Xixi na cama: por que acontece e o que pode ser feito para ajudar a criança

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 28 de julho de 2018 às 20:40
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:54
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Enurese noturna pode prejudicar a autoestima da criança e atrapalhar a rotina da família

O desfralde é um
marco do desenvolvimento infantil bastante esperado pelos pais. Afinal, é sinal
de que finalmente o filho cresceu e não é mais um bebê que usa fralda. Mas, se
durante o dia é mais fácil a criança fazer xixi no banheiro, por exemplo, à
noite é que são elas. Muitas não conseguem e acabam fazendo na cama durante o
sono por longos anos, mesmo depois que, inclusive, já abandonaram a fralda do
cocô.

Segundo dados da Sociedade
Internacional de Continência Infantil, referência mundial na área, 10% de
crianças aos 6 anos têm enurese noturna primária monossintomática, como é
chamado o vazamento do xixi durante a noite, duas ou mais vezes por mês. Vale
lembrar que, antes dos 5 anos, é considerado um escape normal. A condição
diminui com o passar do tempo e apenas 5% das crianças continuam molhando o colchão
aos 10.

Uma das causas do problema
é a herança genética. Se o pai ou a mãe fez xixi na cama após os 5 anos, o
filho tem 40% de chance de apresentar a enurese também. Se os dois tiveram, o
número sobe para 60%. “Geralmente os pais acabam descobrindo que eles próprios
ou alguém da família tinham enurese noturna só depois que passam pela
situação com os filhos. Esse assunto ainda é tabu. Sem perguntar, ninguém
conta”, diz a pediatra Ana Escobar.

Em busca de respostas

Mas a genética por si
só não explica o problema. É preciso uma análise multifatorial para excluir
questões que podem resultar no vazamento noturno rotineiro da urina. A
professora do departamento de pediatria da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo Vera Koch foi uma das coordenadoras do projeto
Enurese, uma união de forças, realizado entre pesquisadores nas áreas de
pediatria, psicologia e fisioterapia em busca das causas do problema.

Durante quatro anos
eles estudaram 111 crianças e adolescentes com enurese noturna primária. Da
experiência surgiram seis pesquisas científicas publicadas em 2016. Em uma
delas, observou-se que a criança afetada pelo problema tem menos controle motor
fino, mais dificuldade de se equilibrar e postura diferente, com a barriga
levemente projetada à frente. “Do ponto de vista neurológico, os estudos
mostraram que essas crianças estão em um processo de amadurecimento aquém do
esperado, mas nada anormal. É como se ela ainda precisasse conectar mais alguns
pontos”, explica.

O pediatra e/ou
urologista é geralmente quem descobre a enurese, depois da desconfiança dos
pais, claro. Ele pode pedir alguns exames clínicos e laboratoriais que mostrem
o tamanho da bexiga (que é ou age como se fosse menor, expelindo mais vezes) e
se há produção excessiva de urina no período da noite. “A dificuldade de
acordar mesmo com a bexiga cheia e a própria maturidade da criança sobre o
controle da saída da urina também são levados em conta”, diz o pediatra e
nefrologista João Domingos Montoni, do Hospital Israelita Albert Einstein.

Faz parte da
investigação considerar questões psicoemocionais. “A criança pode responder a
agravos emocionais com alterações de suas funções fisiológicas – apetite,
vômitos, diarreia, urina…”, explica Vera. Por isso, a separação dos pais ou o
nascimento dos irmãos, por exemplo, pode ser um gatilho para o problema.

O jeito é mesmo ter
paciência: segundo os especialistas, o problema diminui 15% a cada ano que a
criança completa, gradativamente.

Sem constrangimento

Se é muito difícil
para os pais enfrentar a enurese dos filhos, pois envolve toda a rotina da
família, saiba que, para a criança, a situação também não é nada fácil e pode
comprometer, inclusive, a vida social dela. Dormir na casa de um amigo ou
viajar com a turma? Nem pensar. “É um ciclo: a criança vê que está dando
trabalho, é repreendida ou comparada com outras crianças, e isso mexe com a
autoestima dela”, explica Ana Escobar. Por isso, o acompanhamento psicológico
ajuda e muito, ao lado da compreensão e amor dos pais.

A primeira etapa do
tratamento é o que os médicos chamam de terapia comportamental: beber mais
líquido de dia e limitar a ingestão à noite; fazer xixi antes de dormir; não
usar fralda; incentivar o treino elogiando as noites secas (reforço positivo!).
Nesse trabalho de conscientização, o mural de conquistas também pode ser um bom
aliado. Foi o que funcionou com a psicóloga Juliana Martins, 41, quando tinha 7
anos e sofria com os vazamentos. “Me lembro do penico que a minha mãe deixava
no quarto, na esperança de que eu chegasse até ele, já que não conseguia
acordar para ir até o banheiro. Uma vez minhas amigas foram em casa e o viram,
senti muita vergonha”, relembra. Foi um pediatra quem receitou o caderno de
recompensa para a mãe dela. A cada noite sem molhar a cama, uma estrela era
colada no caderno. E a cada tantas estrelas, um prêmio. Seja por ironia do
destino, seja pelas marcas deixadas pela experiência, atualmente ela tem uma
empresa que vende itens pensados para ajudar os pais em diferentes etapas de
desenvolvimento dos filhos, como o mural.

Remédio ou alarme

Já para quem deseja ir além das medidas
comportamentais há ao menos duas possibilidades, que podem ser prescritas pelo
especialista que acompanha a criança. Uma delas é a desmopressina, medicamento
antidiurético que inibe a produção de urina à noite. Porém, ressalvas: “Se a
criança tomar o medicamento regularmente, ela deixa de treinar a
conscientização. O ideal é usar por um período, ou pontualmente, quando for
dormir fora”, diz Flavio Trigo, presidente da Sociedade Brasileira de Urologia
de São Paulo. Até porque ele tem efeito paliativo: ao ser suspenso, o quadro de
enurese pode voltar.

A outra saída é o tratamento com um
alarme específico para casos de enurese. O acessório tem um sensor, que fica
perto da cueca ou calcinha e é ligado por fio a um alarme sonoro. Ao sentir as
primeiras gotas, o som dispara, despertando a criança. Segundo os
especialistas, a tendência é de que em cerca de um ou dois meses, ela aprenda a
acordar antes do alarme, resolvendo de vez o problema, ao contrário da
medicação.

Trigo é coautor de um
estudo realizado este ano com 93 pacientes de enurese primária monossintomática
no Hospital Infantil Menino Jesus (SP). Ao comparar tratamentos com medicação e
alarme, verificou-se que a segunda alternativa apresentou 70% mais eficácia na
resolução do problema, ante 30-40% da medicação. O trabalho foi selecionado
para o congresso da Sociedade Internacional de Continência, que acontece este
mês nos Estados Unidos.

Se por um lado é
ineficaz – e nocivo – exigir um nível de desenvolvimento para o qual a criança
não está preparada, por outro é preciso ajudá-la nesse amadurecimento. “Os pais
que não conversam com o filho que sofre de enurese – e, em vez disso, apenas o
levam ao banheiro ou trocam suas roupas enquanto ele ainda dorme – perdem a
oportunidade de transmitir o senso de responsabilidade para uma função que é da
criança”, diz Montoni. Mas, além do diálogo, empatia e paciência são uma dupla
fundamental para a criança passar com serenidade por esse desafio em sua vida.
“As pessoas querem que tudo aconteça rápido, mas não tem jeito: a gravidez ainda
dura nove meses, as crianças vão andar por volta de 1 ano e o controle do xixi
pode ir até os 5 anos (ou mais)”, completa a pediatra Ana Escobar. Tudo a seu
tempo!


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