Suicídio é responsável por 800 mil mortes por ano e avança pelos países

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 24 de junho de 2018 às 23:41
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:49
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Segundo especialistas, para enfrentá-lo, é preciso falar abertamente sobre sofrimentos e transtornos mentais

Quando os dois primeiros parágrafos
deste texto terminarem de ser lidos, uma pessoa terá morrido por suicídio. A
cada 40 segundos, alguém no mundo interrompe a própria vida.

Segundo a Organização Mundial da Saúde
(OMS), o número de óbitos autoprovocados é significativamente maior que aqueles
causados por homicídio: 800 mil por ano, contra 470 mil. São mortes prematuras
que poderiam ser evitadas porque é possível preveni-las e não faltam
ferramentas para isso.

Contudo, as taxas continuam avançando,
especialmente em países pobres e em desenvolvimento. Para especialistas, esse
fenômeno complexo, que exige abordagens em múltiplas frentes, só poderá ser
efetivamente enfrentado quando se derrubar o preconceito contra doenças mentais.

Por muito tempo, evitou-se falar sobre
suicídio. Como um segredo familiar varrido para debaixo do tapete, ele ficou
invisível, porém sempre à espreita. Como era de se esperar, o silêncio não
curou essa chaga social. Na década de 1960, fundou-se a Associação
Internacional de Prevenção do Suicídio, maior organização não governamental de
atuação nessa área. Desde então, foi criado o Setembro Amarelo, data mundial de
conscientização sobre o problema, e campanhas passaram a falar mais abertamente
sobre o tabu.

Porém, para o psiquiatra Antônio
Geraldo da Silva, diretor e superintendente técnico da Associação Brasileira de
Psiquiatria (ABP), isso não basta. “A forma de abordagem ainda é
preconceituosa. As pessoas não querem aceitar que a doença mental existe. Mas é
preciso deixar claro que suicídio é uma emergência médica. Quase 100% das
pessoas que tentaram ou se suicidaram têm um quadro psiquiátrico. E são doenças
mentais tratáveis. É o preconceito que estrangula a prevenção”, destaca.

Tratáveis

Uma revisão de casos conduzida pela
OMS com dados de 15.629 suicídios ilustra bem essa situação: 35,8% das vítimas
tinham transtorno de humor; 22,4% eram dependentes químicas; 10,6% tinham
esquizofrenia; 11,6%, transtorno de personalidade; 6,1%, transtorno de
ansiedade; 1%, transtorno mental orgânico (disfunção cerebral permanente ou
temporária que tem múltiplas causas não psiquiátricas, incluindo concussões,
coágulos e lesões); 3,6%, transtorno de ajustamento (depressão/ansiedade
deflagradas por mudanças ou traumas); 0,3%, outros distúrbios psicóticos, e 5,1%,
outros diagnósticos psiquiátricos. Os 3,1% restantes não significam ausência de
doença mental, mas a falta de um diagnóstico adequado.
Todos esses transtornos são tratáveis com acompanhamento psiquiátrico e
psicológico. Porém, esbarram no preconceito não só de pacientes, mas de
familiares e até de profissionais da saúde. “Em pleno século 21, tem gente que
ainda acredita que psicólogo é coisa de doido”, lamenta Sílvia Raquel S. de
Morais, professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do
Vale do São Francisco (Univasf). “Muitos pensam erroneamente que é melhor
evitar falar do assunto, quando, na verdade, promover espaços para discussões e
desmistificação de problemas mentais é algo muito importante e necessário,
tendo em vista os modos de vida contemporâneos quase sempre centrados na
solidão, nas distrações digitais, no individualismo e na competitividade
exacerbada”, aponta a psicóloga, coautora de um artigo sobre representações
suicidas, publicado na revista Psicologia, ciência e profissão.

Democrático

São sofrimentos e questões que podem
afetar pessoas de qualquer nacionalidade, gênero, idade, classe social. A
universalidade do suicídio não poupa celebridades, como o chef norte-americano
Antony Bourdain, morto na França no início do mês, nem cidadãos anônimos, como
os indígenas de São Gabriel da Cachoeira (AM), onde a taxa de mortalidade por
essa causa entre a população adulta é 22,7 — quase quatro vezes maior que a
média nacional (5,7 em cada 100 mil habitantes, segundo o Ministério da Saúde).
“A doença mental é absolutamente democrática”, define o psiquiatra Humberto
Corrêa, presidente da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio
(Abeps). “O suicídio está diretamente associado às doenças mentais e é 100%
prevenível”, observa.

Um exemplo que o psiquiatra cita é a
diminuição de casos na Grã-Bretanha. Há 12 anos, a taxa de suicídio na
Inglaterra e no País de Gales está em queda e, em 2016, reduziu 4,7% em relação
ao ano anterior, atingindo o menor nível desde 2011 (9,5 em cada 100 mil e 11,8
em 100 mil, respectivamente). Apenas a Escócia registrou um leve aumento em 12
meses, passando de 14 para 15 casos em 100 mil. A redução geral na incidência é
atribuída à política de prevenção, que inclui a revisão quinquenal de metas e
estratégias e a identificação periódica dos grupos de risco de acordo com cada
região. Um estudo publicado na revista The Lancet Psychiatry mostrou que a
adoção de cada uma das 16 recomendações do Serviço Nacional de Saúde Britânico,
como treinamento de profissionais da saúde para gerenciamento de risco, está
associada a uma queda de 20% a 30% nas taxas de suicídio.

Estratégias com foco em públicos
específicos estão conseguindo diminuir as estatísticas de mortalidade, o que
reforça a ideia de que é possível prevenir o suicídio com políticas adequadas.
Nos Estados Unidos, onde os óbitos autoprovocados aumentaram 30% desde 1999, o
Programa de Prevenção de Suicídio Juvenil Garrett Lee Smtih (GLS), financiado
pelo governo federal e voltado a adolescentes e jovens de até 25 anos, resultou
em reduções significativas nessa população.
Um estudo publicado na revista Jama Psychiatry avaliou o impacto do GLS entre
2008 e 2011 e constatou que, comparado aos estados em que não foi implementada,
a iniciativa evitou cinco tentativas em cada mil pessoas de 16 a 23 anos.

O programa consiste em ações como
identificação de estudantes em risco de depressão, outras doenças mentais e
abuso de álcool e drogas; redução de estigma, atendimento, tratamento e
acompanhamento desses jovens por até três anos.

Mais casos no Brasil

O Brasil não tem um plano nacional de prevenção de
suicídio, documento previsto apenas para 2020, quando o país deverá comprovar
redução de 10% na taxa de suicídio, conforme compromisso firmado com a OMS. O
primeiro boletim epidemiológico sobre o tema, porém, mostra que a realidade
brasileira caminha na direção contrária.

Lançado no ano passado,  durante a
apresentação da Agenda Estratégica de Prevenção do Suicídio (veja quadro), o
levantamento mostra que a taxa em 100 mil aumentou de 5,3, em 2011, para 5,7,
em 2015.

Esses números podem ser ainda maiores.
O Sistema de Informação de Mortalidade do Ministério da Saúde depende dos dados
enviados por municípios e estados e, de acordo com especialistas, há
subnotificação. “Quantos casos não entram como envenenamento, atropelamento,
acidente, intoxicação?”, questiona o diretor e superintendente técnico da
Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Antônio Geraldo da Silva. Mesmo se
houver subnotificação, o boletim nacional revela dados preocupantes, afirma o
psiquiatra Quirino Cordeiro, coordenador-geral de Saúde Mental, Álcool e Outras
Drogas do ministério. “Nos últimos anos, houve um aumento importante nas taxas
de suicídio, o que liga o sinal de alerta do ministério.”


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