Conheça os mitos que podem trazer inseguranças e riscos à gravidez

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 27 de maio de 2018 às 05:22
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:45
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Histórias dizendo o que se deve ou não fazer ao engravidar nem sempre são inofensivas, dizem especialistas

E agora, o que vamos fazer? Será
que vou ser boa mãe? Será que vou dar conta?”. Um misto de “alegria e
medo” invadiu a educadora física Thays Bacchini, de 30 anos, quando
descobriu que estava grávida. “Passa muita coisa na nossa cabeça”,
diz ela, lembrando que a esse turbilhão de pensamentos se somou um bombardeio
de “receitas” sobre a gravidez – que lhe diziam “para comer por
dois, para ter sustança”, “para, pelo amor de Deus, parar de fazer
exercícios até o bebê nascer”, entre outras coisas disparadas por todos os
lados. “Eu gosto de ouvir o que os
outros têm a dizer”, observa Thays. “Mas as histórias precisam ter
fundamento, porque assim como podem trazer leveza e ser um jeito de a pessoa se
mostrar presente nesse momento, elas também podem gerar insegurança”.

Essa também é a análise de
especialistas, que alertam para os potenciais efeitos de crenças e mitos para a
mulher e o bebê.

As consequências, dizem, incluem estresse e situações
que põem a saúde em risco. “Muitas dessas histórias deixam a mulher preocupada
a gravidez inteira, cheia de fantasmas na cabeça”, frisa a ginecologista
Mariana Maldonado, especialista em obstetrícia e sexualidade humana.

O que é mito

“Histórias
fantásticas” que têm como protagonistas deuses, seres sobrenaturais e
heróis – como os gregos – ou “relatos passados de geração em geração
dentro de um grupo”. No dicionário, essas estão entre as várias definições
existentes para mitos.

Aos ouvidos das grávidas, é assim que muitos deles
chegam e assumem ares de verdade – quando, na realidade, são histórias com
significado deturpado ou sem fundamento que podem estar envoltas de perigos,
observa o ginecologista e obstetra Domingos Mantelli, autor do livro Gestação –
Mitos e Verdades sob o olhar do obstetra, que responde a cerca de 200 questões
de pacientes nesse sentido.

A psicóloga especializada em psicoterapia para gestantes
Flávia Alvares Fernandes diz que “quando a mulher tem mais acesso à
informação e se informa pelas fontes certas, “fica mais tranquila diante
do que ouve, mas se estiver insegura na relação com a gravidez a tendência é
que superdimensione a questão”. “A gestação já é um momento de
conflitos nela e em que sofre diversas pressões. Os mitos potencializam
isso”, diz.

No
livro “O que é mito”, em que trata do tema de forma geral, o
antropólogo brasileiro Everardo Rocha ressalta que o mito muitas vezes é
rotulado como “mentira, cascata ou coisa irrelevante”, mas que
“pode ser verdadeiro estímulo forte para conduzir tanto o pensamento
quanto o comportamento do ser humano”. “Eles funcionam socialmente.
Existem bocas para dizê-los e ouvidos para ouvi-los”.

A lista vai desde questões ligadas à alimentação, exercícios físicos,
viagens de avião e parto, até sexo, exames e consumo de álcool.

“Comer por dois”, não. E fazer
exercícios, sim, dentro dos limites

Para a paulista Thays Bacchini, a gravidez trouxe situações engraçadas,
como premonições de que teria um menino por ter a “barriga pontuda” e
um “teste dos talheres” para revelar o sexo do bebê.

Um garfo e uma colher escondidos embaixo de almofadas, nesse caso,
indicariam menino e menina, respectivamente. Ela escolheu uma, sentou e encontrou
o garfo. Deu menino outra vez, lembra.

Mas o sinal estava errado – já
que é uma menina, Júlia, que ela vai ter – assim como estava a sugestão que
ouviu para “comer por dois” nesse período. “Comer por dois não
se indica nunca”, diz o presidente da Comissão de Assistência Pré-Natal da
Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo),
Olímpio Barbosa de Moraes Filho.

Em média, a Organização Mundial da Saúde (OMS) orienta o
consumo de 2.500 calorias por dia – são 500 a mais que uma adulta não grávida –
e há a recomendação de ganho de peso de cerca de 12 quilos, tendo em vista que
excessos podem levar a doenças como hipertensão e diabetes. Mas “a dieta
vai depender do peso e estatura da gestante”.

E o mais importante é
“ter uma alimentação saudável, balanceada e com orientação”,
complementa Domingos Mantelli.

Foi isso o que Thays buscou com a ajuda de uma
nutricionista: uma gravidez saudável. Com o mesmo objetivo, decidiu manter a
rotina de exercícios, mas não faltaram vozes contra. “Foi com o que mais me bombardearam, até
por eu trabalhar na área. E isso foi o que mais me irritou”, diz.
“Não vai agachar, não pega esse peso. Você não pode fazer isso nunca mais
até sua filha nascer”, era o que ouvia.

Educadora física e personal
trainer pós-graduada em “atividade física adaptada e saúde para públicos
especiais”, inclusive gestantes, a paulista sabia que eram mitos. Ainda
assim, interrompeu a atividade até confirmar que estava tudo bem na gravidez e
receber sinal verde da médica – “respeitando os próprios limites”.

A liberação para se exercitar e quanto ao tipo de
exercício depende da condição da grávida, e não há uma restrição válida para
todos os casos, segundo especialistas.

Exercícios ajudam a diminuir riscos como hipertensão,
diabetes, prematuridade e complicações no parto. “Há muitas
vantagens”, afirma Thays, que a atividade também lhe ajuda a preparar o
corpo para o parto natural. “O exercício fortalece a musculatura, traz
muita disposição, melhora dores, circulação, controla a ansiedade, ajuda a
respirar melhor e controla a pressão”.

Patrícia
Broda, 29 anos, vai ter um menino, Victor. E o que mais ouviu foi “você
vai ficar mais quieta, não é?”. O que significava não andar muito a pé,
evitar a bicicleta e viagens de avião – na prática, uma grande mudança de
rotina. O risco que apontavam era de aborto. “Como minha gestação foi
difícil de conseguir, as pessoas falavam muito em repouso, mas não tem nada que
indique repouso quando se está bem”, diz. “Às vezes criam um estresse
que não precisa, criam um monstro na cabeça da mulher”.

Patrícia mora na Dinamarca e
engravidou por fertilização in vitro. Tal particularidade não implicou, porém,
em restrições. “Me certifiquei com o médico de que não teria complicação e
então me senti livre para fazer o que quisesse, manter a rotina”.

E o que ela quis e fez foi
manter essas atividades. Entre elas, viajar de avião para quatro países. “Há
pacientes que podem e outras que não podem voar”, diz o obstetra Domingos
Mantelli.

Normalmente
o embarque é permitido até o oitavo mês, mas a mulher precisa de autorização do
obstetra além de apresentar atestados e documentos específicos para as
companhias áreas analisarem se a viagem é possível – e, se for, se precisa
levar um médico a bordo. As regras variam pouco entre as empresas.

Mantelli observa que pelo
risco de não haver estrutura de atendimento adequada a bordo ou em possíveis
áreas de pouso, as viagens às vezes não são recomendadas. Se a gravidez
envolver mais de um bebê ou se houver complicações médicas também pode haver
restrições. Patrícia viajou até o sétimo mês e conta que ela e o bebê estiveram
bem. “Minha única preocupação era ‘meu Deus, que horas vão servir o
lanche’?”, brinca.

Sushi, caranguejo e camarão

Lidar com a gravidez, no
começo, foi difícil para a fotógrafa Elisa Elsie, de 33 anos. “Eu estava
numa fase incrível da minha carreira e sabia como seria a rotina. É uma questão
de vida, muda tudo. A relação do casal, você tem alguém dependente de você 24
horas, o trabalho e os estudos precisam esperar”, diz ela. “Contei
para minha família com quase cinco meses e publiquei a primeira foto grávida
com quase seis”.

Além de ter de aprender a lidar com a nova realidade,
ela acabou chegando a uma outra conclusão: “Parece que mulher é domínio
público. Todo mundo tem um pitaco, uma sugestão, uma dica”.

Elisa “não dava muito
espaço para isso”, mas não escapou do bombardeio que chegava na ponta da
língua de bocas alheias e que iam desde “é melhor não dirigir nem andar
por aí sozinha”, até “você não devia estar andando com essa barriga
de fora! A cidade está cheia de mosquito!”, apontando o risco de contrair
alguma doença. “Eu falei que estava de repelente e continuei
andando”, diz ela. “Alguém comentou também que eu não poderia comer
frutos do mar ou crustáceos”, diz. “Só que não resisti às ostras e
comi caranguejo”.

Temendo “contaminação na
carne”, o que ela evitou foi sushi cru, alimento que não é, entretanto,
proibido, diz Mantelli. Mas que exige cuidados.

Ele explica que o grande mito nessa questão é que o
peixe cru transmita toxoplasmose, uma doença infecciosa que pode passar da mãe
para o feto. Mas o peixe cru não transmite toxoplasmose. O risco, na verdade, é
que a grávida sofra alguma infecção ou intoxicação alimentar, como qualquer
outra pessoa, se o peixe estiver estragado. E complicações se estiver contaminado
por mercúrio.

O atum, por exemplo, tem alta concentração desse metal
e, por isso, especialistas não recomendam o consumo mais do que duas vezes ao
mês. O excesso pode prejudicar o desenvolvimento do cérebro do bebê, podendo
gerar problemas auditivos, de aprendizado e de visão, por exemplo. “Mas
dizer que a grávida não pode comer sushi é mito”, reforça Mantelli,
frisando a necessidade de atenção ao frescor do peixe e à higiene da cozinha
onde é preparado.

O NHS, sistema público de
saúde do Reino Unido, acrescenta: “Tudo bem comer peixe cru ou levemente
cozido em pratos como sushi quando se está grávida, desde que qualquer peixe
selvagem, cru, usado para fazer isso tenha sido congelado primeiro”.

A precaução é necessária para
matar vermes parasitas que ocasionalmente existem nesses peixes e podem causar
doenças.

Para ostras, camarões e caranguejos, a recomendação é
ingeri-los cozidos, pelo risco de haver intoxicação alimentar se a carne
estiver crua.

Elisa, que não abriu mão das iguarias, afirma que “era
libertador” manter a rotina, inclusive em relação à comida, sem dar
ouvidos ao que ouvia sem fundamento. Ela vai além: “Não basta só a mulher
estar bem informada. Toda a rede de apoio dela precisa também”.

Normal ou cesárea

A
arquiteta, fotógrafa e empreendedora Ana Karla Veloso “sempre teve na
cabeça que parto normal era melhor e que a cirurgia era só para
emergência”. A percepção estava certa, segundo o Ministério da Saúde e a
Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Diversas histórias, porém, lhe
empurravam para a cirurgia. “Talvez você não aguente a dor” se o
parto for normal e o bebê já “está meio pesado” para nascer assim,
por exemplo, se somaram a outras que leu na internet. “Eu chorei no
consultório da médica”, lembra Ana. “Pedi pelo amor de Deus que não
fizesse cesárea se não fosse necessária”, diz ela. E não fez. As duas
filhas, Cecília, agora com 5 anos, e Olívia, de 1 ano e meio, nasceram de parto
normal. “Mas já vi vários casos de pessoas que queriam parto normal e
acabaram na cesárea. Há muitas histórias e elas podem enfraquecer até as
pessoas mais seguras”, diz a fotógrafa, hoje também doula e cofundadora da
Rede Ocitocina, que oferece apoio físico e emocional a mulheres e familiares
antes, durante e após o parto. “Me atentei sobre o sistema quando minha
irmã foi empurrada para uma cesárea sem grandes explicações”, afirma.

O Brasil tem uma das mais
altas taxas de cesáreas do mundo. Um projeto coordenado pela ANS, o Hospital
Israelita Albert Einstein e o Institute for Healthcare Improvement, com o apoio
do Ministério da Saúde, tenta evitar justamente isso.

A iniciativa estimula o parto no tempo certo e não o
pré-agendado e recomenda a adoção de políticas para que quando houver a
necessidade de cesárea ela seja justificada e os riscos para a mulher e o bebê
claramente explicados. 

Riscos

Com base em artigos científicos, a ANS observa que a chance
de morte da mãe é três vezes maior nesse procedimento do que no parto normal. “Há
riscos nos dois tipos de parto, mas a cesárea traz mais riscos de complicações
para a mãe e o bebê quando feita desnecessariamente”, diz Moraes Filho, da
Febrasgo.

O estudo
Caesarean Delivery and Postpartum Maternal Mortality (Cesariana e Mortalidade
Materna Pós-Parto, em tradução literal), publicado em 2016 por pesquisadores
ligados à Fundação Oswaldo Cruz e a universidades francesas, identificou que
isso ocorre principalmente por hemorragia pós-parto e complicações da
anestesia.

A
pesquisa analisou casos de mulheres que deram à luz em hospitais públicos ou
mistos em oito Estados do Brasil e morreram até 42 dias depois disso –
desconsiderando as que tiveram na ocasião mais de um bebê e aquelas cuja causa
da morte foi alguma condição presente antes do início do trabalho de parto.

O fato de a mulher estar
sujeita a uma recuperação mais lenta e dolorosa, quando submetida à cirurgia, é
outra das desvantagens que a ANS aponta.

A partir
de um outro estudo publicado em 2017, a agência observa que cesarianas eletivas
– aquelas agendadas antes do trabalho de parto, em bebês de 37 e 38 semanas, e
especialmente em mulheres de baixo risco – aumentam a chance de morte,
internação em UTI e problemas respiratórios no recém-nascido, bem como de
atraso no aleitamento materno, por exemplo.

O objetivo,
diz a ANS, é reduzir ainda mais a proporção de cesáreas.

Com o
projeto Parto Adequado, cujas ações são previstas até maio de 2019 junto a 129
hospitais, sendo 29 públicos, e 65 operadoras de planos de saúde, essa
proporção, segundo a agência, caiu de 79% para 63% entre 2014 e 2016.

Os
partos normais, ou vaginais, que eram 21% do total, viraram 37%.

Entre as
razões para o alto índice de cesáreas, estudos apontam que está a crença de que
será um parto mais cômodo e sem dor, ao contrário do parto normal. “Mas é
mito dizer que todo parto normal é doloroso, é generalizar demais”, diz a
médica Mariana Maldonado. “A dor é extremamente subjetiva. Algumas pessoas
sentem mais, outras menos. E há técnicas e anestesia para abrandá-la”. 

Sexo e exames

Fazer ou não sexo grávida, segundo a especialista, é outra
questão cercada de mitos. É comum dizerem que é melhor não fazer. “Há quem
pense que o pênis pode ir tão fundo na penetração a ponto de machucar o bebê,
mas não é verdade. Ele está protegido no útero”. Se a gravidez é saudável,
sem ameaça de aborto, de parto prematuro ou sangramentos, não há razão para
restringir e o sexo faz bem, diz.

O fato de as pessoas
generalizarem quando não deveriam, segundo ela, atrapalha. “Uma gestação
não é igual à outra e para estabelecer se determinado caso se aplica a sua a
mulher deve conversar com o médico, sem ter vergonha de perguntar. E ele deve
estar disposto a ouvir e a acolhê-la”.

Outras
questões são apontadas por Olímpio Filho, da Febrasgo. Uma diz que “o
exame Papanicolau – que previne o câncer de colo de útero – não deve ser feito
porque pode provocar aborto”. O que não tem fundamento, assegura. Outra
aponta que exames de raio-x podem causar malformação no bebê. “Mas precisaria
de uma quantidade muito grande de radiação para isso e não é o caso”,
complementa Mantelli.

Riscos de malformação e outros
problemas existem, diz ele, se a grávida ingere bebidas alcoólicas. “Tem
gente que acha que beber só uma tacinha ou copo não tem problema. Mas faz mal,
sim. Não tem dose segura de álcool na gravidez”.

O mais importante é viver o momento

Nos Estados Unidos, o “É preciso comer por dois” é
apontado por uma americana como “o maior mito de todos” em um fórum
na internet sobre o assunto. Outra conta ter ouvido que “desejar
demais” ou não satisfazer certos desejos por alimentos poderia causar
marcas de nascença ou fazer mal ao bebê. Já no Uruguai, a jornalista Ana Pais,
de 32 anos, ouviu que não deveria tomar banho de mar nem de piscina – o que
Mantelli aponta como mito – e estava com espinhas no rosto quando lhe disseram
que “vai ter menina, porque quando é menina ela rouba a beleza da
mãe”. Ela está grávida, porém, de um menino, Teo, e ouviu do médico que as
espinhas se deviam a hormônios. “Eu sabia que não tinha fundamento, mas
fiquei em choque. Como alguém pode dizer uma coisa dessas?”, disse.
“Quando você está grávida é como se abrisse uma porta para as pessoas lhe
dizerem o que quiserem. E aí falam abertamente se você está magra, gorda, feia,
como essa mulher me disse”.

A economista Victoria
Zorrilla, de 34 anos e também uruguaia, teve um sentimento parecido quando
engravidou. O mito que “perturbou”, foi o de que “não deveria
ganhar mais de 1 quilo por mês”. “Acredito que você deve cuidar de si
mesmo e comer de forma saudável, mas o foco não deve ser apenas no número em
uma balança”, frisa. “Cada mulher é diferente e ter um padrão ajuda,
mas acredito que não deve ser algo obsessivo”, acrescenta ela, mãe de
Matias, prestes a completar 2 anos. O mais importante se a gravidez está bem,
resume, “é se livrar de todas as pressões desnecessárias e viver esse
momento”.


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