 

Sabor deteriorado

Isso nos leva ao próximo problema. A maioria das refeições
feitas para micro-ondas é pré-cozida, o que significa que corre os mesmos
riscos inerentes às sobras. E o mais temido é o “gosto de
requentado”, um sabor rançoso que tende a se desenvolver na carne que foi
cozida e depois refrigerada. Costumam dizer que o gosto lembra uma mistura de
papelão e pelo de cachorro molhado, e ocorre como resultado da reação do
oxigênio com as gorduras da carne.

Nesse
caso, a maioria dos fabricantes resolve o problema adicionando antioxidantes,
que impedem que o oxigênio reaja com a gordura. Podem ser aditivos alimentares,
como o hidroxitolueno butilado (E321), mas também ervas (o alecrim é
particularmente eficaz), especiarias, vitaminas e até suco de limão.
Ironicamente, os compostos de Maillard, que frequentemente estão ausentes em
refeições prontas, também são poderosos antioxidantes.

Outros
fabricantes apenas se certificam de que sua comida seja consumida antes que
isso aconteça.

Tem ainda a questão da comida
“murcha”. O ar frio do microondas faz com que o vapor condense
rapidamente, se transformando em líquido. Isso impede não só que os alimentos
desenvolvam uma superfície crocante, como também adiciona umidade a eles –
evitando a formação de casca no pão e deixando a pizza mole.

Mas a
ciência também pode dar uma mãozinha, como na criação do material
“susceptor”, uma nova e inteligente tecnologia que permite fazer pães
crocantes no micro-ondas. Em geral, consiste em uma bandeja de papelão forrada
com plástico, que, por sua vez, é revestida por uma fina película de metal. A
sabedoria popular diria que o metal fica tão quente no micro-ondas que
certamente vai provocar uma enorme explosão e botar fogo na sua casa. Mas isso
não é exatamente verdade.

Na
prática, depende do formato. As chapas planas costumam ficar apenas muito
quentes, enquanto qualquer forma angular, como um pedaço de papel alumínio
moldado para cobrir um prato, vai acabar pegando fogo. É que as cargas
elétricas se acumulam mais em superfícies angulares, e isso significa que as
embalagens “susceptoras” ficam quentes o suficiente para que uma
crosta se forme, mas não tanto a ponto de queimar. Elas também esquentam o
bastante para que a reação de Maillard torne seu jantar mais apetitoso.

Mas
talvez o pior defeito do micro-ondas seja deixar aquele sabor de comida pronta.
Isso se deve em parte à ausência daquele douradinho, claro, mas também ao fato
de que o micro-ondas contém ar frio. Os fornos convencionais secam a superfície
dos alimentos, o que impede que os compostos aromáticos escapem à medida que
evaporam. A crosta de, digamos, uma lasanha preparada no forno, forma uma
barreira impenetrável, enquanto a mistura pastosa do molho bechamel com o
queijo no micro-ondas não é páreo para a fuga de sabores.

Hodges
ameniza essa imperfeição incorporando legumes em conserva às suas refeições. “Ajuda
a acrescentar um toque real de acidez e sabor fresco, dando ao prato um paladar
menos homogêneo”, diz ele.

Desde que foi inventado por
acidente, em 1945, quando um engenheiro inadvertidamente derreteu seu lanche, o
micro-ondas revolucionou a forma como nos alimentamos. As lasanhas de
supermercado talvez nunca tenham aquela cobertura crocante e dourada que desejamos,
mas a ciência tem deixado esses pratos cada dia mais saborosos. E se não der
certo, você terá sempre a opção de esquentar sua refeição pronta no forno
convencional.


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