Bancas de pesponto mantêm 200 anos de tradição em Franca mesmo com baixa valorização

  • Rosana Ribeiro
  • Publicado em 28 de novembro de 2024 às 08:30
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Essenciais para a costura dos sapatos, elas resistem ao tempo com o impulso de famílias que dependem da atividade como fonte de renda

Bancas de pesponto mantêm viva a tradição econômica de Franca – foto Aurélio Sal/EPTV

 

“Só a cola não segura. Passa a cola pra unir as peças e o pesponto é pra não desmanchar.” Na explicação prática de José Rubens de Lima Martins, a atividade que ele exerce nada mais é que uma aplicação da costura, mas no manuseio do couro.

Para a história econômica e social de Franca, a tarefa manual do pespontador é a base de uma tradição bicentenária do calçado, que ainda resiste ao tempo, mesmo com as novas tecnologias e diante de uma baixa valorização na cadeia produtiva.

Em 200 anos de história, Franca consolidou-se como a capital nacional do calçado masculino, um setor que surgiu graças a uma combinação de fatores como a habilidade artesanal de imigrantes italianos e a crise do café, com a quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, em meio a momentos de auge e queda, como a expansão das exportações, nos anos 1970, e a baixa nas vendas internacionais diante da concorrência com o mercado asiático.

Mesmo longe dos números que alcançou em décadas passadas, o sapato ainda é o carro-chefe da economia local e emprega milhares de pessoas – 14 mil apenas nas indústrias – com uma produção acumulada de mais de 30 milhões de pares entre janeiro e outubro de 2024 e um faturamento de US$ 42 milhões [R$ 245 milhões] somente com exportações.

E ainda que as inovações tecnológicas tenham otimizado muitos processos, da concepção ao embalo do sapato, as indústrias ainda dependem, em grande parte, do trabalho manual de pessoas como o José Rubens, que desempenha, como terceirizado, a função de costurar os sapatos.

Banca de pesponto de José Rubens Martins em Franca – foto Aurélio Sal/EPTV

 

No pesponto, todas as peças que formam o “cabedal” – a parte de cima do sapato – são reunidas de maneira artesanal após o corte do couro. Somente depois disso, elas voltam para a fábrica para serem encaixadas na sola e embaladas.

Uma tarefa que demanda não só habilidade com as mãos, como também paciência e tempo, já que o ganho é de acordo com o número de calçados finalizados.

Segundo a Associação das Bancas de Pesponto de Franca e Região, o preço médio pago por par nas bancas da cidade oscila entre R$ 8 e R$ 13.

“Precisava ser mais valorizado, porque hoje pra gente poder manter as coladeiras todas registradas o custo é alto. (…) O custo do sapato teria que ser mais alto, mas a gente também entende que está difícil o mercado para estar vendendo”, lamenta.

A atividade foi a opção encontrada como sustento desde que ele e a família deixaram Minas Gerais há 30 anos em busca de melhores oportunidades de trabalho.

“Aprendi em Franca mesmo através de dois irmãos meus que pagaram o curso. Eles aprenderam, depois eles começaram e eu comecei com eles.”

Assim como ele, 7 mil pessoas espalhadas por cerca de 2,5 mil bancas atuam com o pesponto, passando o ofício de pai para filho, de irmão para irmão, de tio para sobrinho. “Você nasce, cresce, o pai está trabalhando, inclusive eu tenho meu menino que começou comigo e hoje trabalha igual.”

Nos últimos anos, em consequência da forte concorrência estrangeira e dos desafios enfrentados pelas fábricas, ele também percebeu uma baixa na remuneração do serviço do pesponto.

“Aqui na minha banca eu trabalho das seis [da manhã] às sete da noite, pra você conseguir tirar um pouco mais. Você tá em casa, não tem um registro, um seguro-desemprego, décimo terceiro, não tem férias, é onde a gente puxa mais, é mais marido e mulher, um filho, um tio, uma tia, que esta ali por perto e junto trabalha.”

Mas é justamente pelo legado que ele deixa e por encontrar no pesponto a sua fonte de renda que, apesar de todas as dificuldades e limitações financeiras, o trabalho ainda hoje é objeto de orgulho.

“É cansativo, mas não tem o que reclamar, é o que garantiu meu sustento, alguma coisa que a gente adquiriu.”
Em um cenário ideal, José Rubens vislumbra um calçado mais valorizado para que toda a cadeia produtiva sinta os mesmos efeitos.

“Primeiro lugar tinha que melhorar para os fabricantes, pra eles poderem ter condições de ajudar mais as bancas, que terceirizam o serviço, isso em primeiro lugar, e hoje o custo fica muito alto, a gente busca, leva por conta da gente, linha, agulha, energia, tudo sai do bolso da gente, do custo em cima do sapato, do preço que eles pagam.”

*Informações G1


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