Será que você é perfeccionista? Saiba quais são os sinais e como isso afeta sua vida

  • Rosana Ribeiro
  • Publicado em 31 de março de 2024 às 21:00
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Embora muitas vezes seja incluído como característica positiva da personalidade, o perfeccionismo pode manifestar sua faceta nociva

Embora muitas vezes possa ser visto com algo positivo, perfeccionismo tem seu viés negativo – foto Freepik

 

O que vem à sua mente quando pensa em um perfeccionista? Você pode lembrar de figuras exemplares como aquele aluno disciplinado nota 10, um profissional metódico e pontual de alto desempenho ou alguém que mantém todos os cantos da casa incrivelmente limpos.

Embora muitas vezes seja incluído como característica positiva da personalidade (especialmente em entrevistas de emprego), o perfeccionismo pode manifestar sua faceta nociva.

Quando seus padrões são elevados e rígidos e a autocrítica é feroz, a vida se torna cansativa, os projetos não saem do papel e a insatisfação é recorrente, minando a autoestima.

Ansiedade, depressão e outros problemas da saúde mental podem decorrer dessa espiral de descontentamento.

A analista Jéssica Neves Rodrigues, de 33 anos, reconheceu há pouco tempo que o perfeccionismo atrapalha a sua vida.

Quando escreve um bilhete à mão, por exemplo, costuma refazê-lo algumas vezes até que aprove a sua caligrafia. “Isso é exaustivo. Eu me cobro muito e tenho dificuldade em delegar funções porque sempre acho que faço melhor”, diz.

“Comecei a enxergar meu perfeccionismo como defeito, não como qualidade. Quando senti ansiedade diante das tarefas que eu adiava e não terminava. Isso me dava sensação de impotência que baixava a minha autoestima”, conta ela que, com o apoio de uma psicóloga, aprendeu a se cobrar menos.

Na psicologia, é mais comum encontrar pesquisas sobre impactos negativos do perfeccionismo, mas há estudos que distinguem o perfeccionismo “adaptativo”, com efeitos positivos na vida da pessoa que sai da zona de conforto para buscar a evolução, e o “mal adaptativo”, que leva a pessoa a focar no erro, já que considera que não deveria errar, explica a neuropsicóloga clínica Priscila Covre.

No seu consultório, ela recebe muitos pacientes que têm padrões de comportamento perfeccionistas, mas que não se percebem assim – e nem fazem a correlação entre essa característica e os impactos negativos em suas vidas.

“O perfeccionismo pode atrapalhar a vida quando a pessoa estabelece metas e padrões altos, pouco realistas e inflexíveis. Ela pode perder um tempo grande tentando alcançar esse padrão, sem coragem de dar um passo para trás, e ficar isolado”, diz a psicóloga.

Outro padrão nocivo é focar demais nos erros e só aceitar a “nota 10”, sem reconhecer pequenos avanços. “Quando consegue algo, ele desvaloriza.

Se não consegue, faz autocrítica pesada. Ou nem começa a fazer por medo de errar, o que faz dele um procrastinador, que adia as suas tarefas”, diz.

Meritocracia, perfeccionismo e síndrome do impostor

A psicóloga Priscila percebe que o perfeccionismo tem se tornado mais comum. “Os padrões culturais reforçam a meritocracia do valor próprio, que constrói uma autoestima baseada em desempenho: para eu merecer ser amado e ter valor como ser humano, preciso me esforçar, conquistar.”

Uma pesquisa da American Psychological Association identificou o aumento do perfeccionismo entre universitários, causado por altas expectativas e críticas dos pais, com possíveis impactos na saúde mental dos jovens.

No estudo, com universitários nos Estados Unidos, Canadá e Reino Unido, foi identificada alta de 40% de percepção dos jovens em relação à expectativa dos pais entre 1989 e 2021.

“Se a criança tiver um perfeccionismo desadaptativo, a sensação de nunca satisfazer os padrões elevados almejados internamente, combinado com a expectativa de seus pais, pode comprometer a saúde psicológica com estresse, ansiedade e até mesmo depressão”, afirma a psicóloga Ana Karla Silva Soares, professora de Psicologia na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS).

Ana Karla coordena o Núcleo de Pesquisa em Psicometria e Psicologia Social (NPPS), onde o perfeccionismo é um dos temas mais estudados.

Nas pesquisas do NPPS, os resultados demonstraram que o perfeccionismo está associado a outras variáveis psicológicas como autoestima, procrastinação e síndrome do impostor – sentimento de que é uma fraude e que o sucesso não se deve a nossa habilidade, mas sim a fatores externos como sorte.

Apesar de ter conquistado diversos títulos acadêmicos, a sensação de ser boa o suficiente não chegou para a historiadora Mariana Sarkis Olson, de 33 anos.

“Tenho dificuldade em comemorar minhas conquistas”, afirma. Desde que estava no ensino fundamental, ela tem vergonha de não entregar algo perfeito, o que traz ansiedade, frustração e insegurança.

“Vivi em constante sensação de estar paralisada, pois a meta sempre foi tão alta que torno a execução sofrida ou impossível. Daí vem a ‘senhora procrastinação’ para me assombrar”, afirma.

Por isso, Mariana parou de escrever poesia, as aulas de pintura e se esqueceu do quanto amava fazer teatro.

Ela acredita que o perfeccionismo tenha raízes na infância. “Eu ouvia que tirar nota 10 não era mais do que minha obrigação e que se não fosse para fazer direito, era melhor nem fazer.”

Mas Mariana procurou ajuda: se esforça para evitar impactos negativos do perfeccionismo com ajuda da psicoterapia há três anos. “Estou aprendendo a reconhecer gatilhos, as vozes internas que me travam. Preciso me comparar menos e agir mais.”

Diante de uma atividade, aprendeu a “quebrar em pedacinhos” para quebrar o medo e realizar seus projetos e planos aos poucos.

Feito é melhor que perfeito

Ela aprendeu a técnica com a designer de moda Lígia Baleeiro, de 38 anos, criadora do Jogo da Execução.

Ligia organiza grupos de pessoas que se sentem travadas pelo próprio perfeccionismo e propõe missões simples com prazo curto de entrega, como estratégia para que enfrentem o sentimento de desconforto de não fazer a tarefa de forma perfeita. “Ao final das missões, elas retomam a confiança de executar seus projetos”, observa.

Lígia afirma que sempre se cobrou excessivamente e não conseguia começar ou sustentar seus projetos, mas não percebia que era perfeccionista.

Quando saiu da faculdade de Moda, abriu um brechó online com amigas, que não vingou. “Não deu certo porque eu ficava refazendo o trabalho das pessoas e achava que nunca estava bom. O negócio era visionário, mas acabou.”

Na busca por entendimento de suas dificuldades, ela leu diversos livros, inclusive Coragem de ser Imperfeito, de Brené Brown, que trouxe a luz.

“Percebi que deixava de fazer as coisas por medo de ser rejeitada. Você não entrega as coisas por medo de dar errado e vai perdendo a confiança e seu brilho. Eu cheguei a me ver incapaz, num buraco, sem forças para dar a volta por cima”.

“É um padrão de pensamento que não sou só eu que tenho, pois vivemos em uma sociedade que fala das conquistas, mas não do processo”, conta.

Lígia resolveu cursar uma especialização em comportamento humano e neurociência e passou a se dedicar profissionalmente a ajudar aqueles que se sentem “travados” pelo perfeccionismo.

Em um movimento semelhante ao de Lígia, o designer gráfico Tiago Henriques, de 33 anos, notou que tinha dificuldade de colocar em prática as suas ideias de projetos.

Por anos, teve vontade de executá-los, mas não conseguia. “Notei que não tirava os projetos do papel por medo de que a ideia que estava perfeita na cabeça não ficasse tão legal assim. Era um mecanismo de proteção para não passar vergonha se desse errado.

“O perfeccionismo ia além do trabalho, atrapalhando até os compromissos sociais. Meu pensamento era binário: se não fosse perfeito, eu não ia fazer. Era difícil oferecer um jantar para os amigos, por exemplo, pois eu ficava pensando que a casa precisaria estar limpinha e a comida boa”, diz.

Em passos de formiga, ele resolveu enfrentar o perfeccionismo. “Comecei com um canal de humor, em que eu era anônimo. Com o tempo, ganhei coragem para fazer vídeos mais longos e a publicar conteúdo mais autoral”, diz Tiago.

Hoje ele mantém o projeto Tira do Papel, que ajuda pessoas a engrenar em seus projetos criativos no seu ritmo, com mais de 250 mil seguidores no Instagram e 17 mil assinantes no YouTube.

Também escreveu o livro Erra uma vez – Uma jornada visual sobre as nossas inseguranças criativas e a busca utópica pela perfeição, que oferece dicas de como lidar com obstáculos criativos comuns.

Perfeccionismo no mercado de trabalho e nos esportes

No mercado de trabalho, os perfeccionistas integram positivamente as equipes, contanto que entendam e valorizem a diversidade e sejam empáticos, afirma Lucas Toledo, diretor executivo do PageGroup, empresa de recrutamento e seleção.

“Se for uma pessoa organizada, que gosta de fazer tudo bem-feito, que gosta de seguir normas e procedimentos, vamos avaliar se ela tem flexibilidade para experimentar métodos novos, o que tem tudo a ver com inovação.”

Nos esportes, o perfeccionismo também pode ser benéfico, na visão da psicóloga Leticia Capuruço, especialista em Psicologia do Esporte.

“O esporte atrai e ao mesmo tempo forma perfeccionistas. É uma característica que, se usada de forma positiva nos atletas, faz com que eles se esforcem e melhorem seu desempenho”, diz.

Leticia recomenda a pais e técnicos de atletas que incentivem sempre a busca pela evolução, não a fixação pelo resultado final. “Aos atletas perfeccionistas, eu pergunto como foi o jogo, não quanto foi. É melhor que o técnico mostre soluções, em vez de apontar erros”, afirma.

O perfeccionismo atrapalha a sua vida? Faça o teste:

Abaixo, você encontra desdobramentos negativos do perfeccionismo. Caso se identifique com algum deles, permita ser mais flexível consigo mesmo e valorize pequenas conquistas, reconhecendo o caminho até a meta final.

– Você determina metas irreais ou indefinidas e nunca está satisfeito com suas conquistas. Para você, é tudo ou nada: como seu padrão é muito elevado, você não se contenta com pequenos avanços.

– Você é inflexível, rígido: se não for para fazer do seu jeito, “bem-feito”, você não aceita.

– Você tem um “carrasco interno” que está sempre focado nos seus erros e imperfeições. Sua autocrítica é impiedosa. Você vive se cobrando, dizendo a si próprio que “deveria” fazer algo para ser melhor.

– Você tem dificuldade de delegar tarefas, pois você só gosta do seu jeito de fazer as coisas. Seu relacionamento com outras pessoas – família, colegas e amigos – também é prejudicado por esse olhar crítico e exigente.

– Você procrastina as suas tarefas, pois só terá coragem de encará-las na última hora, com a pressão do prazo.

– Você não consegue tirar projetos do papel ou demora muito para fazê-lo, já que está sempre pensando nos mínimos detalhes.

-Você tem ficado ansioso e/ou desanimado por conta de uma ou mais situações citadas anteriormente.

*Informações Notícias ao Minuto


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