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Traumas, maus-tratos, abandono, isolamento social e restrição física estão entre as causas da depressão
Assim como os seres humanos, cachorros também podem desenvolver depressão – foto Freepik
Assim como os seres humanos, os cães também podem desenvolver depressão. No universo canino, contudo, dá-se à condição um nome diferente: desamparo aprendido.
A médica-veterinária Juliana Gil, mestre em etologia e bem-estar animal, explica haver uma diferença importante entre as duas termologias:
“O termo técnico ‘depressão’ inclui uma questão relacionada à consciência, e não temos certeza disso quando falamos de cães e gatos”, diz.
Nas palavras da médica, trata-se do momento em que o animal desiste de continuar – perdendo o apetite e a vontade de interagir e passear.
Muitos tutores costumam recorrer a um veterinário comportamentalista quando suspeitam de um quadro como este, mas vale fazer um check-up no bicho antes de buscar um especialista e realizar um diagnóstico diferencial.
Isso porque outras doenças ocasionam sintomas parecidos ao desamparo aprendido – como a anorexia, que provoca a diminuição do apetite e da atividade.
Para não confundir os males e entender mais sobre a “depressão canina”, confira abaixo os seus sintomas, tratamentos, prevenção e como é feito o diagnóstico:
Sintomas
Segundo a médica-veterinária Sabina Scardua, doutora em ciência animal com ênfase em comportamento e colunista de Vida de Bicho, o desamparo aprendido não é tão simples de se identificar.
“Muitas vezes, o animal continua fazendo as mesmas coisas, mas com menor intensidade. Os tutores mais atentos percebem a perda do ‘brilho’ do animal e o olhar triste”, diz.
Em casos mais graves, os sinais mais comuns são: diminuição do apetite, frequência maior do sono e apatia. Mas Sabina explica que não se trata de uma escolha do pet:
“A depressão em cães altera sua sensibilidade sensorial, no nível neuroquímico, diminuindo a acuidade visual, paladar e principalmente o olfato, que é o sentido principal, usado pelo cão para enxergar o mundo. Com o olfato diminuído, é como se o mundo ficasse desbotado, sem graça”.
O cachorro também fica isolado dos outros animais da casa; brinca menos ou para de brincar; não solicita atenção ou se aproxima espontaneamente dos tutores, apenas quando chamado; e apresenta maior irritação e intolerância à manipulação.
Causas
Existem muitas razões que podem levar ao desamparo aprendido em cães, já que, segundo Sabina, esta é uma doença multifatorial, que envolve componentes sociais, orgânicos e psíquicos.
O isolamento social – quando os bichos são obrigados a ficar sozinhos durante muito tempo, sem a companhia de humanos e outros animais – é um grande contribuinte.
Soma-se a ele a restrição física, quando os cães ficam presos em correntes ou têm restrição severa de acesso à casa, ficando presos em um cômodo apenas.
“A perda de alguém importante também é um fator – pode ser um animal companheiro ou um humano que o animal tenha grande vínculo afetivo”.
“Casos de morte, divórcio ou saída do jovem para morar fora são exemplos”, diz Sabina.
A chegada de outro animal na casa com uma introdução abrupta também pode levar ao desamparo aprendido, o que torna a adaptação calma e estruturada bastante importante.
Finalizam a lista o estresse e a ansiedade em graus altos e crônicos, longas internações e ataques de outros animais, além da utilização de métodos aversivos na educação do animal.
“Isso pode decorrer de um ambiente muito punitivo, onde o bicho pode até receber carinho, mas também recebe muitas broncas”, explica Juliana.
Diagnóstico
O diagnóstico da “depressão canina” é feito por exclusão, assim como os demais diagnósticos comportamentais.
“Sempre vamos avaliar toda a parte médica e fazer uma anamnese completa com a família – avaliar o animal e a interação dele com os tutores e a rotina dessa família, após ter descartado as causas médicas”, diz a médica-veterinária.
Neste processo, é importante considerar todo o histórico do bicho e o comportamento atual apresentado por ele.
“A comunicação intuitiva pode ajudar muito nestes casos, para entender como começou, os principais fatores envolvidos e o nível ou gravidade”, acrescenta Sabina.
Tratamento
Com o tratamento adequado, todos os cães podem voltar a ser felizes. A prática não se limita ao uso de medicamentos – na verdade, este seria apenas o terceiro recurso a ser aplicado.
“Para os casos em que é necessário por um tempo, não é aconselhável apenas o uso de medicamento para corrigir o problema”, diz Sabina.
O tratamento adequado, segundo a especialista, passa por ajustes de manejo, terapia comportamental, terapias complementares com foco no emocional e energético e, muitas vezes, exercícios de reforço de vínculo com o tutor.
Amor, compreensão e paciência também são importantes facilitadores do processo.
“Quando necessário, entramos com o terceiro pilar: os psicofármacos, que são medicações que ajudam a tirar o animal daquele estado inicial”.
“Elas ajudam, mas não resolvem 100% o problema e nem serão necessárias para o resto da vida. Dentro dessa classe de psicoativos, há os feromônios, que também podem ser usados no cenário de desamparo aprendido ou de estado depressivo”, explica Juliana.
Prevenção
A fim de prevenir o desamparo aprendido, é imprescindível conhecer a personalidade, as necessidades, as fragilidades e os vínculos afetivos importantes do animal.
“Um cão muito social, que adora passear, por exemplo, não pode ser privado disso por um longo período. Se a sua rotina mudou, é preciso tomar providências e contratar um passeador ou pedir ajuda a um amigo”.
“O que mais vejo acontecer são pequenas negligências e imposições que vão se juntando, causando uma frustração tão grande que acaba virando depressão”, diz Sabina.
Há bichos que precisam trocar energia com outros animais e pessoas e, se ficarem com um único humano dentro de casa, podem se deprimir.
Já outros têm uma conexão muito forte com a natureza e precisam do sol, da terra e do vento de forma mais imperativa que os demais.
“É muito importante estar atento a quem o animal é de verdade e o que importa para ele e, a partir daí, prover uma rotina enriquecida adequadamente”.
“Nos momentos de mudança de residência, introdução de outros animais, luto, qualquer alteração drástica na rotina, é importante se informar para uma estratégia mais cuidadosa e adequada, ou procurar ajuda de um profissional capacitado”, orienta a médica-veterinária.
O simples uso de uma terapia complementar para dar suporte energético e emocional para o animal enfrentar o momento pode ser fundamental para a prevenção de um quadro de depressão.
De forma geral, é importante oferecer uma rotina positiva ao bicho e reforçar os seus comportamentos naturais, além de manter atividades físicas e cognitivas para estimulá-lo.
“Manter uma vida mais feliz e positiva com certeza é um preventivo para um cenário difícil que possa, por exemplo, vir depois de um trauma e que leve o animal a um estado de depressão”, diz Juliana.
A especialista indica ainda evitar as punições e broncas, já que elas não resolvem os problemas e podem acabar, inclusive, piorar quadros depressivos.
Predisposição
Apesar de algumas raças aparecem nos estudos sobre desamparo aprendido – como o poodle, yorkshire e chihuahua –, aparentemente não há uma predisposição genética evidente para a condição.
“É mais provável que estejam mais predispostos os cães muito inteligentes e que frequentemente são criados de forma a desenvolver alta dependência emocional. Pode acontecer com qualquer um”, diz Sabina.
Juliana completa, afirmando que histórias de maus-tratos e abandono podem contribuir para o desamparo aprendido, já que criam um vínculo instável e relação ambivalente com os seres humanos.
“A melhor forma de lidar com a situação é sempre observar como é o comportamento do cão, evitar puni-lo, reforçar as atitudes positivas e manter uma rotina saudável com ele – com atividade física e cognitiva e momentos de muito amor e carinho”, finaliza a médica-veterinária.
*Informações Casa e Jardim