Exame para detectar predisposição ao Alzheimer gera polêmica

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 9 de julho de 2018 às 21:04
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:51
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Exame para identificação de genotipagem disponível no mercado divide opiniões de especialistas

A Doença de Alzheimer, que
afeta 4,7% da população mundial acima dos 60 anos, é um dos maiores fantasmas
para quem envelhece, até porque não tem prevenção, nem cura.

Estima-se que o risco de
desenvolver a enfermidade dobre a cada dez anos depois dos 60. Há também o
Alzheimer precoce, que se manifesta entre 30 e 60 anos, mas que atinge apenas
1% dos indivíduos. Nesse caso, é resultado de mutações genéticas e o fator
hereditário é preponderante. Nos demais, o estilo de vida desempenha papel
relevante, como este blog já mostrou na coluna de terça-feira sobre reserva
cognitiva.

Genética

No entanto, não é só no caso
do Alzheimer precoce que a genética tem peso especial. Vamos a um pouco de
ciência para entender a questão: lá no cromossomo 19, existe um gene que
codifica a apolipoproteína E (conhecida como APOE), envolvida no transporte de lipídeos,
entre eles o colesterol. O gene da APOE pode se apresentar de formas distintas,
dependendo da disposição dos chamados alelos, que são formas alternativas de um
mesmo gene. Eles são três (E2, E3 e E4) e herdamos um par: um vem do pai e o
outro da mãe.

Para quem ainda se lembra das
aulas de biologia sobre genes dominantes e recessivos, há seis versões
possíveis: E2E2, E2E3, E2E4, E3E3, E3E4, E4E4. Mais de 75% das pessoas portam o
alelo E3, sem influência para o desenvolvimento de demência. O alelo E2 traria
até um fator de proteção, mas é raro. O problema é justamente quando o E4 está
presente, aumentando a predisposição de desenvolver a Doença de Alzheimer
tardia, isto é, depois dos 60 anos. Já está disponível no mercado um teste de
identificação de genotipagem que custa em torno de R$ 600 e faz esse
mapeamento.

O médico Rodrigo Buksman,
clínico geral, geriatra e membro da International Society to Advance
Alzheimer´s Research and Treatment, enfatiza: “trata-se de uma predisposição,
ou seja, de um aumento de suscetibilidade, mas ele não é necessário nem
suficiente para o desenvolvimento da doença”. É nesse ponto que os
especialistas divergem: se a maioria da população não tem o gene APOE4, será
que prescrever o exame não poderia apenas trazer ansiedade e estresse? Além
disso, também não há garantia de que o grupo que tem o APOE3 ou o E2 esteja
imune ao desenvolvimento da doença…

Por isso mesmo, o doutor
Buksman alerta que o teste de identificação de genotipagem, para checar se
existe essa predisposição, deve ser feito em condições bem específicas. “Vai
depender de um conjunto de manifestações clínicas que configurem um quadro no
qual o teste genético possa influenciar na conduta médica de forma útil. Diante
de um resultado desfavorável, a pessoa terá condições de tomar decisões
importantes sobre a própria vida, valendo-se de estratégias que possam
postergar um eventual desfecho ruim. Eu me refiro a praticar exercícios físicos
e adotar uma dieta alimentar saudável, porque o estilo de vida conta muito. É
bastante frequente que o paciente só se sinta motivado a aderir a mudanças
quando recebe um resultado como esse”, afirma.

Ainda não há medicamentos que
revertam as principais mazelas decorrentes da doença, como falhas de memória ou
dificuldade para executar tarefas simples, embora dezenas de drogas estejam em
fases avançadas de testes. Por enquanto, a batalha dos médicos é para combater
os sintomas. 

Mesmo os chamados medicamentos anticolinesterásicos atuam
melhorando temporariamente a ação de neurotransmissores, sem recuperar a área
afetada do cérebro. Sobre os aspectos psicológicos de saber, com anos de
antecedência, que há um risco para doença sem que exista um medicamento para
preveni-la, o geriatra cita artigo do “New England Journal of Medicine”, que
acompanhou filhos de portadores de Alzheimer que realizaram o teste. Enquanto,
obviamente, os que deram negativo sentiram-se aliviados, os que tiveram
resultado positivo não apresentaram sinais significativos de ansiedade,
tristeza e estresse.


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