Compostos cancerígenos do churrasco entram no organismo através da pele

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 25 de maio de 2018 às 19:35
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:45
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Cientistas confirmam que compostos são mesmo ingeridos com a carne, mas absorção cutânea é muito maior

Já se sabia a fumaça
produzida pelas churrasqueiras contém quantidades consideráveis de
hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPA), compostos cancerígenos que podem
causar doenças respiratórias e mutações no DNA. Um novo estudo, porém, mostra
que a maior parte dessas substâncias não penetra no organismo dos participantes
do churrasco pelas vias respiratórias, mas através da pele. 

A nova pesquisa, publicada
na última quinta-feira, 24 de maio, na revista científica Environmental
Science & Technology
, foi coordenada por Eddy Zeng, da Escola de Meio
Ambiente da Universidade de Jinan, na China, e também envolveu cientistas da
Universidade de Pequim, também na China. 

De acordo com os cientistas, os HPAs,
produzidos pela queima incompleta de substâncias orgânicas como o carvão, a
lenha e a gasolina, também se formam por meio de uma reação química quando a
fumaça entra em contato com a gordura e as proteínas das carnes assadas
nas temperaturas elevadas da churrasqueira.

Estudos feitos com roedores têm
mostrado que a exposição prolongada aos HPAs está ligada ao risco aumentado de
certos tipos de câncer, incluindo tumores de pele, mama, bexiga, fígado e
próstata. A maior parte das pesquisas já feitas, porém, tinham foco na
exposição aos HPAs pela própria comida e pela fumaça da churrasqueira.

O novo estudo confirma que a maior
quantidade de HPAs é absorvida mesmo pela ingestão do churrasco. No entanto,
para surpresa dos pesquisadores, o nível de absorção dessas substâncias pela
exposição à fumaça é maior pela pele do que pelas vias respiratórias.

De acordo com Adelaide Cassia Nardocci,
professora da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da Universidade de São Paulo
(USP), que não está envolvida no estudo chinês, as concentrações de HPA
liberadas por um churrasco são pequenas, mas não podem ser negligenciadas,
porque elas se somam à exposição praticamente constante a essas substâncias que
também estão presentes na poluição urbana. “Sabemos que essas substâncias
têm um potencial para causar alterações que podem levar à formação de processos
cancerígenos e por isso elas são, sim, uma grande preocupação do ponto de vista
da saúde pública. Por causa da poluição atmosférica, estamos expostos a elas ao
longo de toda a vida. Em conjunto, a absorção pelas vias respiratórias e a exposição
pela via alimentar geram um risco que não é desprezível, ainda que as
concentrações sejam muito baixas”, disse Adelaide.

Segundo Adelaide – que em sua tese de
livre-docência, defendida na USP em 2010, avaliou os riscos da exposição aos HPAs
para a população da cidade de São Paulo -, a conclusão da pesquisa chinesa é
importante para chamar a atenção sobre os riscos envolvidos no preparo dos
alimentos.  “O churrasco é particularmente preocupante, porque expõe
a carne a uma temperatura alta e, além dos compostos já presentes na fumaça,
temos a queima da gordura, que contribui para a produção de HPAs. É um processo
de preparo que deveria ser evitado na medida do possível – especialmente
levando-se em conta essa nova informação de que há uma absorção considerável
pela pele”, afirmou Adelaide.

A professora afirma que a queima
da gordura é a parte mais crítica do churrasco, em termos de produção de HPAs.
“Em geral, a carne fica por longo tempo na churrasqueira e a gordura vai
sendo queimada à medida que envolve o alimento cada vez mais. Feita dessa
forma, as substâncias nocivas são incrementadas. É absolutamente
desaconselhável expor a carne à fumaça”, declarou.

De acordo com Adelaide, os HPAs são
formados por longas cadeias de carbono produzidas pela queima incompleta de
todo tipo de biomassa, da madeira ao petróleo. São conhecidos mais de 100 tipos
diferentes de HPAs, dos quais 16 causam preocupação da perspectiva da saúde
pública. “Desses compostos, há pelo menos sete ou oito que já são considerados
carcinogênicos, ou potencialmente carcinogênicos.”

Apesar da estrutura química de grandes
dimensões, os HPAs são lipossolúveis – isto é, dissolvem-se na gordura – o que
facilita sua absorção pela, de acordo com Adelaide.  “Essa conclusão
do novo estudo é importante, porque reforça uma tese que muitos especialistas
defendem, de que a importância da absorção cutânea tem sido subestimada.
Sempre consideramos a pele como uma via de exposição menos importante, mas esse
e outros estudos estão mostrando que ela é muito relevante.”

Churrasco científico

Para realizar o estudo, os cientistas
fizeram um experimento com 20 homens, com idades de 22 a 25 anos, que
participaram de um churrasco de 2,5 horas em Guangzhou, na China.

Os participantes foram divididos em
três grupos.  O primeiro grupo comeu o churrasco, mas tomou precauções
para evitar a exposição à fumaça – tanto pelo nariz como pela pele. O segundo
grupo ficou ao lado da churrasqueira, exposto à fumaça, mas não comeu carne. Um
terceiro grupo não comeu churrasco, utilizou uma máscara especial para evitar a
inalação da fumaça, mas ficou exposto à fumaça.

Os cientistas coletaram amostras de
urina de todos os participantes antes e depois do churrasco. Eles também
coletaram amostras do ar durante o evento, para analisar os níveis de HPAs. Os
pesquisadores calcularam, ainda, estimativas da ingestão de HPAs pelos
participantes através da comida, do ar e da pele.

Como esperado, o consumo da carne
assada na churrasqueira correspondeu ao maior nível de exposição aos HPAs. Mas a
segunda principal rota de absorção foi a pele, seguida pela inalação da fumaça.

O estudo também mostrou que roupas
compridas não são suficientes para evitar a absorção de HPAs pela pele. Os
cientistas verificaram que as roupas reduziram a quantidade de HPAs absorvida
pela pele por um curto período, mas, só até que os tecidos ficassem saturados
com a fumaça.


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