​Sucateamento da Medicina

  • Língua Portuguesa
  • Publicado em 14 de agosto de 2017 às 08:20
  • Modificado em 8 de abril de 2021 às 14:20
compartilhar no whatsapp compartilhar no telegram compartilhar no facebook compartilhar no linkedin

Dá medo. 

A cada dia brota uma faculdade de Medicina na esquina. “Brota” é a
palavra. A qualidade? 
– Hã! Deixa esse troço de qualidade pra lá, meu negócio é entrar. Virar médico
(doutô), depois eu vejo o resto.
– Mesmo se você virar um ratinho de laboratório, porque há um monte de
faculdades caça-níquel, sem estrutura nenhuma, sem um hospital-escola, nada?
– Não vou mais fazer cursinho de jeito nenhum, vou pra onde eu passar. Meu pai
me disse que o importante é a residência; não a faculdade. No consultório,
ninguém pergunta onde você é formado.
– Você sabia que, em qualquer concurso público, o aluno formado em uma
universidade pública já entra com um bônus? Conhece algum aluno com má formação
que entrou em uma “boa” residência?
– Conheço um que tá ganhando a maior grana, se deu super bem e a faculdade em
que ele se formou não é lá grande coisa.
– E daí a 6 anos, com um mercado tão competitivo, como você vai fazer?
– Daqui a 6 anos, penso nisso. Eu me viro. Dou um jeito. Agora só vou estudar o
que eu gosto.

Esse discurso virou senso comum. Um aluno no
cursinho não tem ideia do quanto terá que estudar para ser um médico
competente. Inclusive, boa parte não tem nenhum perfil para fazer medicina.

O sucateamento da profissão é inevitável.

O “status” de ser médico, ganhar muita “grana” virou
obsessão. E pior, foge dos ditames da profissão. Lógico que ganhar dinheiro é
uma prerrogativa importantíssima, ninguém vive de brisa ou trabalha por
diletantismo. Mas, a que preço?

Uma antiga e reconhecida faculdade de Medicina de Ribeirão Preto deu o seguinte
tema para a confecção da redação: “Por que você quer ser médico?”
Muitos alunos, na saída do exame, reclamavam do absurdo da pergunta e disseram
que se deram mal: “Veja se isso é tema de redação?”. Dei esse tema e
nenhum aluno falou em dinheiro, todos pareciam Madre Teresa de Calcutá. No
entanto, no debate, boa parte estava sem saída, porque não sabia se valeria
colocar “status” ou não no texto.

– “No tempo do meu pai”, a relação candidato-vaga era outra, o
número de faculdades “caça-níquel” era outro, o mercado de trabalho
era muito mais seletivo. Meu pai é médico respeitado.

– Não duvido. O problema é que os tempos são outros. Há faculdades em que há
mais de 100 candidatos disputando uma vaga. O MEC abriu mais 700 vagas nas
universidades públicas e deu aval para que 39 novas faculdades adentrem o
mercado.

Um dos problemas é que as sucessivas provas do CREMESP mostram uma realidade
assustadora: em média, nas várias provas aplicadas nos últimos cinco anos,
alunos do sexto ano não conseguiram diagnosticar sintomas de doenças comuns em
um país tropical.

Cursar USP, UNESP ou UNICAMP virou sonho
distante. Pensar nisso provoca urticária (erupção cutânea caracterizada pela
presença de placas congestivas pouco salientes e pruriginosas – segundo o
dicionário), ansiedade e depressão. Não que elas sejam as únicas que valem a pena
cursar. 

Não há como relacionar aqui as grandes faculdades particulares que investem
nos alunos, em equipamentos etc. As mais conceituadas têm altíssima relação
candidato-vaga.

Mas que dá medo, dá, do que vem por aí. 

A região que corresponde a um raio de 100 km de
Ribeirão Preto formará, mais ou menos, mil médicos por ano. Só em Ribeirão
Preto há quatro faculdades Medicina.
Temos mais faculdades de Medicina do que nos EUA. E a qualidade? Onde tanta
gente trabalhará? Nas UPAs? Haja UPAs… E o salário? Ah! o salário míngua, como
aconteceu com as áreas de Direito, Odontologia, Engenharia.

O sucateamento traz consigo a canibalização. E a
população?

Ora, ela que se vire…


+ Educação