Agricultores familiares fazem “carta aberta” sobre as queimadas e suas consequências

  • Teo Barbosa
  • Publicado em 28 de agosto de 2024 às 10:00
  • Modificado em 28 de agosto de 2024 às 10:56
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“O que é mais trágico é que não se trata de um evento isolado; a estação de queimadas retornará no próximo ano”, diz a carta aberta

Os produtores integrantes da Cooperativa de Agricultores Familiares (COORGANICA) junto com outras organizações da região de Franca, principalmente Patrocínio Paulista e Claraval, estudantes  e Núcleo Agrário Terra e Raiz ( NATRA), escreveram uma carta aberta sobre a situação de incêndios e queimadas na lavoura ocorridos no último fim de semana.

Eis o documento:

“Monocultura da cana-de-açúcar: o combustível que alimenta os incêndios

À sociedade brasileira, aos produtores agrícolas, às autoridades governamentais,

Nós, produtores orgânicos e agroecológicos, ambientalistas, consumidores conscientes, organizados através da Cooperativa das Agricultoras e Agricultores Orgânicos de Claraval e região – COORGANICA, a Rede de Agroecologia da Alta Mogiana – RAAM e a Fazenda Santa Cecília, viemos a público expressar nossa profunda preocupação e indignação em relação à grave crise ambiental que afeta o Estado de São Paulo.

As constantes queimadas não apenas ameaçam a biodiversidade local, mas também colocam em risco a vida e o sustento das comunidades rurais, além de impactarem a saúde pública nas áreas urbanas devido à poluição atmosférica e à escassez de água, interrupção do tráfego por falta de visibilidade, suspensão de aulas, e em outros municípios evacuação de famílias de suas casas e, tragicamente, morte de pessoas.

Fatores climáticos

Embora seja inegável que fatores climáticos, como ventos fortes, baixa umidade relativa do ar e a estiagem prolongada, contribuam para o início dos incêndios, é também imperativo que aqueles que ateiam fogo de forma intencional sejam responsabilizados. No entanto, atribuir toda a culpa exclusivamente a esses fatores é uma tentativa de confundir a opinião pública, pois, não devemos esquecer o elemento essencial nesse trio letal: o monocultivo de cana-de-açúcar.

O Estado de São Paulo é responsável por mais de 50% da área plantada de cana-de-açúcar no país. Em sistemas produtivos biodiversos, os incêndios tendem a se extinguir mais facilmente, pois a heterogeneidade do ambiente cria descontinuidades no combustível, interrompendo o avanço do fogo.

Em monoculturas, esse fenômeno não ocorre. A paisagem homogênea se torna um terreno fértil para a propagação de incêndios, permitindo que eles se alimentem e se expandam livremente. Além disso, o cultivo intensivo e contínuo da cana-de-açúcar degrada o solo, reduzindo sua capacidade de reter água e promovendo um ambiente seco e inflamável. O monocultivo também esvazia as áreas rurais de suas comunidades, que são as primeiras a combater os incêndios e a limitar a propagação do fogo.

Coerência política

Diante desse cenário, solicitamos ao governo coerência em suas políticas. Reconhecemos o trabalho heroico dos produtores, bombeiros, brigadistas e de todos os aliados da sociedade civil que, incansavelmente, enfrentam os incêndios e fazem tudo o que está ao seu alcance para contê-los.

No entanto, uma análise superficial pode levar à falsa impressão de que políticas focadas apenas em respostas emergenciais seriam suficientes. A verdade é que um aumento nos investimentos em atividades de emergência não resolverá a raiz do problema. A monocultura da cana-de-açúcar é o verdadeiro combustível que alimenta esses incêndios. A solução para a crise ambiental reside no enfrentamento deste modelo produtivo predatório que ameaça a vida em todas as suas formas.

Apelamos aos produtores rurais para que adotem práticas mais sustentáveis e menos prejudiciais ao meio ambiente.

Não questionamos a decisão dos produtores de cana-de-açúcar, mas sim o modelo de agronegócio que impõe o monocultivo como a única opção de renda.

Biodiversidade

É urgente valorizar a biodiversidade, o trabalho da agricultura familiar e a cooperação agrícola, promovendo o aumento da produtividade com o uso de insumos biológicos. É nosso dever agir para garantir que nossas terras permaneçam férteis, saudáveis e, acima de tudo, habitáveis.

Apelamos à sociedade como um todo para reconhecer a gravidade da situação. O que é mais trágico é que não se trata de um evento isolado; a estação de queimadas retornará no próximo ano.

Por fim, declaramos que nenhuma justificativa será suficiente para sustentar esse modelo de agronegócio baseado na monocultura. Não aceitaremos esse projeto produtivo de morte como única opção para o Estado de São Paulo.

Nos últimos anos, nós, produtores orgânicos, agroecológicos, consumidores conscientes e ambientalistas, não medimos esforços para construir outro modelo de vida e convidamos a todos a conhecer nosso trabalho e somar-se a esse movimento.

Atenciosamente,

Cooperativa das Agricultoras e Agricultores Orgânicos de Claraval e região(COORGANICA), Rede de Agroecologia da Alta Mogiana RAAM, Fazenda Santa Cecilia, Patrocínio Paulista e Núcleo Agrário Terra e Raiz ( NATRA) da UNESP de Franca.


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