Bloquear ou deletar uma pessoa nas redes: como isso afeta a saúde mental?

  • Rosana Ribeiro
  • Publicado em 21 de janeiro de 2023 às 21:00
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Desaparecer, deixar de responder mensagens ou bloquear alguém sem aviso prévio é um comportamento conhecido como ghosting

Desaparecer, deixar de responder ou bloquear alguém sem aviso é conhecido como ghosting – foto Freepik

 

“Responsabilidade afetiva é saber que o que fazemos tem consequências na vida de quem está ao nosso redor. Atrás de uma tela existe alguém que sonha, que vive, que anseia, que espera, que deseja e que já sofreu. Cuidar e ser cuidado é a ação essencial do amor visto como saudável.”

A postagem que fez sucesso nas redes sociais é de Alejandro Schujman, psicólogo argentino especialista em família.

Desaparecer, deixar de responder ou bloquear diretamente alguém sem aviso prévio nas redes é conhecido, há algum tempo, como “ghosting” (termo em inglês derivado da palavra ghost, que significa fantasma).

Os psicólogos admitem que a tecnologia apenas acelerou e facilitou o que já existia no mundo real.

A ação de sumir sem nenhuma explicação anda de mãos dadas com a irresponsabilidade emocional, com o não levar em conta os sentimentos do outro.

É consenso entre os especialistas que o crescimento generalizado dos contatos virtuais, envolvendo, muitas vezes, pessoas desconhecidas, facilita a possibilidade de “desaparecimento”, situação que acontece não só nas relações afetivo-sexuais mas também nas amizades e vínculos de trabalho.

Desobrigadas a mostrar o corpo e o rosto, muitas pessoas se sentem livres para agir a partir de uma espécie de anonimato, avalia a psicóloga Claudia Ghersevich.

É mais fácil se desconectar do outro, e também é uma forma de se desconectar daquilo que mobilizaria a pessoa para enfrentar o conflito.

“É uma maneira rápida de terminar algo com o que você não quer lidar. O contato desaparece, o conflito desaparece”, reforça a especialista esclarecendo que essa decisão de sumir é consciente.

O psicólogo Fabio Calvo confirma que, embora aqueles que “desaparecem” de um relacionamento tenham existido “a vida toda”, a tecnologia torna essas ações mais “evidentes e virais”.

Calvo atribui esses comportamentos a quem se move socialmente com “desapego ou apego mal aprendido” e concorda que as pessoas podem agir por medo, por não ousar falar as coisas diretamente para o outro, mas alerta que isso pode machucar alguém.

“A comunicação está mais despersonalizada, a multiplicidade de canais virtuais possibilita uma dose de crueldade que não significa que haja, necessariamente, mais pessoas más, mas sim que são tempos de amor covarde, de medo de compromisso”, diz Alejandro Schujman.

“A maioria das pessoas sofre quando as coisas terminam sem explicação, quando as situações ficam sem solução clara”.

“Esse tipo de atitude é prejudicial e se a pessoa que sofreu o “ghosting” estiver em um momento de baixa autoestima, é ainda pior” reforça o especialista.

Fantasmas

O termo “ghosting” foi usada pela primeira vez em 2014 pela atriz cômica Hannah VanderPoel, que ao contar sua experiência pessoal no YouTube, definiu “ghosting” como o “homem perfeito que promete tudo antes de desaparecer como um fantasma”.

Três anos depois, o conceito foi incluído no dicionário Merriam-Webster (que é uma referência) e começou a ser aceito em todo o mundo.

Com o tempo, ao ghosting foi adicionada a ideia de “orbitar”, ou seja, a mesma pessoa que sumiu e não faz mais contato, continua acompanhando as redes sociais da outra abandonada. Uma combinação considerada fatal.

Os especialistas destacam que ninguém é “obrigado” a permanecer em um relacionamento, mas ressaltam que é importante que todos os envolvidos conheçam as regras do jogo.

O psicólogo Alejandro Schujman argumenta que, se um vínculo terminar, deve haver um fechamento. É a maneira de estar em paz. Precisamos iniciar e encerrar etapas.

Claudia afirma que, em geral, são as mulheres que mais assumem o comportamento de esperar e acreditar que o outro vai mudar.

“Assim, não há mudança possível, porque não há empatia. Posso escolher não me relacionar com a outra pessoa, mas devo cuidar da maneira como gerencio isso”.

“O problema não é a emoção, mas a gestão dela”, resume Ghersevich, distinguindo que ghosting não é sinônimo de sair de uma situação para pensar, não falar com raiva ou “ter perspectiva”.

Ele também aponta que, na comunicação digital, não é preciso impor um ritmo único, mas sim entender que nem todos respondem instantaneamente, que há quem se desconecte nos finais de semana. Atraso na resposta não é ghosting.

Há quem repita sistematicamente o “desaparecimento” e é aí que os especialistas destacam que há falta de responsabilidade afetiva.

“Significa não entender como minhas ações impactam os outros”, diz Ghersevich, lembrando que o filósofo e escritor chileno Humberto Maturana falou de três direitos humanos: errar, sair de um lugar e mudar de ideia.

“Eles estão ali, se esforçam, mas cuidando do outro, sendo claros”, acrescenta.

Não existe um guia para evitar o ghosting, mas Calvo ressalta que a atitude é mais frequente se o contato for apenas virtual.

“É importante conhecer o outro em seu ambiente natural, seus amigos, seu contexto. Relacionamento vai além do individual, inclui vínculos e isso é muito importante”, alerta.

Schujman acrescenta que o diálogo é outro fator que pode orientar o andamento de um relacionamento.

Ele aponta que se uma pessoa adota atitudes de ghosting, ela tem que rever seu próprio modelo de relacionamento e analisar se não tem teimosia ou excesso de expectativas.

“A coisa mais dolorosa para quem sofre com o ghosting é se sentir invisível para o outro. Agir com responsabilidade afetiva implica em não deixar o outro com o inacabado e a incerteza. Quem está bem pode fechar aquela história mais rápido, se não, há ruminação e o luto é mais difícil”, afirma Ghersevich.

*Informações O Globo


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