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Aproximadamente 50% dos adultos portadores de depressão relataram início dos sintomas antes dos 18 anos
Uma estimativa da
Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta que pelo menos 30% da população
mundial sofrerá algum episódio de depressão ao longo da vida.
E embora esse tipo
de doença seja habitualmente diagnosticada na vida adulta, estudos apontam que
aproximadamente 50% dos adultos portadores de depressão relataram início dos
sintomas antes dos 18 anos.
A depressão é uma
doença com diagnóstico psiquiátrico que pode ser desencadeada tanto pela carga
genética quanto pelo ambiente onde a pessoa está inserida. Não há consenso
sobre qual deles seria predominante.
“Cada criança manifesta
sua carga genética predisposta de um jeito. Ela pode ser muito sensível com uma
carga genética grande e o mínimo de estímulo negativo pode precipitar o início
de um sintoma, seja uma crise de ansiedade ou uma fobia”, afirma a
psiquiatra Lee Fu, especialista em crianças e adolescentes e autora de três
livros sobre o tema.
Um quadro depressivo, entretanto, só
pode ser constatado quando há um sentimento de tristeza contínuo, sem motivo
aparente, por pelo menos 15 dias.
O diagnóstico depende da avaliação do
histórico de doenças psiquiátricas da família, e ainda não há exames clínicos,
como os de sangue ou ressonância magnética, capazes de identificar o
transtorno.
Responsável pelo Programa de
Transtornos Afetivos na Infância e na Adolescência do Hospital das Clínicas da
Universidade de São Paulo (USP), Lee explica que os adolescentes são um público
vulnerável porque ainda estão adquirindo “alternativas para lidar com a
vida e, obviamente, têm mais frustrações”.
Por isso, segundo ela, o que acontece
na escola tem importância na vida do jovem e não pode ser negligenciado. “Quando
eles chegam ao consultório, o que trazem é sempre a ponta do iceberg. Os pais
falam: meu filho é muito tímido, caseiro, não vai para festas, só fica em casa
jogando videogame. Podem estar acontecendo coisas horrorosas, como um abuso, ou
ainda, ser o temperamento do jovem”, diz Lee.
Mas quais são os sinais que podem
ajudar a identificar a doença?
Queda no rendimento escolar
Quando se tratam de
crianças e adolescentes, os quadros depressivos, fatalmente, desembocam na
queda do rendimento escolar, porque um dos sintomas é a alteração da forma e da
velocidade do raciocínio, segundo Lee Fu.
Também é comum que
estes alunos passem a faltar mais nas aulas. “A criança diz que presta
atenção, mas não consegue lembrar de tudo que estudou. Podem ser alunos que antes
tinham notas boas, mas agora a cabeça não funciona. Esse tipo de situação faz
parte dos sintomas depressivos”, afirma Lee.
A mudança no boletim
escolar costuma ser o grande sinal de alerta aos pais. A psiquiatra diz que não
é possível generalizar e afirmar que a escola não olha para este tipo de problema,
mas ela reconhece que tanto a rede pública quanto a privada não conseguem dar
conta de todas as questões inerentes à infância e à adolescência. “A
escola pública talvez pegue metade dos casos, pois tem menos recursos, menos
professores, mas há educadores bons. Uns que até pecam por excesso.”
Trocar de escola nem
sempre resolve o problema. “Às vezes, a criança ou adolescente precisa
mudar o ambiente, pois não dá tempo de a escola resolver o problema, como
fobia, insegurança e ansiedade. Mas depende de caso a caso.”
Mudança de comportamento
Um quadro depressivo
nem sempre está ligado a melancolia, tristeza e introspecção. Comportamentos
como mau humor em excesso, irritação ou até aumento de apetite e sono podem
também ser sintomas da depressão.
“As mudanças de
hábitos às vezes são percebidas pelas escolas quando o adolescente passa a
ficar mais quieto ou isolado. Algumas escolas têm essa atenção”, diz Lee
Fu.
Além da queda do
rendimento escolar, outros sintomas da depressão são alteração de humor, apatia,
choro em excesso. O adolescente também pode ficar mais rabugento e se queixar
de não saber o que fazer.
Mudança de peso,
alterações de sono (como demorar mais para conseguir dormir e ter mais
pesadelos) e baixa autoestima também podem ser sinais. Outro indício
característico é a perda da capacidade de sentir prazer em coisas que antes
eram prazerosas.
Ideias suicidas
Dados da OMS mostram
que o suicídio representa 1,4% de todas as mortes em todo o mundo, tornando-se
em 2012, a 15ª causa de mortalidade na população em geral. Entre os jovens de
15 a 29 anos, é a segunda principal causa de morte, só perde para causas externas
como homicídios e acidentes climáticos.
Nem todos os casos
de suicídio, entretanto, estão ligados à depressão. O que se pode estimar, de
acordo com psiquiatra Arthur Danila, do Instituto de Psiquiatria do Hospital
das Clínicas da USP, é que a depressão não tratada aumenta as chances de a
pessoa pensar em suicídio.
Nos casos mais
graves, os adolescentes deprimidos podem falar ou pensar sobre a morte. “A
falta de esperança que é muito encontrada em pessoas deprimidas é um dos
fatores psicológicos mais correlacionados com a ideação suicida”, afirma
Danila.
Ausência de planos para o futuro
A falta de
comprometimento com o futuro, apatia, sentimento de medo e insegurança dos
adolescentes foram problemas que apareceram durante o trabalho de orientação
vocacional feito pela psicóloga Érica da Costa Garcia, do Espírito Santo.
Érica trabalha para
um aplicativo que oferece orientação vocacional por meio de vídeos, chamado
Kuau, voltado para alunos da rede pública de diversos Estados brasileiros. Embora
a função da plataforma seja ajudar os jovens a encontrar suas vocações e
agregar afinidades à escolha profissional, sintomas de depressão foram
identificados como motivos para que os jovens deixassem de acessar o
aplicativo.
“Temos meninos
de 15 anos que estão comprometidos com o futuro, e outros de 20 que não estão.
O que vimos é que, quando começávamos a tratar orientação profissional,
apareciam outras questões mais profundas e mais sérias. E se isso não for
tratado, a pessoa não consegue dar vazão a uma escolha profissional assertiva,
que reflita sua identidade”.
Segundo a psicóloga,
se o aluno tem uma questão emocional de base para ser resolvida, não é possível
avançar e trabalhar a orientação vocacional, por exemplo. “Não é possível
decidir a carreira, se o jovem não tem autonomia como um todo. A adolescência é
marcada por altos níveis de depressão e ansiedade. Trabalhar a saúde mental
ajuda o jovem não só a escolher a carreira”.
A partir desses
feedbacks, a Kuau passou a oferecer seminários e treinamentos para o que os
professores abordassem temas como depressão em sala de aula. “A escola tem
grande preocupação, mas não tem ferramenta para mapear e lidar com a
questão.”
Prazer somente no mundo virtual
Embora os jovens
tenham uma relação muito próxima com a internet, isso pode se tornar um
problema quando o mundo virtual vira sua única fonte de prazer.
“Quando o jovem
fica hiperconectado com o mundo virtual, e desconectado do mundo real, acaba
ficando sem experiência de vida, fica menos comprometido, um jovem frágil
emocionalmente. É um padrão para se ter um olhar mais cuidadoso”, explica
a psicóloga Érica da Costa Garcia.
Prevenção e tratamento
Para Lee Fu, a
depressão é como alergia. “Uma vez tendo, você sabe que vai ter, só não
sabe quando. Assim que começa a tratar, com terapia ou remédio, é uma
observação de um ano.”
Nem todos os casos
são medicamentosos. Quando há prescrição, precisa ser feita com muita cautela e
acompanhamento para ajuste da dose. Para os quadros depressivos leves, há a
indicação de psicoterapia, muitas vezes também para as famílias.
“Mas a
avaliação por psiquiatras pode ajudar muito a definir qual a melhor conduta em
cada caso. E, é claro, a identificação precoce dos sintomas e adequado
encaminhamento para atendimento por um profissional especializado”,
reforça Arthur Danila.
A prevenção ainda é
o melhor remédio. Para isso, lembra o médico, a prática de atividades físicas,
alimentação saudável, sono em quantidade e qualidade adequadas, e promoção de
relações de amizade e sociais construtivas e sólidas são boas contribuições.
“Tem horas que não
dá para mostrar que o mundo é colorido aos jovens porque eles não entendem. O
que dá para fazer é ficar do lado”, diz Lee Fu.