Universo infantil x Era digital: existe site 100% seguro para crianças?

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 13 de maio de 2018 às 18:17
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:44
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A internet ainda patina para criar sistemas confiáveis para consumo de conteúdo infantil

Deixar um
tablet
ou smartphone nas mãos das crianças
para distraí-las e ganhar alguns minutos de tempo livre já faz parte da rotina
dos pais das gerações mais novas, principalmente dos que tiveram filhos depois
de 2007, o marcante ano de lançamento do iPhone.

Nos dispositivos, acessam-se
milhares de horas continuamente atualizadas de desenhos, jogos e aplicativos ao
alcance dos dedinhos que deslizam nas telas com facilidade.

O problema: muitas vezes os
pais não conseguem acompanhar o que está conquistando a atenção dos pequenos e
deixam a responsabilidade de selecionar o conteúdo aos algoritmos de sites e
apps que ainda estão longe de serem perfeitos para tal tarefa. Isso é seguro?

A
questão fica mais complexa em meio aos escândalos sobre vazamento de dados e
privacidade envolvendo as grandes companhias do Vale do Silício. A exemplo do
que teve como protagonistas o Facebook e a consultoria política Cambridge
Analytica, que usaram, sem a permissão adequada, os dados de milhares de
usuários da rede social para impulsionar a campanha do presidente americano Donald
Trump. 

A pergunta: estariam as
crianças livres de um escrutinamento semelhante das
informações que elas colocam na internet e que, na lógica do mundo conectado,
podem atrair interesses indevidos? Pelo o que indica uma nova polêmica
envolvendo o Google e o YouTube, a resposta tende a ser não.

Programas gratuitos e populares
entre o público infantil, disponíveis na loja de apps Play Store, do sistema
operacional Android, e ambos de propriedade do Google, podem
estar violando leis de privacidade infantis, de acordo com um estudo divulgado
em abril pelo Instituto Internacional de Ciência da Computação da Universidade
de Berkeley, na Califórnia. Sete pesquisadores analisaram cerca de 6 mil
aplicativos para crianças nos últimos meses e descobriram que eles podem violar
regras do COPPA, a lei americana de proteção de crianças na internet.

A principal
queixa é em relação a como vários aplicativos coletam dados de crianças menores
de 13 anos sem permissão de seus pais. Mais de mil programas do tipo garimpam
informações pelo uso de softwares cujos termos de uso proíbem (só na teoria)
explicitamente seu uso por…. crianças.

Também
metade dos aplicativos não conseguiram garantir medidas básicas de segurança e
transmissão das informações mais sensíveis. Cada um dos que foram revisados
pelo estudo já tiveram mais de 750 mil downloads. Na
lista negra há nomes famosos entre esse público, como o “Where’s My Water”, da
Disney, o “Minion Rush”, da Gameloft, e o programa de ensino de idiomas
Duolingo.

A
preocupação sobre o que os pequenos assistem e consomem vem de muito antes da
era dos apps. A faixa etária adequada para que filmes e programas de televisão
sejam permitidos a crianças é um debate que existe desde a criação do cinema, e
das primeiras associações da indústria audiovisual, nos anos 20.

Nos EUA, a Motion Pictures
Association of America, uma organização privada, indica qual é a idade
apropriada para uma produção sem a intervenção do governo. No Brasil, desde 1990 o Sistema de Classificação Indicativa, regulado
pelo estado, exerce esse papel. Para a publicidade infantil as regras são mais
novas. Em 2014, uma resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente (Conanda) definiu que a publicidade destinada a crianças é abusiva. 

Em
outras palavras, a publicidade dirigida ao público infantil é proibida no
Brasil, mesmo que na prática ainda sejam encontrados diversos anúncios voltados
para esse público, principalmente na internet.

A censura irrestrita aos
anúncios é discutível, sim. Assim como a ineficiência da fiscalização. Como
prova a forma como alguns youtubers respondem à questão. Ainda mais ao se
pensar que a internet traz com ela características novas que dificultam que a
plataforma seja tratada da mesma forma como foi com a TV ou com revistas e
jornais.

O ponto mais recente dessa
discussão é como o conteúdo disponível para crianças, precisamente no YouTube,
tem disfarçado anúncios e o incentivo ao consumo entre vídeos infantis. Por
muitos meses o YouTube lidou com o problema de ter na plataforma tradicional e
no aplicativo Kids — versão do site para crianças menores de 13 anos —
conteúdos extremistas e violentos e que propagavam teorias da conspiração. Para
corrigir a falha a plataforma tomou medidas.

Atualizou-se
o app, na versão para jovens, para uma versão 100% moderada por humanos. Dessa
maneira, as crianças que usassem a nova ferramenta só assistiriam vídeos
aprovados por pessoas, não algoritmos, em tese eliminando o risco de o site
recomendar conteúdo inapropriado. Mas não aconteceu como o esperado. Ainda é
possível encontrar uma infinidade de vídeos escabrosos 

Já no YouTube ‘principal’, o tradicional, o que a
maioria das pessoas acessa, os termos e palavras-chaves que geralmente as
crianças pesquisam (nome de personagens de desenhos, brinquedos e superheróis)
levam a vídeos envolvendo violência e cenas, por vezes, perturbadoras. Exemplo:
num desenho animado do canal Simple Fun, que está em operação desde julho de
2017, uma mulher com uma cabeça de Minnie Mouse desce uma escada rolante e fica
presa no maquinário, jorrando sangue de sua face, enquanto seus filhos
(personagens dos bebês Mickey e Minnie) choram. O vídeo acumulou mais de três
milhões de visualizações em um único dia. 

Os youtubers com apelo infantil também estão
envoltos no problema. O que não se sabe é o quanto pode ser precipitado
simplesmente adotar proibições radicais em um mundo no qual as crianças
conseguem também simplesmente deixar de assistir ao YouTube para navegar por
conteúdos bem mais escabrosos internet afora.

Especialistas em psicologia infantil afirmam que
ainda não existem estudos específicos que definam as consequências, positivas
ou negativas, da exposição das crianças à internet. No entanto, há um consenso:
a recomendação a pais de procurarem se manter atualizados acerca das
orientações da Academia Americana de Pediatria. “Por exemplo, crianças abaixo
de cinco anos não devem passar mais de 1 hora brincando com um celular ou tablet,
e isso sempre com a supervisão dos pais. Caso algo inapropriado surja, cabe aos
pais explicar o contexto e discuti-lo”, afirma a psicóloga americana Maryanne Wolf, autora
de livros de educação. Afinal, vale sempre lembrar de uma máxima: a
responsabilidade pela criação dos filhos cabe aos pais, não a um ou outro
youtuber. Muito menos, ao Estado.


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