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Psicólogas explicam os sintomas do distúrbio, como é feito o tratamento e os perigos do autodiagnóstico sem ajuda profissional
Comportamento de autossabotagem atinge um grande número de pessoas – foto Arquivo
Aquele sentimento de não ser bom o suficiente, de que você não tem grandes conquistas ou de ser uma fraude no trabalho: estes são alguns indícios de que você talvez esteja se autossabotando em diversos aspectos da sua vida.
A autossabotagem é um dos sintomas de um distúrbio psicológico chamado síndrome da impostora. Esse comportamento acontece de forma consciente ou inconsciente e pode trazer enormes prejuízos para a pessoa.
Para explicar o diagnóstico, os riscos e o tratamento adequado, a psicóloga Bianca Mayumi, a psiquiatra Nina Ferreira falam sobre a síndrome.
O que é a síndrome da impostora?
Especialista em neurociências e neuropsicologia, Nina Ferreira explica que se trata de um “conjunto de atitudes, comportamentos, sentimentos, emoções e pensamentos”.
Essa pessoa costuma ter forte apego às chamadas crenças de desvalor, que “colocam em dúvida a sua própria capacidade, qualidades e mérito de conquistar coisas.”
O termo não possui CID (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde) e foi usado, pela primeira vez, em 1978, após uma pesquisa de duas psicólogas norte-americanas, Pauline Clance e Suzanne Imes, com 150 mulheres em cargos importantes.
Apesar de serem destaques em suas áreas profissionais, elas não se sentiam merecedoras do sucesso.
O termo cunhado no feminino não é por acaso: segundo um estudo de 2022 da empresa de auditoria KPMG, 75% das mulheres em cargos de executiva relataram ter sofrido a síndrome em alguns momentos da carreira.
Além disso, das 750 entrevistadas, 81% acreditam que colocam mais pressão sobre si mesmas para não falhar do que os homens.
A psiquiatra conta que o ambiente corporativo é o principal motor para desencadear a síndrome, apesar de alguns pacientes também apresentarem questões referentes a outros aspectos da vida.
“São menos comuns queixas sobre relacionamento amoroso, mas também pode acontecer de ter medo de perder o companheiro quando ele ‘conhecer a pessoa de verdade’, que é esse medo de exposição. Mas o mais comum é a insatisfação com o desempenho na vida profissional, a ansiedade de a qualquer momento ser descoberto, ser julgado ou punido.”
Principais sintomas
Bianca comenta que, assim como outros quadros psicológicos, cada um pode vivenciar ou desencadear esta síndrome de uma forma diferente, mas é possível identificar padrões de comportamento e analisar se o que está impedindo a pessoa de se arriscar em algo novo, de fato, traz consequências mais graves ou se é o lado sabotador soprando no ouvido e interferindo na sua felicidade e crescimento profissional, por exemplo.
Costuma duvidar das próprias qualidades
Não reconhece suas conquistas: “Costumam alegar que os resultados que obtêm são por sorte, por ajuda de terceiros ou por questões espirituais”, exemplifica a psiquiatra.
Apresenta uma autocrítica muito grande e constante
Tem comportamento autodepreciativo: valoriza mais as conquistas alheias do que as próprias
Faz esforço constante em ser perfeito o tempo todo
Tem receio de ser “desmascarado”, principalmente no trabalho: “Essa pessoa evita se expor, porque tem certeza de que, a qualquer momento, alguém vai descobrir que ela é uma ‘fraude'”.
Começa a procrastinar em tarefas que executava com facilidade: “Vale ficar atento à repetição desse comportamento, às críticas excessivas sobre si e ao medo paralisante de fracassar”, alerta Bianca.
Diagnóstico adequado
Mas antes de você sair fazendo um checklist destes indicadores, Nina alerta que não é tão simples assim de realizar o diagnóstico. Alguns sintomas podem se manifestar de forma semelhante e significarem coisas bem diferentes.
“Sinais e sintomas isoladamente podem ser um problema ou podem ser só um fato na vida do indivíduo. O que precisa ficar claro é a origem do sinal e sintoma: procurar por que a pessoa age assim”.
“Se a gente descobre que por trás tem essa crença intensa de desvalor ou o medo de ser descoberto como uma fraude, a gente pode determinar que é a síndrome do impostor”, destaca a psiquiatra.
Bianca comenta, ainda, que não é apenas a manifestação do sintoma que precisa ser analisado, mas como a pessoa lida com ele: é algo que o paralisa e o impede de realizar seus objetivos ou você consegue contornar?
Por isso, é fundamental sempre ter acompanhamento psicológico ou psicoterapêutico.
Prejuízos psicológicos
Como mencionado anteriormente, alguns sentimentos que seguram a pessoa de realizar algo novo podem, realmente, ter consequências.
Mas, outras vezes, podem estar relacionados a um bloqueio mental: “A pessoa deixa de aceitar uma proposta de trabalho, deixa de entrar em um relacionamento que poderia ser bom, isso afeta também as nossas crenças sobre nós mesmos e os lugares que queremos chegar”, explica Bianca.
Segundo ela, esse conjunto de atitudes pode tornar tudo mais desafiador e fazer com que a pessoa esteja sempre em estado de alerta, pensando no futuro, focando em coisas ruins que talvez nem aconteçam e, em casos mais graves, pode até desencadear transtorno depressivo, de ansiedade ou pânico.
Nina detalha que é como se a pessoa limitasse o próprio crescimento ou envolvimento com alguém ou alguma situação e “fica parecendo uma profecia autorrealizável, como se ela estivesse prevendo que não era boa mesmo, mas é tudo causa e consequência da autossabotagem.”
Algo parecido é vivenciado por Thainara Martins Areas. A assessora de imprensa começou a sentir os impactos da síndrome durante a faculdade, quando ouviu comentários negativos de uma colega de classe: “Ela dizia que eu não conseguiria emprego na área [de jornalismo] porque eu só sabia falar sobre um determinado assunto e, por isso, ninguém iria me contratar.”
Como efeito, ela passou a achar que não era boa o suficiente em outros segmentos e não sente vontade de sair da zona de conforto: “O novo me assusta! Eu tenho medo de fracassar, então eu nem tento.”
Segundo ela, é um trabalho diário para enxergar com mais carinho as próprias conquistas, entender que a vida é feita de momentos bons e ruins: “Quando consigo algo, sempre acho que aquilo é só minha função, não mérito meu.”
Como é feito o tratamento
Os sintomas podem se manifestar por motivos diferentes para cada pessoa e, portanto, o tratamento também será modificado.
Mas, de maneira geral, as especialistas detalham que o primeiro passo é analisar a origem destas crenças negativas: “Existem fatores de vulnerabilidade e de temperamento genético, junto com experiências pessoais, lá no começo da infância ou da pré-adolescência”, conta Nina.
Na terapia sistêmica – que analisa o paciente no meio em que vive e não isoladamente –, Bianca conta que aborda “todas as áreas da vida, até aquelas que não são diretamente afetadas pela autossabotagem.” Para isso, ela identifica padrões presente não só naquela fase, mas ao longo da vida da pessoa.
Independentemente do tipo de tratamento, o objetivo é desenvolver a autoestima do paciente, ajudá-lo a se enxergar com mais compaixão durante o processo e encontrar um equilíbrio saudável entre essas percepções.
“A gente não tem como apagar essa crença de desvalor, mas podemos deixá-la mais fraca e criar uma crença mais saudável. Por exemplo, ‘eu tenho defeitos, mas tenho qualidades e chances de ser bem-sucedido como todo mundo’.”
Nina conta que não existe uma fórmula para evitar a Síndrome da Impostora, mas é possível estruturar a autoestima do indivíduo desde o começo da vida, especialmente na infância ou adolescência, quando estão formando a personalidade.
“A ideia é sempre incentivá-los a terem autonomia, ensinar que é possível corrigir um erro e que um defeito não anula toda a personalidade do indivíduo.”
*Informações GShow