Cervejas artesanais do Brasil têm reconhecimento internacional

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 12 de agosto de 2018 às 10:58
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:56
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No Brasil, o número de cervejarias cresceu bastante e continua crescendo, apesar da crise

O sucesso
internacional de um estilo de cerveja cuja fórmula foi desenvolvida no Brasil é
responsável pelo bom momento vivido pelas cervejarias artesanais no país.

Desenvolvida por
produtores de Santa Catarina a partir de um dos mais tradicionais estilos da
Alemanha, a Berliner Weisse, a chamada Catharina Sour é a primeira receita
tipicamente brasileira incluída no catálogo da Beer Judge Certification Program
(BJPC).

Considerada uma das principais organizações mundiais de
certificação de juízes cervejeiros, a BJPC publica um guia de estilos da bebida
que serve de parâmetro para os produtores caseiros, artesanais e industriais.
Com o reconhecimento da Catharina Sour, fabricantes de todo o mundo poderão
inscrever seus produtos em concursos que julgam a qualidade da bebida.

Em 2016, uma das
primeiras cervejarias brasileiras a apostar na fórmula, a Blumenau, faturou uma
medalha de prata no Prêmio Internacional de Cerveja da Austrália, uma das mais
importantes competições da atualidade.

“Temos registro de
mais de 50 rótulos batizados com esse estilo. Já há produtores de Catharina
Sour no Canadá, nos Estados Unidos, na Argentina”, disse o presidente da
Associação Brasileira de Cerveja Artesanal (Abracerva), Carlo Lapolli,
explicando que, preservadas as principais características físico-químicas e
sensoriais da fórmula original, cada produtor tem liberdade para “brincar e
experimentar” novas misturas, o que favorece a diversidade de sabores. Tanto
que já há Catharina Sour com adição de maçã, jabuticaba, pêssego, manga, entre
outras frutas.

Levemente ácida e com acentuado sabor de frutas que pode lembrar
um espumante, a Catharina Sour começou a ser testada comercialmente entre os
anos de 2014 e 2016, quando as microcervejarias e importadoras já se destacavam
por conquistar crescente espaço no mercado cervejeiro nacional. Esse mercado,
segundo a Associação Brasileira da Indústria da Cerveja (CervBrasil), só fica
atrás da China e dos Estados Unidos quando considerada a produção das grandes
fabricantes brasileiras. De acordo com a entidade, a produção nacional total já
ultrapassa os 14,1 bilhões de litros anuais.

O segmento das chamadas cervejas especiais (artesanais, importadas e `premium´)
cresceu em consequência dos bons resultados da economia brasileira em anos
recentes, principalmente entre consumidores das classes A e B, que, conforme
lembra Lapolli, experimentaram uma mudança no padrão de consumo que favoreceu
diversos segmentos. O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
(Sebrae) estima que, entre 2012 e 2014, as cervejas especiais ampliaram sua fatia
de mercado de 8% para 11%.

Cervejarias

O número de cervejarias artesanais em atividade é incerto. Responsável por
autorizar o funcionamento desses empreendimentos, o Ministério da Agricultura
não faz distinção entre o porte das empresas. No fim de 2017, havia 679
cervejarias registradas no ministério – número 37,7% superior aos 493 registros
de 2016. “No Brasil, o número de cervejarias cresceu bastante e continua
crescendo, apesar da crise. Claro que, em um cenário mais favorável, poderíamos
ter alcançado resultados ainda melhores”, comentou Lapolli, acrescentando que o
desafio do segmento é tentar “democratizar” o consumo do produto artesanal. O
que, segundo ele, demanda mais investimentos e um olhar diferenciado por parte
do Poder Público. “Infelizmente, nossos preços ainda não são acessíveis a todos
os consumidores. Principalmente devido à falta de escala da produção artesanal
e ao desconhecimento por parte de nosso público potencial. Mas, principalmente,
devido às regras tributárias que não diferenciam um grande fabricante e um
produtor artesanal industrial, cobrando de ambos os mesmos cerca de 50% em
tributos”, disse o presidente da Abracerva.

A entidade tem
atuado junto aos poderes Executivo e Legislativo, tentando obter uma atenção
especial do Poder Público. “Temos alguns projetos tramitando no Congresso
Nacional que visam à redução da carga tributária. E até hoje não há uma
regulamentação, um conceito legal sobre o que seja a produção artesanal. Uma
cervejaria pequena, que produza 3 mil litros mensais, tem que estar inscrita no
Ministério da Agricultura e cumpre as mesmas exigências de uma fábrica que
produza 30 milhões de litros mensais”, acrescentou o presidente da Abracerva.

De acordo com
Lapolli, embora só detenha 1% do mercado consumidor, as cervejarias artesanais
empregam cerca de 10% da mão de obra do setor. Já a CervBrasil contabiliza que,
incluídas as grandes fabricantes da bebida, o setor cervejeiro gera R$ 21
bilhões de impostos anuais, respondendo por 1,6% do Produto Interno Bruto (PIB)
e por cerca de 100 mil empregos diretos.

Produtores

Porteiro de um condomínio de Santos (SP), Alcemir Emmanuel e o
jornalista e produtor musical Eugênio Martins Júnior decidiram aprender a fazer
sua própria cerveja ao perceber que as marcas populares já não os satisfaziam.
Com o tempo, perceberam que a receita agradava os amigos. Enxergaram uma
oportunidade e decidiram arriscar. Sem recursos financeiros, obtiveram um
investimento de R$ 12 mil de uma startup
e registraram a marca Cais, nome alusivo ao Porto de Santos. “Éramos,
basicamente, dois caras cansados de beber cerveja ruim. Quando dei por mim,
tinha virado uma espécie de caçador de cervejas artesanais nacionais. Ia a
vários eventos, o que saía caro. Como nos eventos sempre tem estandes com
palestras e cursos, acabou sendo um caminho meio natural aprender a fazer minha
própria bebida”, contou Emmanuel. Hoje, produzem 600 litros por lote
encomendado a outra microcervejaria e estão presentes em 20 estabelecimentos da
Baixada Santista. “Todo o dinheiro que entra nós reinvestimos. Ainda não dá
para viver da cerveja, mas espero que, em breve, isso se torne possível”.

O servidor público
brasiliense Fábio Bakker também não consegue viver exclusivamente do negócio
aberto com outros dois amigos, mas afirma já ter outras compensações. “A
atividade ainda não me sustenta, mas quando me perguntam o que eu faço, me
identifico como cervejeiro. Porque isso é algo que faço por gosto, que está
associado à produção artesanal, à valorização dos produtos, sabores e da
cultura local”, declarou Bakker, que, por formação, é engenheiro florestal.

Para lançar a marca Criolina (nome de uma conhecida festa de
Brasília, produzida por um dos sócios) em 2015, Bakker e os amigos investiram
cerca de R$ 150 mil. Também começaram como “ciganos”, ou seja, terceirizando a
produção para outros microfabricantes. Hoje, estão em 43 pontos de venda do
Distrito Federal, além de Goiânia (GO), Palmas (TO), além de uma rede de
supermercados. Com o sucesso, planejam investir mais R$ 800 mil para equipar o
galpão onde já realizam eventos com todo o equipamento necessário para produzir
em parceria com outras marcas.

Os amigos já
empregam sete pessoas. “Temos ambição de ampliar nossa produção, fazer
parcerias com outras fabricantes ciganas”, anunciou Bakker, garantindo que a
recente crise econômica não chegou a prejudicar os planos da Criolina. “Há
sustos, lógico, mas isso é comum a todo tipo de empreendimento. O mercado das
cervejas especiais ainda é incipiente e tem um enorme potencial de crescimento.
E pode se aproveitar dessa mudança de padrão de consumo, da curiosidade de uma
parcela dos consumidores que, hoje, está mais atenta à procedência daquilo que
consome. A cerveja artesanal rompe com a ideia do globalismo e valoriza o sabor
local”, acrescentou o cervejeiro.


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