Queda nas CNHs para dirigir veículos pesados por causa do exame

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 5 de outubro de 2020 às 10:16
  • Modificado em 29 de outubro de 2020 às 23:44
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A queda na quantidade CNHs para dirigir veículos pesados caiu brutalmente

Historicamente, analisando os dados desde 2011, a média de habilitações de condutores nas categorias C, D e E, crescia aproximadamente 300 mil por ano até 2015. Em dezembro de 2011, segundo o Denatran, eram 11.795.888 motoristas habilitados nestas categorias que permitem dirigir caminhão, van, ônibus e carreta.

Em dezembro de 2015, o número subiu para 13.156.723 , portanto, aumento de 1.360.835 motoristas com CNHs C, D ou E em apenas quatro anos.

Mas essa tendência de crescimento mudou em 2016, e hoje os condutores habilitados para dirigir veículos pesados são 11.556.474, menos do que em 2011. Já o número de habilitados nas categorias A e B (motos e carros) passou de 42.089.713,00, em dezembro de 2011, para 62.712.081,00. Vinte milhões a mais do que há 10 anos.

O que aconteceu com os motoristas das categorias C, D e E? Por que a partir de 2016 a queda no número de habilitados foi tão grande que, ao invés dos mais de 14 milhões que deveriam estar com a CNHs dessas categorias em 2019, considerando a tendência histórica, hoje são praticamente 2,5 milhões a menos?

Exigência do exame toxicológico é a explicação

Na avaliação do SOS Estradas, que está realizando mais um estudo sobre o tema – depois do “As Drogas e os Motoristas Profissionais “ publicado em 2015 -, o que alterou brutalmente a situação foi a exigência do exame toxicológico de larga janela, conhecido popularmente como teste do cabelo.

Esse exame passou a ser exigido em março de 2016, quando entrou em vigor a Lei 13.103/15, que determina a realização de exames de larga janela na renovação da CNH, adição de categoria (por exemplo: passar da categoria B para C), admissão e demissão nas empresas de transportes.

A diferença da tecnologia de larga janela na detecção de drogas é que ela identifica quem usou drogas regularmente pelo menos nos últimos 90 dias. Na prática, quem usa, por exemplo, cocaína regulamente, acumula a droga no organismo. O exame detecta essa presença e, acima de determinada quantidade, o condutor fica sem condições de dirigir com segurança, inclusive quando está em abstinência, devido aos efeitos das drogas no seu organismo.

Isso é estabelecido através de um nível de corte, acima do qual a presença da droga já provoca efeitos tão graves que só a abstinência, por no mínimo 90 dias, permitirá limpar o organismo.

Diferente dos testes de curta janela, como saliva, urina, que detectam o uso recente, a tecnologia de larga janela identifica, através da queratina, colhendo cabelo, pelos ou unhas, o comportamento do indivíduo. Portanto, quem usa regularmente drogas.

Do ponto de vista da segurança, o exame de larga janela nos garante que aquele condutor está colocando em risco a vida de terceiros e a dele, regularmente. Diferente do teste de curta janela, que pode flagrar alguém que fez uso eventual.

POR QUE CAIU TANTO O NÚMERO DE HABILITADOS NAS CATEGORIAS C,D, E?

Quando o exame passou a ser obrigatório, nas condições previstas na Lei 13.103/15, os motoristas usuários de drogas que tinham de fazer o exame, na maioria dos casos, preferiram não renovar a CNH e uma parcela menor migrou para a categoria B, que permite dirigir automóvel.

Na avaliação do SOS Estradas, esse número representa pelo menos 1,5 milhão de condutores. “Nós definimos como positividade escondida”, esclarece Rodolfo Rizzotto, coordenador do SOS Estradas e responsável pelo estudo. O termo indica os que fugiram (se esconderam) do exame porque seriam flagrados. Preferiram abrir mão da habilitação. Os números do quadro dos condutores por categorias, no início desta matéria, deixa isso claro.

Mais de 170 mil positivos e cerca de 70% usuários de cocaína

Entre março de 2016 e final de agosto de 2020, nada menos que 170 mil condutores testaram positivo para drogas, sendo praticamente 70% cocaína. Destes, quase 83 mil motoristas de ônibus e vans. O que revela o risco do transporte público no Brasil que jamais tinha sido detectado.

Entretanto, o número real de usuários de drogas é muito maior. Não apenas pelos que tiveram laudo positivo, ou deixaram de renovar, mas também porque pode-se estimar que mais de 500 mil exames apresentaram vestígios de drogas mas estavam abaixo do nível que a legislação considerou adequado para atestado positivo.

Testar positivo é igual a bêbado procurar Operação da Lei Seca

“De forma bem simples, poderíamos considerar que um motorista que usou três vezes cocaína ao longo dos 90 dias, vai ter um laudo negativo, porque o volume encontrado no organismo está abaixo do nível de corte estabelecido pela norma”, explica Rizzotto.

Outra observação feita pelo coordenador do SOS Estradas, é que os testados positivo deveriam ser internados. “Eu comparo quem testa positivo para drogas com o bêbado que procura a operação da Lei Seca, pede para fazer o teste do etilômetro e ainda quer pagar por isso. Ora, quem é usuário, vai no laboratório e paga para fazer um exame que detecta o consumo de drogas nos últimos 90 dias, só pode estar fora de si. Já perdeu a noção da realidade.”

Redução de acidentes e consumo de drogas após o exame

Em 2018, o SOS Estradas analisou os acidentes nas rodovias federais, comparando os ocorridos, por tipo de veículo, em 2015, último ano sem a exigência do exame toxicológico, e 2017, o primeiro em que ele foi efetivamente aplicado ao longo de todo ano. O resultado foi queda de 34% nos acidentes com caminhões e 45% com ônibus. Muito superior a registrada para veículos leves. Veja o quadro abaixo:

Ministério Público do Trabalho identificou redução no consumo de drogas

Outro dado ficou evidente em pesquisa realizada comparando os dados de 2015 com 2019. Usando a mesma metodologia, testando condutores de todo o país para drogas, o MPT, juntamente com o Tribunal Superior do Trabalho e Polícia Rodoviária Federal, registrou impressionante queda de 60% do consumo. Conforme revelou o procurador do MPT, dr. Paulo Douglas de Almeida, representando o órgão em audiência pública no Congresso Nacional.

Exame contribuiu para reduzir acidentes e consumo de drogas

Os dados deixam claro o benefício dessa política pública que não tem custo para o Estado, na medida em que, quem paga o exame é o interessado na categoria de habilitação que o exige, ou então é pago pela transportadora na admissão ou demissão.

Por outro lado, revela grande número de condutores usuários de drogas, inclusive que quase 30 mil deles, que ainda estavam nas categorias A e B, não conseguiram a CNH para dirigir veículos pesados graças a exigência deste exame.


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