MUSK VS MORAES: questões de Liberdade de Expressão e Internet

  • OAB Franca
  • Publicado em 19 de abril de 2024 às 18:33
  • Modificado em 19 de abril de 2024 às 18:33
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Foi noticiada na sexta-feira, dia 5 de abril de 2024, que o Ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal respondeu ao bilionário sulafricano nato e naturalizado norte-americano, Elon Musk, proprietário da X (antigo Twitter), Tesla Automóveis Elétricos, Space X, entre outras grandes empresas, o qual indagou o porquê de o Brasil ter leis que censuram a liberdade de expressão, pois o STF determinou mandado judicial de bloquear perfis que incitam discurso de ódio e fakenews em relação às instituições democráticas do Brasil e que apologizaram “golpe militar” no Brasil, uma vez que houve os fatos de depredação aos prédios dos Três Poderes da República, na cidade de Brasília – DF, no dia 8 de janeiro de 2023.

Alexandre de Moraes respondeu da seguinte forma a respeito da indagação: “As atividades desenvolvidas na internet são regulamentadas no Brasil, em especial pela Lei 12.965/14 (Marco Civil da Internet) (…) O ordenamento jurídico brasileiro prevê, portanto, a necessidade de que as empresas que administram serviços de internet no Brasil atendam todas as ordens e decisões judiciais, inclusive as que determinam o fornecimento de dados pessoais ou outras informações que possam contribuir para a identificação do usuário ou do terminal, ou ainda, que determinem a cessação da prática de atividades ilícitas, com bloqueio de perfis”.

Com devida autoridade, Moraes deixa bem claro que as empresas de Internet no Brasil têm responsabilidade pelo que publica, assim como provedores de redes sociais e de serviços de mensagens privadas, e que tais responsabilidades se assemelham aos meios de comunicação social, mídia, de publicidade digital e as plataformas digitais, também, inclusive a X.

Diante disso, Elon Musk ameaçou a desbloquear os perfis da X e retirar o escritório da sua empresa no Brasil, mediante decisão judicial do STF, o que desencadeou Alexandre de Moraes determinar a inclusão de Elon Musk no inquérito das fakenews, uma vez que há “dolosa instrumentalização criminosa” de afrontar decisões judiciais brasileiras e de atitude suspeita de obstrução à Justiça. O grande problema foi que Elon Musk pediu a renúncia de Alexandre de Moraes ou o seu impeachment, alegando ameaça à liberdade de expressão e à democracia, mas que gera estranhamento tal atitude mediante apelos de grupos extremistas no país, que aliás, têm ligação com os “golpistas”.

O presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial Ricardo Capelli pediu o banimento da empresa X (Twitter) do Brasil e houve várias manifestações políticas de que Elon Musk está afrontando a democracia brasileira.

Diante dos fatos ocorridos, o Ministro Alexandre de Moraes pediu ao Presidente da Agência Nacional de Telecomunicações Carlos Baigorri procedimentos técnicos necessários de retirar a empresa X do ar.

Assim, diante dos fatos noticiados, analisemos as questões jurídicas em questão:

1º) o Brasil tem leis que regulam a matéria sobre Internet que são as Leis nº 12965/2014 (Marco Civil da Internet: que determina direitos, deveres e garantias do uso da Internet e diretrizes do Poder Público regulamentar e fiscalizar), 12737/2014 (Lei Carolina Dieckman: tipificou crimes e delitos informáticos como falsificação de documentos, uso indevido de cartões de crédito e débito, invasão de dispositivos eletrônicos, roubo de dados e interrupção de serviços digitais) e 13709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados: protege direitos fundamentais dos indivíduos, principalmente, em relação aos seus dados pessoais, como utilizá-los com devido consentimento e tratamento), além de outras disposições legais correlatas – logo, o Ministro Alexandre de Moraes está correto em dizer que no Brasil, há leis que regulamentam a Internet;

2º) há o projeto de lei nº 2630/2020, que trata sobre o combate às fakenews, ou seja, combate às notícias falsas, mentiras nas redes sociais, plataformas e mensagens virtuais, principalmente, para combater o discurso de ódio, da intolerância, da desinformação e que se faça uso correto da Inteligência Artificial, com previsão de tipificações criminais, penas de prisão, multas e medidas administrativas contra provedoras, plataformas, sites e redes sociais, caso descumpram medidas judiciais ou administrativas, uma vez que não se pode admitir no Brasil práticas de crimes virtuais de injúria, calúnia, difamação, ameaça, constrangimento ilegal, racismo, xenofobia, discriminação, apologia a crimes de tortura e de ameaça à democracia e à soberania nacional – tal medida faz-se necessária e urgente de ser aprovada como lei para poder agilizar medidas mais efetivas contra notícias e informações falsas;

3º) o Brasil protege a liberdade de expressão, conforme artigo 5º, incisos IV (manifestação de pensamento), V (direito de resposta e de indenização por dano moral, material ou à imagem), VI (consciência ou crença e exercício de cultos ou liturgias), VIII (crença ou convicção religiosa, filosófica e política), IX (expressão de manifestação intelectual, artística, científica ou de comunicação) que estão na Constituição Federal, contudo para toda liberdade, há responsabilidade e consequências, não se permitindo o anonimato, e caso exerça a liberdade para ofender ou violar direito de alguém, terá as devidas consequências legais e judiciais, no caso, a indenização, ou seja, o que Elon Musk alega não está correto, uma vez que o Brasil não se admite mentiras, desinformação e notícias falsas, que possam comprometer as instituições públicas e privadas e a opinião pública;

4º) a Internet não é “terra de ninguém”, que se pode escrever, expressar ou fazer como bem quer, sem as devidas regulamentações, limitações e punições, caso haja abuso e violações de direitos, e no caso, a lei brasileira se faz imperar para o devido exercício de direitos de liberdade com devida responsabilidade – o que se espera de o Estado fazer presente para combater e punir os que abusam da pretensão liberdade de expressão sem as suas devidas consequências.

 

Por fim, como se trata de um estrangeiro questionando as leis brasileiras, suas opções são seguir ou não estar dentro da jurisdição da soberania brasileira, desde que não fira o princípio da territorialidade e exercício soberano do país, no caso, o Brasil.

Há de se reportar, que internacionalmente, a ONU (Organização das Nações Unidas) consagra o artigo 19º da Declaração Universal dos Direitos Humanos como exercício intrínseco da liberdade de expressão, mas com devida responsabilidade, conforme consta na 3ª parte do artigo e consta implicações do exercício do direito de assegurar o respeito às demais pessoas e proteger a segurança nacional, a ordem, a saúde e a moral pública.

Na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, mais precisamente o artigo 11º, consta a respeito do direito de liberdade de expressão, de opinião e de informação, e consta a respeito também do exercício deste direito com devida responsabilidade, contudo prevê no artigo 2º, restrições de tal liberdade em nome da segurança pública e defesa da sociedade pela ordem, moralidade e interesse público.

Já, a OCDE (Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Econômico) elaborou um Relatório “Facts not Fakes”, que recomenda a necessidade de regulamentação das plataformas digitais para combater a desinformação. Assim, pode-se considerar que Elon Musk pode ser tanto enquadrado pela ONU como pela OCDE que ele deve ser responsável pela sua empresa de rede social de Internet, o X (Twitter) a respeitar não só as leis nacionais dos países, bem como regulamentações internacionais sobre a matéria, uma vez que sua própria empresa pode ter problemas de perda de valorização no mercado financeiro internacional, além de ser passível de arcar com multas e indenizações judiciais.

É uma questão de tendência internacional de que a Internet seja, realmente, regulamentada para não ser utilizada por grupos ou pessoas que queiram manipular ou mentir na rede mundial de computadores.

 

Lúcio Rangel A. Ortiz

Advogado Especialista em Direito Digital e Lei Geral de Proteção de Dados (Legale Educacional de São Paulo) OAB/SP 170.816

Mestre em Planejamento e Análise de Políticas Públicas (UNESP)

MBA em Gestão de Projetos (USP) e Escritor

 

 

 

 

Referências

AGÊNCIA DA UNIÃO EUROPEIA PELOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Disponível em: http://fra.europa.eu/pt/eu-charter/article/11-liberdade-de-expressao-e-de-informacao. Acesso em 8 abr. 2024.

BRASIL. Câmara dos Deputados. PL 2630/2020. Disponível em: < https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2256735>. Acesso em 8 abr. 2024.

BRASIL. Presidência da República – Casa Civil. Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 7 abr. 2024.

BRASIL. Presidência da República – Casa Civil. Lei Federal nº 12.737 de 30 de novembro de 2012. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12737.htm> . Acesso em 7 abr. 2024.

BRASIL. Presidência da República – Casa Civil. Lei Federal nº 12.965 de 23 de abril de 2014. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm. Acesso em 7 abr. 2024.

 

BRASIL. Presidência da República – Casa Civil. Lei Federal nº 13.709 de 14 de agosto de 2018. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm> . Acesso em 7 abr. 2024.

NAÇÕES UNIDAS. Brasil. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: < https://brasil.un.org/pt-br/91601-declara%C3%A7%C3%A3o-universal-dos-direitos-humanos>. Acesso em 8 abr. 2024.

TELE SÍNTESE. OCDE: Aplicar regulação às plataformas não precisa ser papel de um único órgão. Disponível em: https://telesintese.com.br/ocde-regulacao-de-plataformas-nao-precisa-se-concentrar-em-um-unico-orgao-aponta-relatorio/. Acesso em 8 abr. 2024.


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