Vacina da febre amarela pode proteger contra o zika vírus, diz estudo

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 27 de março de 2019 às 18:55
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 19:28
compartilhar no whatsapp compartilhar no telegram compartilhar no facebook compartilhar no linkedin

Pesquisadores brasileiros constataram que a vacina, testada, aprovada e amplamente disponível, evita a doença

Enquanto cientistas
do mundo correm em busca de uma vacina contra o vírus Zika, pesquisadores no
Rio de Janeiro constataram que a resposta pode estar em uma vacina amplamente
disponível, testada e adotada mundialmente: a da febre amarela. “Talvez a
solução estivesse na nossa frente o tempo todo”, diz o médico Jerson Lima
Silva, professor do Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ), um dos coordenadores de estudo divulgado na
segunda-feira.

Conduzida por
dezesseis pesquisadores da UFRJ e da Fundação Oswaldo Cruz, a pesquisa concluiu
que a vacina da febre amarela protegeu camundongos da infecção do vírus em
laboratório, reduzindo a carga do vírus no cérebro e prevenindo deficiências
neurológicas. “Apareceu como um ovo de Colombo”, diz Silva,
referindo-se à expressão que descreve uma solução complexa que, depois de
demonstrada, parece óbvia. “Nossa pesquisa mostra que uma vacina eficiente
e certificada, disponível para uso há diversas décadas, efetivamente protege
camundongos contra infecção do vírus Zika”, diz o estudo, publicado online
que ainda precisa passar pelo processo de revisão por pares exigido por
periódicos científicos, que têm um trâmite demorado.

Esse sistema de
publicação é adotado para disponibilizar rapidamente resultados iniciais de
pesquisas à comunidade científica internacional.

A corrida por uma vacina contra a zika começou em
2016, quando se comprovou a suspeita de que a doença recém-chegada ao Brasil,
até então considerada inofensiva, era a causa do surto de bebês que nasciam com
microcefalia e malformações neurológicas – conjunto de sintomas hoje designado
como síndrome da zika congênita.

O surto levou o
governo brasileiro e a Organização Mundial da Saúde a decretarem situações de
emergência, posteriormente suspensas. Além dos graves defeitos que pode causar
nos bebês durante a gestação, a zika é associada ao surgimento da síndrome de
Guillain-Barré em adultos. 

Vírus semelhantes

Tanto a zika e quanto a febre amarela são
transmitidos por vírus da família dos Flavivírus. A estruturas biológicas dos
vírus são semelhantes, o que inspirou a equipe no Rio a testar os efeitos da
vacina de febre amarela sobre o vírus Zika.

Além disso, diz o médico Jerson Lima Silva, a região
que teve maior incidência de zika, o Nordeste do país, é também a que tinha a
menor cobertura vacinal para febre amarela. “Então resolvemos testar essa
hipótese”, afirma o professor da UFRJ.

O estudo foi
coordenado por Silva, Andrea Cheble Oliveira e Andre Gomes, do Instituto de
Bioquímica Médica da UFRJ e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em
Biologia Estrutural e Bioimagem, e pelo professor Herbert Guedes, do Instituto
de Biofísica Carlos Chagas Filho da UFRJ.

A equipe realizou testes
com dois grupos de camundongos, um composto por indivíduos saudáveis e outro
por indivíduos com sistema imune comprometido, mais suscetíveis à propagação do
vírus.

Nos dois grupos,
parte dos animais foi imunizada com a vacina de febre amarela e outra recebeu
apenas uma solução salina, sem nenhum efeito imunológico.

Depois, todos
receberam injeções intracerebrais do vírus da zika, de modo a simular infecções
com alto índice de letalidade. “Sem a vacina, os mais suscetíveis morreram
e os normais desenvolveram sintomas da doença. Já entre os vacinados, os
suscetíveis não morreram e todos apresentaram carga viral extremamente reduzida
no cérebro”, explica Silva.

O vírus Zika
consegue furar a proteção da placenta durante a gestação, e se alastra pelo
cérebro do bebê, impedindo que se forme corretamente. 

Próximos passos

A pesquisa foi conduzida ao longo de dois anos. O
grupo trabalha agora para entender os mecanismos de proteção contra o vírus
desenvolvidos a partir da vacina da febre amarela.

O médico diz que o
próximo passo é realizar testes em primatas. “Os resultados foram muito
evidentes. A gente acredita que há uma grande chance de (a vacina da febre
amarela) proteger humanos (contra a zika), já que os testes com animais
demonstraram uma proteção tão forte”, considera Silva. Ele espera que os
próximos passos para determinar se a vacina pode ser recomendada à sociedade como
uma proteção eficiente contra a zika não tardem. Por enquanto, entretanto, é
preciso cautela. “Como todo estudo científico, este precisa ser
reproduzido e confirmado”, diz.

Se o efeito for comprovado para
humanos, ressalta o pesquisador da UFRJ, haveria uma grande vantagem em poder
contar com uma vacina licenciada, usada há décadas e disponível no mercado – e
que poderia ser distribuída e aplicada prontamente no caso de um novo surto de
infecções. Desenvolver uma nova vacina envolve passar por muitos testes,
acertos e erros e etapas de segurança.

O estudo teve financiamento da
Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro
(Faperj), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq), do Ministério da Saúde, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (Capes) e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).


+ Ciência