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Apesar de ser um comportamento natural, o costume de esconder a relação de amigos e familiares, à longo prazo, pode ser um sinal de alerta
No começo do relacionamento é normal agir com cautela e querer preservar a relação
Após meses de relacionamento, você não foi apresentado aos amigos do par. O famoso almoço de domingo na casa da sogra nunca foi um compromisso marcado na agenda, e o story que você postou na rede social com uma legenda amorosa sequer recebeu um repost.
Apesar de surgir em detalhes, a necessidade de esconder o relacionamento de outras pessoas pode ser uma prática abusiva e, não à toa, ganhou nome: pocketing.
Em suma, o termo — que significa “colocar no bolso”, em tradução livre — designa a situação em que a pessoa com quem você está construindo um relacionamento faz de tudo para garantir que a relação pareça inexistente para o resto do mundo. Isso inclui amigos, familiares e outras pessoas conhecidas, pessoalmente ou nas redes sociais.
“Existia sempre um motivo para justificar uma exigência de que as pessoas não soubessem que estávamos saindo”, conta Priscila Andrade.
Ora uma ex-namorada ciumenta, ora a inveja de outras pessoas. Todas as explicações terminavam em um denominador comum: algo que fosse protegê-la de um perigo iminente, e nunca muito claro.
Aprender a se impor e entender quando uma relação deixa de fazer bem ajudou a jovem a superar o fim de um relacionamento cheio de descompassos. Entre outros incômodos, ela conta que, recentemente, se sentiu envolvida em uma situação de pocketing.
“Ele era bem incisivo quanto a isso, não queria que ninguém soubesse da gente. Eu não podia comentar nem com amigos, nem colegas de trabalho. Sinceramente, acho que não tinha nada a ver com me proteger e, sim, com proteger a ele mesmo”, conta Patrícia.
Na visão dela, a situação estava bastante cômoda — para apenas um dos envolvidos. “Ele tinha uma pessoa ali sempre que queria, não tinha responsabilidade nenhuma. Não precisava lidar com situações minhas, e quando surgiu um aborrecimento da minha parte, ele recebeu com um ghosting, ou seja, simplesmente parou de me responder e nunca mais apareceu”, lembra.
Colocar o vínculo “no bolso”, no entanto, não é novidade no universo afetivo. De acordo com a psicóloga Karlla Lima, o tema aparece frequentemente nas sessões de terapia — especialmente como um incômodo do público feminino.
“Esse assunto tem sido recorrente nos atendimentos, principalmente para mulheres na casa dos 30 anos”, comenta.
Comodidade a dois
Agir com cautela no começo de relacionamento é o comportamento usual, e preservar a informação sobre o envolvimento emocional com alguém é razoável. Contudo, espera-se que, com o tempo, venha a confiança para compartilhar com as pessoas queridas a novidade afetiva, segundo o professor e psicanalista Pedro De Santi, da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
Quando os meses passam e não há nenhum tipo de motivação por parte da parceria, se isso for motivo de incômodo para a outra parte, a melhor forma de resolver a situação é abrir um canal de diálogo, e expor as chateações, como recomenda o especialista.
É importante salientar, porém, que não existe um prazo específico para isso. “Tudo depende da combinação a dois. Não tem tempo certo para coisa alguma. Se uma pessoa está assumida e deseja que isso seja aberto, ela deve ponderar junto a parceria se ambos querem a mesma coisa no relacionamento”, defende.
Novo glossário afetivo
Nos últimos anos, o vocabulário de relacionamentos tem crescido. O glossário afetivo ganhou aquisições como stalking, ghosting, haunting, orbiting e, agora, com a chegada do pocketing, pode ser um tanto difícil de acompanhar.
Contudo, na visão da psicóloga Karlla Lima, nomear tais atitudes é importante para facilitar o domínio de certos temas e, inclusive, fazer alertas.
“O que antes poderia ser visto como elogio, hoje, dependendo do teor, já sabemos que pode ser um caso de assédio. Quanto mais conhecimento, melhor. Quando tem nome, eu tenho a possibilidade de pesquisar, conversar com amigas sobre o assunto, dependendo do caso, denunciar. São práticas que sempre existiram, mas atualmente podemos discutir sobre o assunto e procurar ajuda se necessário”, pondera.
O psicanalista Pedro De Santi faz um alerta sobre o risco de enxergar esses termos como verdades absolutas. “Tais nomenclaturas são apenas jeitos de falar — não significam diagnósticos nem são absolutos, e devem ser observados de acordo com cada contexto”, elucida.
Dois lados
Apesar da nomenclatura carregar um peso negativo, ser “embolsado” não significa necessariamente uma abertura para traição ou que o par esteja querendo preservar outros relacionamentos. Existem motivos por trás da preferência por manter o status romântico privado.
“É possível que a pessoa tenha um histórico de decepção com outros relacionamentos, seja insegura com relação ao que quer com o romance, tenha dificuldades de tomar decisões ou lide com alguma dificuldade em relação à família”, enumera a psicóloga Elaine Di Sarno.
Outra possibilidade é que a pessoa lide de forma diferente com a exposição. “Há quem queira se proteger dos olhares, julgamentos e até da invasão que se exerce uns contra os outros nos últimos anos, especialmente nas redes sociais”, adiciona o professor da ESPM.
A necessidade de compartilhar a vida no Instagram, Facebook ou qualquer outro tipo de mídia social, na visão do psicanalista, está transformando o cenário virtual e uma espécie de diário íntimo e trazendo cobranças inconvenientes.
“Existe uma cobrança mútua de que todo mundo exponha tudo, o que não é interessante. Precisamos ter privacidade para decidir o que postar e o que manter privado. A superexposição deixa a gente em estado de paranoia. Embora possa magoar, o pocketing pode ser uma tentativa de preservação, de não expor a si e o outro, e cuidar da relação com cuidado”, pondera.
Aprender a identificar limites
Na visão dos profissionais, a melhor forma de identificar o limite do que deixou de ser saudável é estar aberto para perceber os próprios sentimentos. A partir do momento em que a relação trouxer inseguranças ou instabilidade emocional, há um sinal de alerta.
Outros motivos para acender um sinal vermelho são: os encontros de vocês costumam ser privados e longes dos outros; há uma separação muito clara entre as outras pessoas na vida do parceiro; em encontros casuais com outras pessoas, você não é devidamente apresentado.
Mas, o verdadeiro motivo para movimentar-se e resolver a questão está, exclusivamente, na própria percepção da situação. “Quando a decisão é de uma das partes e a outra parte entra em sofrimento por isso, são vários os problemas que o relacionamento pode enfrentar”, explica Karlla Lima.
Normalmente, quem não quer se assumir se sente invadido caso o par divulgue informações que considera privadas, enquanto o outro lado, que gostaria de falar sobre a relação abertamente, se sente envergonhado ou diminuído pelo excesso de discrição.
Em qualquer um dos casos, a resposta para resolver a questão reside no diálogo. “É preciso que ambos sejam sinceros e que a pessoa incomodada se sinta no direito de mostrar seu desconforto. Fazer demandas imperativas beira a cobrança, mas ser aberto com o que sente é sempre legítimo, significa que você quer construir um relacionamento duradouro”, argumenta De Santi.
*Informações Metrópoles