A misteriosa água-viva de 2cm que os cientistas acreditam que seja imortal

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 12 de fevereiro de 2018 às 20:44
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:34
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Depois de milhões de anos de evolução, animal teria conquistado poder de regeneração impressionante

O ser humano sempre desejou a
imortalidade, buscando a fonte da juventude, o elixir da vida eterna. Também
povoou suas mitologias, religiões e histórias com seres, deuses e heróis que
nunca morrem. Mas, na vida real, quem conseguiu esse feito foi uma pequena
água-viva de não mais do que dois centímetros de diâmetro.

Depois
de milhões de anos de evolução, esse bicho conquistou um poder de regeneração
fantástico e não morre de causas naturais – só quando atacado por predadores.
Por isso, em tese, pode viver para sempre.

Batizada
de Turritopsis nutricula,
é uma das cerca de 4 mil espécies de águas-vivas conhecidas no planeta. Foi
descoberta em 1843 pelo zoólogo francês René-Primevère Lesson. Mas só mais
recentemente sua capacidade de viver para sempre foi reconhecida.

Há duas versões sobre o achado
dessa característica inusitada. De acordo com uma delas, a imortalidade da
Turritopsis nutricula foi encontrada por acaso, em 1988, pelo então estudante
alemão de biologia marinha Christian Sommer.

Ele
passava férias de verão na Riviera Italiana, no Mar Mediterrâneo, e aproveitava
para coletar espécies de hidrozoários para uma pesquisa. Nessa empreitada,
acabou capturando a pequena e intrigante água-viva.

Sommer
levou o animal para o laboratório e o observou por vários dias. Ficou espantado
com o que viu. O animal simplesmente não morria. Pelo contrário, parecia que
estava seguindo caminho inverso do envelhecimento e da morte, tornando-se cada
vez mais “jovem”.

A água-viva chegou até a
regredir a sua primeira fase de desenvolvimento, reiniciando seu ciclo de vida
novamente. E assim continuou sucessivamente, envelhecendo e rejuvenescendo, para
voltar a envelhecer e rejuvenescer.

A
outra versão diz que a descoberta da imortalidade da Turritopsis nutricula foi
feita pelo pesquisador japonês Shin Kubota, hoje um dos maiores especialistas
do mundo nesse animal.

Kubota
descobriu o poder de rejuvenescimento ou regeneração dessa água-viva quando
encontrou, no mar do sul do seu país, uma delas cheia de espinhos em seu corpo.

Ao arrancá-los, percebeu que as feridas se
curavam. e o bicho rejuvenescia. Entre 2009 e 2011, o pesquisador repetiu a
experiência 12 vezes, ferindo as águas-vivas. Em todas elas, aconteceu a mesma
coisa: elas se regeneravam e voltavam ao estágio inicial do seu ciclo de vida.

De acordo com o professor de
zoologia Antonio Carlos Marques, do Instituto de Biociências da Universidade de
São Paulo (USP), a Turritopsis nutricula é imortal “no sentido de que seus
tecidos rejuvenescem e fases de vida regridem, no melhor estilo Benjamin
Button”, diz.

Marques se refere ao filme O curioso caso de
Benjamin Button, de 2008, no qual o personagem principal, interpretado pelo
ator Brad Pitt, nasce com aparência de idoso e vai ficando cada vez mais jovem
à medida que o tempo passa.

Essa capacidade de se regenerar continuamente não
significa que a água-viva nunca morra. O animal pode ser comido por um
predador, por exemplo. “É algo como os highlanders: são imortais até que
sua cabeça seja cortada”, compara Marques, agora em referência a outro
filme, Highlander – O guerreiro imortal, de 1986.

O pesquisador Sérgio Stampar,
do Laboratório de Evolução e Diversidade Aquática do campus de Assis da
Universidade Estadual Paulista (Unesp) explica que essa espécie de água-viva
tem a capacidade de passar por um processo de reestruturação de tecidos (um
tipo de regeneração) e voltar ao estágio inicial de vida, mesmo depois de
atingir a maturidade sexual. “Fazendo
uma analogia, seria como se nós adultos pudéssemos voltar ao estágio de
bebê”, explica.

Em tese, esse processo de
regeneração da água-viva poderia acontecer para sempre.

Para entender o processo
contínuo de regeneração da Turritopsis nutricula é preciso conhecer um pouco do
ciclo de vida os hidrozoários – a classe animal a que essa água-viva pertence.

Tudo começa com um ovo fecundado, do qual eclode
uma larva minúscula e ciliada. Essa larva se fixa num substrato no mar – algo
sólido, como uma rocha ou o casco de um navio naufragado. Em seguida, se
transforma em um pólipo, que é sua segunda fase de desenvolvimento.

Desse pólipo brotam medusas (águas-vivas)
nadadoras, machos ou fêmeas. Essa é a fase adulta dos hidrozoários. Nesse
período de vida, eles produzem gametas, ou seja, óvulos ou espermatozoides –
dependo do sexo do animal – que são liberados no mar, onde ocorre a fecundação.
Os gametas fecundados formam um ovo e tudo recomeça.

Já com a Turritopsis
nutricula, o processo é um pouco diferente. Depois de liberar seus gametas, ela
retorna a sua forma juvenil. “O ciclo dela pode ser invertido”,
explica Marques. “Depois de ir a pólipo a medusa, vai de medusa a pólipo.”

Ainda não se entende direito como a Turritopsis
nutricula consegue realizar essa mágica. O que se sabe é que a capacidade da
criatura rejuvenescer envolve um processo conhecido como transdiferenciação
celular, ou seja, a transformação de um tipo de célula em outro, como ocorre
com as células-tronco humanas.

Isso significa que as células adultas dessa
água-viva, já especializadas em determinada função, são capazes de voltar a ser
células-tronco, que, por sua vez, podem se transformar em qualquer outra.

Originária do Caribe, hoje a
Turritopsis nutricula é encontrada em mares de praticamente todo o mundo –
acredita-se que tenha sido transportada pela água de lastro de navios. Não há
risco de vir a se transformar em uma praga: nas fases iniciais de seu ciclo de
vida, essa água-viva é bastante vulnerável e alvo de muitos predadores.

Mas o que o ser humano tem a aprender ou que
benefício pode obter da imortalidade da Turritopsis nutricula? Por enquanto,
nada, mas talvez no futuro. “O
mecanismo talvez possa ser repetido em outros organismos, quem sabe até nos
seres humanos, mas demanda um profundo conhecimento genético/molecular que
ainda não temos”, diz Stampar. “Ainda estamos muito distantes de
conseguirmos aplicar isso em qualquer outro sistema biológico, pois não
entendemos totalmente o processo nas águas-vivas, especialmente a parte
molecular.”

Marques tem opinião
semelhante. Segundo ele, processos genéticos únicos e inesperados como o
apresentado pela Turritopsis nutricula são de interesse do conhecimento do ser
humano. “Terapias e reconstruções
gênicas, indução à regeneração e diferenciação de tecidos são áreas que estão
nos foco do conhecimento biológico atual”, afirma. “Então,
potencialmente, um fenômeno desses, se compreendido e reproduzido geneticamente,
daria possibilidade de regeneração de tecidos e eventualmente órgãos, o que é
impossível hoje.”


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