Tecnologia: SUS pode adotar novo tratamento para câncer de pele

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 6 de abril de 2019 às 23:50
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 19:29
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Melanoma é o tumor mais frequente no Brasil e no mundo – tratamento não invasivo será usado em breve

Os pacientes com câncer de pele não melanoma poderão contar, em
breve, com uma nova tecnologia para o tratamento não invasivo desse tipo de
tumor cutâneo – o mais frequente no Brasil e no mundo.

Um grupo de pesquisadores do Instituto de Física de
São Carlos da Universidade de São Paulo (IFSC-USP) desenvolveu, nos últimos
anos, um dispositivo para o diagnóstico e tratamento óptico do câncer de pele
não melanoma com resultados promissores, principalmente na eliminação de
tumores iniciais. O procedimento está em processo de avaliação para ser
implementado no Sistema Único de Saúde (SUS).

A técnica, criada no Centro de Pesquisa em Óptica e
Fotônica (CEPOF) – um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs)
apoiados pela FAPESP –, foi apresentada durante a Escola São Paulo de Ciência
Avançada em Tópicos Modernos em Biofotônica.

Apoiado pela FAPESP, na modalidade Escola São Paulo
de Ciência Avançada, o evento foi realizado entre os dias 20 e 29 de março no
IFSC-USP. O encontro reuniu estudantes de pós-graduação e jovens pesquisadores
do Brasil e do exterior com o objetivo de discutir tópicos avançados na área de
biofotônica, que usa tecnologias baseadas na manipulação de fótons, ou seja, a
luz, para aplicações biológicas.

“O dispositivo foi desenvolvido no Brasil, com
tecnologia totalmente nacional”, disse Cristina Kurachi, professora do IFSC-USP
e uma das autoras da técnica, à Agência FAPESP.

O equipamento, fabricado pela empresa MM Optics, em
São Carlos, é composto por um dispositivo capaz de reconhecer e verificar a
extensão de lesões tumorais por fluorescência óptica em minutos.

Após a identificação da lesão, é aplicada no local uma pomada à
base de metilaminolevulinato (MAL) – um derivado do ácido 5-aminolevulínico
(ALA) –, desenvolvida pela empresa PDF-Pharma, em Cravinhos.

Após duas horas de contato com a pele, o composto é absorvido e
dá origem, no interior das mitocôndrias das células tumorais, à protoporfirina
– pigmento fotossensibilizante “primo” da clorofila.

Após remover a pomada da lesão, a região é irradiada
por 20 minutos com um dispositivo contendo uma fonte de luz LED vermelha a 630
nanômetros integrada ao equipamento.

A luz ativa a protoporfirina e desencadeia uma série
de reações nas células tumorais, gerando espécies reativas de oxigênio capazes
de eliminar as lesões. Já os tecidos sadios são preservados.

Após o procedimento, são geradas imagens de
fluorescência – também por meio do equipamento – para assegurar a irradiação
total das lesões.

O tratamento ocorre em duas sessões, com intervalo
de uma semana entre elas. Após 30 dias, as lesões são reavaliadas e submetidas
a uma biópsia para confirmar se os tumores foram eliminados.

Por meio de um projeto, apoiado pelo Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e pela Financiadora de Inovação e
Pesquisa (Finep), foram feitos ensaios clínicos para a validação da técnica em
72 centros de saúde em todo o país.

O estudo multicêntrico foi coordenado por Vanderlei Salvador
Bagnato, professor do IFSC-USP e coordenador do CEPOF.

No Hospital Amaral Carvalho de Jaú, interior de São
Paulo, por exemplo, foram tratadas com o novo método mais de 2 mil lesões de
pacientes atendidos pela instituição e treinados 40 grupos de médicos para usar
a técnica.

Além dos hospitais, ambulatórios e clínicas no Brasil, foram
realizados estudos clínicos em outros nove países da América Latina.

Os resultados dos ensaios clínicos mostraram que o
tratamento foi capaz de eliminar 95% dos tumores, sem efeitos colaterais,
causando apenas leve vermelhidão no local e sem a formação de cicatriz. “A
despeito de estarmos em um Instituto de Física, temos feito medicina
translacional, ou seja, conseguido transferir os resultados de pesquisa básica
para aplicações clínicas que beneficiam a população, especialmente a mais
carente”, avaliou Kurachi, um dos membros da coordenação da ESPCA em
Biofotônica.

Pesquisa translacional

O caráter translacional da pesquisa feita pelo grupo
do IFSC-USP foi justamente um dos fatores que despertaram o interesse do
pesquisador Fleury Augustin Nsole Biteghe em vir ao Brasil para participar do
evento.

Pós-doutorando em biologia química na Universidade
de Cape Town, na África do Sul, onde estuda a aplicação de terapia fotodinâmica
para tratar câncer de pele, Biteghe soube do evento ao participar de uma
conferência sobre terapia fotodinâmica no ano passado, na Alemanha, em que
foram apresentados alguns resultados de trabalhos feitos pelos pesquisadores do
IFSC-USP.

“Fiquei impressionado e muito interessado em fazer
parte das pesquisas desse grupo no Brasil, que tem mostrado ser possível fazer
pesquisa translacional que resulte em novos tratamentos para o câncer de pele.
Pretendo me candidatar a um pós-doutorado nesse grupo de pesquisa para aprender
e levar essa experiência para a África do Sul, onde temos enfrentado obstáculos
para desenvolver tecnologias que possibilitem usar a terapia fotodinâmica na
prática clínica”, disse Biteghe.

A Escola reuniu 138 estudantes de pós-graduação e
pesquisadores em início de carreira, dos quais 48 eram do exterior – oriundos
de países como Estados Unidos, Finlândia, Noruega, Rússia, Polônia, Canadá e
Argentina, entre outros – e 90 brasileiros, de diferentes regiões do país.

A programação do evento foi composta por
apresentação de pôsteres científicos, palestras e cursos ministrados por alguns
dos maiores especialistas em áreas como óptica tecidual, neurofotônica e biossensores.

Um dos pesquisadores participantes foi Gang Zhen,
professor da Universidade de Toronto e cientista sênior do Princess Margaret
Cancer Centre, ambos no Canadá. Em 2011, o pesquisador e colegas de seu
laboratório descobriram a primeira partícula nanométrica (da bilionésima parte
do metro) totalmente orgânica com propriedades biofotônicas sem precedentes,
obtida a partir da porfirina.

Mais recentemente, os pesquisadores desenvolveram
microbolhas maiores de porfirina que, ao serem expostas a ultrassom de baixa
frequência, arrebentam e formam nanopartículas com as mesmas propriedades
ópticas que a microbolha original.

“Essas nanopartículas podem ser usadas simultaneamente para
obter imagens de tumores e fazer drug delivery [carreamento de fármacos] para o
tratamento de câncer”, explicou Zhen durante sua palestra.

O evento também teve a participação de pesquisadores
do Brasil, Portugal, Israel, Inglaterra, Espanha, Estados Unidos e Rússia. “Convidamos
pesquisadores de diferentes países para que os estudantes pudessem ter um
panorama geral da pesquisa em biofotônica que tem sido feita em várias partes
do mundo”, disse Kurachi.


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