Arroz e feijão são dois dos alimentos mais desperdiçados no Brasil

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 22 de setembro de 2018 às 22:55
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 19:02
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Pesquisa apontou que os dois grãos presentes no dia a dia do brasileiro representa 38% da comida jogada fora

Base da alimentação
do brasileiro, o arroz e o feijão representam 38% do montante de alimentos
jogado fora no país. O dado faz parte da pesquisa sobre hábitos de consumo e
desperdício de alimentos, do projeto Diálogos Setoriais União Europeia –
Brasil, liderado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) com
apoio da Fundação Getulio Vargas (FGV).

A pesquisa ouviu 1.764 famílias de diferentes classes sociais e
de todas as regiões brasileiras. O ranking dos alimentos mais desperdiçados
mostra arroz (22%), carne bovina (20%), feijão (16%) e frango (15%) com os
maiores percentuais relativos ao total desperdiçado. “A grande surpresa foram
as carnes aparecerem com um índice tão alto de desperdício, um produto de alto
valor agregado, de alto valor nutricional e que é desperdiçado. E destaco ainda
o leite, que é o quinto grande grupo mais jogado fora”, disse o professor
de marketing da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da FGV,
Carlos Eduardo Lourenço.

Os dados detalhados da pesquisa foram apresentados no Seminário Internacional Perdas e Desperdício de Alimentos em Cadeias
Agroalimentares: Oportunidades para Políticas Públicas, na sede da
Embrapa, em Brasília (DF).

No Brasil, a média de alimentos desperdiçados por domicílio é de
353 gramas por dia. Individualmente a média é de 114 gramas por dia.

Entre os motivos do desperdício apontados pelos pesquisadores
está a busca pelo sabor e a preferência pela fartura dos consumidores
brasileiros. O não aproveitamento das sobras das refeições é o principal fator
para o descarte de arroz e feijão. “Essa busca pelo sabor e pelo frescor do
alimento acaba tendo outro impacto que é o descarte de um excesso ou quando
acontece algum evento que muda o planejamento da família”, disse Lourenço,
explicando, entretanto que a culinária diversa e saborosa do brasileiro deve
ser valorizada.

Como exemplo desses eventos, o professor da FGV cita o caso
pesquisado de uma pessoa que, após um churrasco, acabou descartando quatro
quilos de carne ou ainda o caso de quem salgou demais o feijão durante o
cozimento e acabou jogando a panela toda fora, em vez de tentar recuperar o
alimento.

Cultura da abundância

Os resultados mostraram que 61% das famílias priorizam uma
grande compra mensal de alimentos, além de duas a quatro compras menores ao
longo do mês. De acordo com os pesquisadores, esse hábito leva ao desperdício
pois aumenta a propensão de comprar itens desnecessários, especialmente quando
a compra farta é combinada com o baixo planejamento das refeições.

Algumas contradições também aparecem entre o público pesquisado.
Enquanto 94% afirmam ser importante evitar o desperdício de comida, 59% não dão
importância se houver comida demais na mesa ou na despensa. A maioria das
famílias (68%) valoriza muito ter uma despensa e geladeira cheias de
alimento. “O brasileiro gosta de abundância, é muito comum na nossa cultura”,
disse Lourenço.

Outra descoberta relevante da pesquisa é que 43% das pessoas
concordam que “os conhecidos jogam comida fora regularmente”, mas quando
abordado o comportamento da própria família o problema não aparece tanto.
Segundo Lourenço, apesar do grande desperdício, o brasileiro tem a percepção do
impacto social desse comportamento e parece ter um esforço de não
desperdiçar. “Essa consciência aparece na pesquisa”, disse.

Vilão do desperdício

De acordo com o professor da FGV, o motivador do desperdício é
transversal e acontece em todas as classes sociais. “Não há um vilão”,
ressaltou Lourenço. “Talvez fosse mais fácil se tivesse, mas é um problema
geral da nossa sociedade”. Segundo ele, apenas em hortaliças o desperdício
acontece mais nas classes A e B do que nas classes C e D.

Para o ministro do Meio Ambiente, Edson Duarte, é preciso atuar
em todos os elos da cadeia: evitar que o produto fique no campo, com
tecnologias e capacitações tecnológicas que aumentem a produtividade e
preservem o meio ambiente; garantir que o alimento chegue à mesa do consumidor,
com a comercialização in natura ou para agroindústrias; e educar as pessoas
para ao consumo, para evitar o desperdício.

“Um terço de toda a produção agrícola está sendo
desperdiçada, seja no pós-colheita, seja em toda a cadeia de alimentos. Se
combatêssemos isso com efetividade, estaríamos combatendo a fome e diminuindo a
pressão sobre nossas florestas e nossos recursos naturais”, disse.

Design dos alimentos

A pesquisa iniciou com uma fase qualitativa, na qual 62
consumidores foram entrevistados em supermercados, lojas de conveniência e
feiras livres. A coleta de dados envolveu um grupo de pós-graduandos europeus
das universidades de Bocconi (Itália), St Gallen (Suíça), Viena (Suíça) e
Groningen (Holanda). O objetivo foi avaliar hábitos de compra e consumo de
alimentos dos brasileiros, a partir do olhar dos europeus. “Os estudantes
europeus ficaram impressionados com a quantidade dos alimentos adquiridos pelos
brasileiros, principalmente nas compras semanais”, disse Lourenço, contando que
os estudantes se perguntavam por que nas lojas de conveniência, onde as compras
são menores, os carrinhos utilizados eram enormes.

Na segunda fase
da pesquisa, foi utilizado um painel com mais de 600 mil consumidores
brasileiros. Depois de uma triagem, foram selecionadas três mil pessoas de todo
o país e, dessas, 1.764 participaram efetivamente da primeira fase quantitativa
da pesquisa. Entre elas, 638 famílias participaram também do preenchimento de
um diário alimentar, que incluiu dados sobre quantidades desperdiçadas e fotos
dos alimentos descartados.

Nessa etapa, foi observado que o brasileiro está mais preocupado
com sabor e aparência dos alimentos, do que em consumir alimentos saudáveis ou
pouco calóricos. Para o presidente da Embrapa, Maurício
Lopes, na hora da compra, o brasileiro exalta mais o design dos alimentos
do que seu valor nutricional. “Temos uma cultura de expor em excesso, de
exaltar o visual. Quando entramos no supermercado é
ótimo ter gôndolas cheias de alimentos bonitos e polidos, consumimos
primeiro com os olhos para depois pensar na consequência desse consumo”, disse.

Segundo Lopes, esse problema de consumo tomou grandes dimensões
no sistema agroalimentar e faz com que a perda e o desperdício sejam quase que
necessário. “Do ponto de vista da produção, muitas vezes faz mais sentido
deixar os alimentos se perderem do que viabilizar outra rota de uso para esses
produtos”, disse, explicando que, quando se fala em desperdício, não é só de
alimento, mas de água, energia e mão de obra, além da emissão de gases de
efeito estufa em toda essa cadeia. “Os números dessa pesquisa são nada menos
que alarmantes”, ressaltou.

Engajamento

Por fim, na terceira fase da pesquisa, foi realizado um
levantamento de dados em blogs e redes sociais como Facebook e Twitter, com o
objetivo de avaliar como o tema desperdício de alimentos foi propagado na
internet nos últimos meses. Os resultados indicaram que 75% desse assunto é
tratado por instituições públicas e privadas e há pouco envolvimento das
pessoas nesse tema.

Para Lourenço, é preciso pensar em estratégias de comunicação
para sensibilizar e engajar o público nessa causa. “Há um esforço institucional
que não reverbera nas pessoas, elas não reportam, não fazem a viralização,
então a informação não se propaga”, destaca o professor da FGV. “Nos
surpreendeu como ainda não conseguimos engajar o brasileiro num assunto que é
tão relevante”.

As ações de cooperação para o combate ao desperdício alimentar,
financiada pela União Europeia, são desenvolvidas com outros parceiros, como o
Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) e a organização não-governamental
WWF-Brasil.

Segundo o embaixador da União Europeia no Brasil, João Gomes
Cravinho, o tema não tem audiência nos debates públicos como deveria ter,
mas quando a perspectiva é de 10 bilhões de pessoas no planeta em 2050, é
preciso pensar em formas de alimentar essas pessoas com alimentos seguros e
nutritivos. “É fundamental que saibamos escolher políticas públicas que não nos
obrigue a escolher entre alimentar o planeta ou salvar o planeta. A produção
deve se tornar cada vez mais sustentável e menos um peso para os nossos
recursos naturais”, disse.


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