Desde março, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou situação de pandemia pelo coronavírus, empresas de todos os segmentos precisaram adaptar suas dinâmicas de trabalho às medidas de isolamento social recomendadas pelas autoridades.
Com isso, os olhares se voltaram para o trabalho remoto, que ainda não era uma realidade para 51% das empresas em funcionamento no Brasil.
Agora, após o choque inicial, 80% dos gestores dizem que gostaram da nova maneira de trabalhar, de acordo com uma pesquisa realizada pelo ISE Business School a que o Estadão teve acesso com exclusividade.
“O futuro do trabalho é agora. Mudanças que aconteceriam daqui a cinco, dez anos, já estão acontecendo”, diz Cesar Bullara, diretor e professor do departamento de gestão de pessoas do ISE.
Segundo ele, a partir de agora, o mundo corporativo vai se adequar a essa nova realidade, que veio para ficar.
Das empresas que ainda não adotavam o home office, 65% são familiares e brasileiras. As outros 35% são multinacionais.
Amélia Caetano, consultora especializada em trabalho remoto no Instituto Trabalho Portátil, diz que as multinacionais já estavam mais bem preparadas, principalmente do ponto de vista tecnológico, e as empresas nacionais tinham investido pouco nesse sentido.
Para ela, eventos inesperados, como a chegada do novo coronavírus, têm essa capacidade de “antecipar” o futuro.
A pesquisa também aponta que quase 90% dos gestores afirmam que o trabalho remoto os levou a valorizar e fortalecer os laços com a família. Adriana Santana é diretora de Recursos Humanos da Elanco Brasil e Cone Sul, empresa de saúde e nutrição animal.
Casada e com dois filhos, de 9 e 10 anos, o período de isolamento social tem sido de constante adaptação. “Já trabalhávamos de forma mais flexível na empresa, mas esse é um desafio, porque agora os quatro estão em casa”, disse ela.
Segundo Adriana, foi necessário adequar a agenda da empresa à dinâmica da família: “Foi difícil, mas bloqueei algumas horas do dia para reservar momentos com eles. Para meus filhos, foi confuso de repente ter os pais em casa e, ao mesmo tempo, não ter a nossa atenção total.”
A rotina melhorou depois que os filhos passaram a ter aulas online e se acostumaram com a nova forma de estudar: “É realmente um processo de adaptação.”
Esse processo deve continuar até o retorno ao trabalho presencial. “Estávamos comentando com meu filho sobre um futuro retorno e ele falou: prefiro você aqui o dia todo em reunião do que no escritório, porque pelo menos aqui eu te vejo”.
No trabalho, uma das maiores preocupações de Adriana como gestora é entender as necessidades de cada um dos funcionários e, assim, procurar ajustar a dinâmica de trabalho:
“Tivemos que mudar, por exemplo, o horário de algumas reuniões para que os colaboradores que têm filhos possam dar a assistência que eles precisam em determinado momento”.
Competências
Segundo os dados do ISE Business School, a flexibilidade foi apontada como uma das competências mais desenvolvidas neste período, citada por 81% dos entrevistados.
A habilidade só fica atrás da resiliência, a capacidade de superar dificuldades, mencionada por 82% dos gestores.
Outras competências destacadas pela pesquisa foram autodisciplina e confiança mútua, que é a construção de relações interpessoais confiáveis e francas com o chefe e outros membros de uma equipe.
Para o professor Cesar Bullara, a situação pode fazer com que a relação entre gestores e colaboradores suba para outro patamar: “Se ainda era essencial para algumas pessoas essa questão do comando e controle, em que a presença física era sinônimo de produtividade, isso mudou”.
A especialista em trabalho remoto Amélia Caetano diz que os gestores precisam se preparar para acompanhar as tarefas e entregas, não o tempo que o funcionário passa trabalhando: “Muitos líderes se viram nessa nova situação e estão vendo que funciona”.
Renato Camargo, responsável pela operação da fintech RecargaPay no Brasil diz que “o momento não é de oportunidade, e sim de sensibilidade”.
Mesmo que a empresa já tenha nascido digital e que a flexibilidade do trabalho remoto e presencial já fizessem parte do cotidiano, para ele “é tudo um processo muito novo. O distanciamento e o fato de não ter os colaboradores perto não é fácil”.
Ele conta que o sentimento de insegurança e as dúvidas que as pessoas têm neste momento sobre o futuro – não só relacionadas ao trabalho, mas à própria saúde e à de familiares – exige uma postura diferente dos líderes.
“É preciso cuidar mais da gestão do comportamento e da saúde mental dos colaboradores. Deixar que eles tragam o resultado, se preocupar menos com as metas e mais com a saúde deles.”
Produtividade De acordo com a pesquisa do ISE, o home office ajudou a melhorar a eficiência e a produtividade de cerca de 60% dos entrevistados.
Ainda que os dados já sejam positivos neste primeiro momento do isolamento social, Amélia Caetano diz que não estamos na melhor fase da produtividade, uma vez que a imprevisibilidade da pandemia traz angústia e dificuldade emocional.
Esses fatores foram apontados como altos e muito altos por 20% dos entrevistados do ISE. Segundo Adriana Santana, diretora de RH, “existe uma preocupação com as pessoas que estão sozinhas, que podem trabalhar muito, o que não é correto. É preciso encontrar um equilíbrio”.
Isso é o que Camargo, da RecargaPay, também tem procurado: “Agora tenho horário para abrir e fechar o computador e peço para que a minha equipe também siga isso. Em casa, a tendência é ir ficando, ficando, trabalhando mais. As pessoas não podem fazer isso. E o exemplo vem da liderança”.
Sobre a adesão ao trabalho remoto pelos gestores pós-pandemia, Natália de Castro, professora de Gestão de Pessoas, Contabilidade e Controle e Responsabilidade Social do ISE, diz que essa circunstância vivida vai mudar e reconfigurar essa modalidade de trabalho.
“Ao interpretar esses dados, temos que ter em mente que é uma realidade que ainda está acontecendo, não é algo que já passamos e estamos vendo o pós. Estamos vislumbrando um pouco do futuro”, finalizou.