Brasil registra um caso de agressão contra a mulher a cada quatro minutos

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 10 de setembro de 2019 às 10:19
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 19:48
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Violência se dá sobretudo em casa, com agressor conhecido. Dado inclui apenas sobreviventes

A vendedora de roupas Talita Oliveira, 29 anos, se submeteu a sete cirurgias reconstrutoras nos últimos dois anos: duas na orelha e cinco no nariz. “E terei que fazer mais 10 só no nariz”, diz ela.

Em novembro de 2017, foi atacada pelo ex-companheiro, que não aceitava o fim do relacionamento. Era manhã de domingo quando o agressor invadiu a casa da mãe dela em Barueri (SP), onde ela estava.

Tentou esganá-la, quebrar seu pescoço e arrancou com os dentes uma orelha e o nariz da vendedora. Os dois filhos mais velhos da mulher, de 13 e 11 anos, viram tudo. “Vivi uma cena de filme de terror. Fiquei desfigurada. Dormi uma e acordei outra. Parecia um monstro”, diz ela.

O Ministério da Saúde registra que, no Brasil, a cada quatro minutos uma mulher é agredida por ao menos um homem e sobrevive. No ano passado, foram registrados mais de 145mil casos de violência – física, sexual, psicológica e outros tipos – em que as vítimas sobreviveram. Cada registro pode incluir mais de um tipo de violência.

A conclusão vem de dados inéditos do Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação), onde foram analisadas 1,4 milhões de notificações recebidas entre 2014 e 2018.

Toda vez que uma mulher procura um serviço de saúde, e o agente identifica que ela foi vítima de violência, é obrigado a notificar o caso às secretarias de saúde (o mesmo ocorre para violências sexuais, independente do gênero, e violência contra crianças e idosos, entre outros casos). Essas informações compõem o Sistema de Vigilância de Violência e Acidentes (VIVA / SVS / MS).

O número não inclui mulheres assassinadas, já que elas não são objeto do mesmo tipo de notificação. Segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Ampliada), em 2017 houve 4.396 assassinatos de mulheres o país.

A maior parte das vítimas de violência (física, sexual, psicológica, entre outras) é mulher.

Nos últimos anos, houve um aumento expressivo nos registros de violência física, psicológica e sexual, de acordo com dados da pasta. A tendência de crescimento se manteve ano após ano.

Os registros de violência sexual, por exemplo, tiveram aumento de 53% no período. Nesse tipo de agressão, 7 em cada 10 vítimas são crianças e adolescentes (têm até 19 anos).

Estupros coletivos (cometidos por mais de um autor homem) contra mulheres foram 3.837 no ano passado. Quando se considera também os registros de outros perfis de violência, incluindo as do sexo masculino, o total chega a 4.716, uma média de 13 casos por dia.

Não é claro se houve aumento no número de casos de violência contra a mulher ou se os casos passaram a ser mais notificados por causa de uma sensibilização maior da sociedade quanto à violência de gênero, comenta a socióloga Wânia Pasinato.

O último Atlas da Violência do Ipea, com dados de 2017, mostra que a taxa de morte de mulheres bateu recorde, chegando a 4,7 assassinatos a cada 100 mil habitantes.

Para a promotora de Justiça Gabriela Manssur, o aumento nos registros de violência contra a mulher se deve ao fato de as mulheres fazerem valer os seus direitos cada vez mais. “Há um maior conflito, porque os homens não aceitam a liberdade de comportamento”, diz ela.

Se a violência sexual atinge mais crianças e adolescentes, a agressão física tem como vítima preferencial mulheres de 20 a 39 anos (55% dos casos).

Em quase todos os casos de violência, o agressor da mulher é uma pessoa próxima: pai, padrasto, irmão, filho ou, principalmente, ex ou atual marido ou namorado. É em casa onde as mulheres são, na maioria das vezes, agredidas: 70% dos casos ocorrem em residências. Como foi o caso de Talita, citada no começo da matéria.

A vítima e o agressor, seu ex-companheiro, ficaram juntos por dois anos. As agressões começaram no segundo ano de relacionamento, segundo ela. Manchas roxas pelo corpo eram comuns. “Minha mãe falava para eu me separar, que uma hora ele ia me machucar feio”, diz. “Mas quando você está dentro do ciclo da violência, é muito difícil sair. A mulher não gosta de apanhar, a gente fica psicologicamente presa”.

Hoje, Talita não consegue mais respirar pelo nariz. Teve depressão, emagreceu 20kg, viu os filhos repetirem de ano na escola e não consegue emprego. “Qual empresa vai contratar uma pessoa doente, que precisa operar de quatro em quatros meses?”, questiona ela que, com ajuda de um tratamento psicológico, tenta se reerguer. “A minha vida recomeçou do zero. Nasci de novo, disso tenho certeza”, afirma.

O agressor, Ricardo William Cazuza, está preso. Ele foi condenado em primeira instância pelo crime e recorre da decisão judicial.


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