A cada 10 brasileiros, 8 tomam remédios por conta própria, diz pesquisa

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 26 de outubro de 2018 às 22:09
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 19:07
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Fácil acesso seria uma das razões para o uso indiscriminado de medicamentos no país

A automedicação
é praticada por 79% dos brasileiros com mais de 16 anos. É o que revela
pesquisa do ICTQ (instituto de pós-graduação para profissionais do mercado
farmacêutico), feita em setembro deste ano, em 129 municípios das cinco regiões
do país.

Para o cardiologista Marcos Vinícius
Gaz, do Hospital Israelita Albert Einstein, o fácil acesso é uma das razões
para o uso indiscriminado de remédios no Brasil.

O índice de quem admite tomar remédio
sem prescrição médica chega a 91% na faixa etária de 25 a 34 anos. Foram
ouvidas 2.126 pessoas, e a margem de erro do levantamento é de dois pontos. “Qualquer pessoa pode comprar um
analgésico no balcão da farmácia como se fosse um chiclete. Muitas vezes, até
sem a orientação do farmacêutico”, afirma o médico.

“Todo mundo sempre tem um
remédio para indicar quando você reclama de dor. Me indicavam, eu tomava, mas a
dor voltava”, conta Ana Silmara Azevedo, 44. Diagnosticada com hérnia de
disco, a auxiliar administrativa chegou a procurar o pronto-socorro em
intervalos de 20 dias com dor intensa, antes de receber o tratamento correto.

Ana Silmara descobriu que havia
desenvolvido a síndrome dolorosa miofascial, problema muscular relacionado à
hérnia de disco. O problema na coluna foi corrigido com cirurgia, e hoje ela
toma o remédio prescrito pelo médico para os sintomas neurológicos da doença.

O risco da automedicação é conhecido
pelas pessoas. Uma pesquisa feita no ano passado com 416 pessoas que se
automedicavam quando sentiam dor mostrou que 90% delas sabiam que isso é perigoso.
O estudo é da Faculdade de Medicina da Unesp (Universidade Estadual Paulista),
em Botucatu (interior de SP).

Indicações da bula, experiências
anteriores com o remédio e opiniões de amigos e familiares foram motivos mais
apontados pelos participantes da pesquisa para escolher o remédio, segundo o
professor Guilherme de Barros, chefe do Departamento de Anestesiologia da
faculdade.

“Só é aceitável tomar um
medicamento por conta própria quando previamente orientado pelo médico, que já
examinou, identificou a doença, conhece a pessoa e deixou a orientações para a
situação específica”, afirma Gaz.

Diferentemente dos analgésicos de
venda livre nas farmácias, os anti-inflamatórios devem ser vendidos com a
apresentação de receita médica. Na prática, porém, a regra não costuma ser
cumprida.

O uso contínuo desses medicamentos
apresenta riscos maiores do que os analgésicos simples, segundo Hazem Adel
Ashmawi, anestesiologista membro da Sociedade Brasileira para Estudo da Dor.

O especialista explica que os
remédios anti-inflamatórios trazem grande melhora da dor, o que motiva o
paciente a continuar recorrendo a eles. A pessoa, no entanto, não identifica o
perigo, já que as complicações não aparecem imediatamente.

A maioria dos anti-inflamatórios age
inibindo a produção de uma enzima responsável pela produção da substância que
causa a inflamação e a dor. O problema é que o medicamento também inibe a
enzima que controla, entre outras funções, o fluxo sanguíneo dos rins e a
produção de muco gástrico.

Por isso, o uso indiscriminado de
anti-inflamatórios provoca frequentemente úlceras no estômago e lesões renais,
afirma o anestesiologista.

Outros riscos da automedicação são a
interação medicamentosa, que precisa ser avaliada por profissionais, e as
alergias, já que vários medicamentos são combinações de princípios ativos e
podem esconder em suas fórmulas compostos aos quais o paciente é sensível.

Na opinião de Marcos Gaz, o maior
perigo é camuflar sintomas de algo mais grave. A dor melhora, a pessoa fica
tranquila, e o problema vira uma bola de neve.

Responsável pelo tratamento de Ana
Silmara, Marcos Pai, médico do Grupo de Dor do Hospital das Clínicas da USP,
afirma que a automedicação prolongada escondeu o problema muscular dela, que é
difícil de ser tratado.

Ter profissionais de saúde cada vez
mais perto do paciente pode ser a solução, aponta Gaz. Artifícios como a
telemedicina (que possibilita atendimento médico online ou por telefone) e
clínicas de atendimento rápido são exemplos de alternativas, mais seguras e
práticas, à automedicação.


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