Você pode estar bebendo plástico em águas engarrafadas, sabia?

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 18 de março de 2018 às 01:48
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:37
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OMS investigará efeitos na saúde após análise encontrar partículas de plástico em água engarrafada

A Organização Mundial de
Saúde (OMS) vai iniciar uma análise sobre os potenciais riscos da presença de
plástico na água que bebemos.

Ela levará em conta as últimas pesquisas sobre a disseminação e
o impacto dos chamados microplásticos – partículas que são pequenas o bastante
para serem ingeridas.

Isso ocorre após um teste feito com 250 garrafas de água de 11
marcas líderes do mercado, incluindo a brasileira Minalba, ter mostrado que
havia micropartículas de plástico em 93% delas.

Não
há evidências de que microplásticos podem afetar a saúde humana, mas a OMS quer
avaliar o quanto realmente se sabe sobre isso.

Bruce
Gordon, coordenador do trabalho global da OMS em água e saneamento, disse que a
questão principal é se o fato de ingerir partículas de plástico ao longo da
vida poderia ter algum efeito. “O público está obviamente preocupado se
isso vai deixá-los doentes no curto prazo e no longo prazo”, afirmou. “Quando
pensamos sobre a composição do plástico, se pode haver toxinas nele, em que
medida elas seriam nocivas e o que realmente as partículas podem fazer no
corpo, não há uma pesquisa para nos responder”, explicou. “Geralmente
temos um limite ‘seguro’, mas para definir isso precisamos entender se essas
coisas são perigosas e em quais concentrações são perigosas.”

Gordon
enfatizou, no entanto, que uma ameaça muito maior na água vem de países onde
ela pode estar contaminada pelo esgoto.

Segundo
especialistas, pessoas que vivem em países onde a água da torneira pode ser
poluída devem continuar a tomar água engarrafada.

Garrafas do mundo todo

O
teste realizado na Universidade Estadual de Nova York e liderado pela Orb
Media, organização jornalística sem fins lucrativos, examinou garrafas
compradas em nove países diferentes, de cinco continentes, e descobriu uma
média de dez partículas de plástico por litro, cada uma maior do que a
espessura de um fio de cabelo.

Anualmente
são produzidos 300 bilhões de litros de água engarrafada. “Os números não
são catastróficos, mas é algo preocupante”, disse Sherri Mason, professora de química da
Universidade de Nova York, que conduziu a análise. “Encontramos plástico
em todas as garrafas e marcas”, diz. “O teste mostra que o plástico tornou-se
um material tão presente na nossa sociedade que agora está até passando para a
água.”

As empresas avaliadas afirmam que seus produtos atendem aos mais
altos padrões de segurança e de qualidade. E dizem que falta regulamentação
sobre microplásticos e que não há métodos padronizados para testes.

No ano passado, Mason encontrou partículas de plástico em
amostras de água da torneira. Outros estudos também as detectaram em frutos do
mar, cerveja, sal marinho e até no ar.

Para a pesquisadora, os cientistas agora precisam ser capazes de
responder se os microplásticos podem ser prejudiciais à saúde. “O que
sabemos é que algumas dessas partículas são suficientemente grandes e, que uma
vez ingeridas, provavelmente são expelidas. Mas antes elas podem liberar
produtos químicos que prejudiquem à saúde”, diz. “Algumas dessas
partículas são tão incrivelmente pequenas que podem atravessar o revestimento
do trato gastrointestinal e serem levadas para todo o corpo, e não sabemos as
implicações que terão nos órgãos e tecidos.”

Como foi o teste

A pesquisa com água engarrafada envolveu a compra de embalagens
de 11 marcas globais e de países escolhidos por suas grandes populações ou seu
consumo relativamente alto de água engarrafada.

As marcas avaliadas foram:

– Aquafina

– Aqua

– Bisleri

– Dasani (coca-cola)

– Epura

– Evian

– Gerolsteiner

– Minalba

– Nestlé Pure Life

– San Pellegrino

– Wahaha

Para realizar o teste, a equipe de Mason impregnou a água das
garrafas com um corante chamado Nile Red, uma técnica recentemente desenvolvida
por cientistas britânicos para a rápida detecção de plástico na água do mar.

Estudos anteriores estabeleceram como o corante adere a pedaços
de plástico que flutuam de forma livre e os torna fluorescentes sob certos
comprimentos de onda da luz.

No teste, os cientistas filtraram as amostras tingidas e depois
contaram cada pedaço maior que 100 mícrons – aproximadamente 0,1 milímetro.

Algumas dessas partículas, grandes o suficiente para serem
manipuladas individualmente, foram então analisadas por espectroscopia
infravermelha, confirmadas como plásticas e identificadas como tipos
específicos de polímero.

As partículas menores que 100 mícrons eram muito mais numerosas
(uma média de 314 por litro), e foram contadas usando uma técnica desenvolvida
na Astronomia para totalizar o número de estrelas no céu noturno.

Algumas foram consideradas resíduos plásticos por expectativa racional,
segundo Mason.

Isso ocorre porque, embora a tintura de Nile Red possa se ligar
a outras substâncias que não o plástico – como fragmentos de conchas ou algas
que contenham lipídios -, seria pouco provável que eles estivessem presentes na
água engarrafada.

De onde vem o plástico

Uma vez que o estudo não passou do processo usual de revisão e
de publicação de pares em um periódico científico, a BBC pediu a especialistas
que o comentassem.

Andrew Mayes, da Universidade de East Anglia, do Reino Unido, e
um dos pioneiros na técnica do Nile Red, disse que o teste é uma “análise
química de alta qualidade” e que os resultados são “bastante
conservadores”.

Michael Walker, consultor do Government Chemisty (unidade de
pesquisa que atua em disputas na área de regulamentação de alimentos no Reino
Unido) e membro do conselho Food Standards Agency, que responde pela segurança
alimentar no país, disse que o trabalho foi “bem conduzido”.

Ambos enfatizaram que as partículas abaixo de 100 mícrons não
foram identificadas como plásticas, mas disseram que, uma vez que as outras
opções não seriam esperadas em água engarrafada, poderiam ser descritas como
“provavelmente de plástico”.

Uma questão óbvia é de onde esse plástico vem. Dada a quantidade
de polipropileno, usado nas tampinhas de garrafa, uma teoria é que o ato de
abrir uma garrafa pode derramar essas partículas lá dentro.

Empresas negam

Em contato com todas as empresas envolvidas – a maioria delas
respondeu.

A brasileira Minalba disse que seu processo de extração e envase
da água da fonte mineral Água Santa, localizada em Campos do Jordão (SP), segue
todos os padrões de qualidade e segurança exigidos pela legislação brasileira,
“refletindo, com rigor, a manutenção das propriedades minerais vindas da
natureza”.

A Nestlé disse que seus próprios testes internos para
microplásticos começaram há mais de dois anos e não detectaram nenhum vestígio
de partículas acima do mínimo esperado.

Um porta-voz acrescentou que o estudo da professora Mason falhou
nas principais etapas para evitar “falsos positivos” e convidou o Orb
Media para comparar métodos.

A marca Gerolsteiner também disse que estava testando a
quantidade de microplásticos havia vários anos e que os resultados mostraram
níveis “significativamente abaixo dos limites para partículas”
estabelecidos para empresas farmacêuticas. E que não conseguiu entender as
conclusões do teste, já que as micropartículas estão “em todo lugar”,
podendo entrar nos produtos pelo ar ou pelos materiais de embalagem durante o
processo de engarrafamento.

A Coca-Cola, dona da Dasani, disse ter alguns dos mais rigorosos
padrões de qualidade na indústria e usou um” processo de filtração
multipasso”. E também afirmou que os microplásticos “parecem ser
onipresentes e, portanto, podem ser encontrados em níveis mínimos mesmo em
produtos altamente tratados”.

A Danone, fabricante da Aqua e da Evian, disse que não poderia
comentar o estudo porque “a metodologia utilizada não é clara”, mas
acrescentou que suas garrafas tinham qualidade de embalagem alimentar.

A empresa ressaltou que não há regulamentos sobre microplásticos
ou um consenso científico sobre testes, e também destacou um estudo alemão
muito menor, realizado no ano passado, que encontrou partículas de plástico em
garrafas de uso único, mas não acima de uma quantidade estatisticamente
significante.

A PepsiCo disse que sua marca Aquafina tem “medidas
rigorosas de controle de qualidade, práticas de fabricação sanitária, filtração
e outros mecanismos de segurança alimentar que produzem um produto confiável e
seguro”. Descreveu ainda o estudo dos microplásticos como um campo
emergente e que requer análise científica adicional.


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