Substâncias usadas em cosméticos no Brasil são proibidas no exterior

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 13 de outubro de 2018 às 19:17
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 19:05
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Anvisa tem uma extensa lista com substâncias controladas, mas nem sempre é atualizada de imediato

Sabonete, desodorante,
loção hidratante. Temos contato com vários produtos cosméticos no dia a dia – e
a lista aumenta para quem é fã de maquiagem.

No entanto, a não
ser que você entenda muito de química, é difícil saber exatamente o que é cada
um dos ingredientes naquele rótulo de xampu que você leu durante o banho.

A fórmula dos cosméticos e produtos de higiene pessoal que
usamos não é – ou não deveria ser – a mesma hoje do que era há 50 anos. Muitos
dos ingredientes que eram usados livremente no passado hoje são proibidos, já
que ao longo do tempo foi se descobrindo que alguns fazem mal à saúde ou causam
alergias e irritações.

E como a pesquisa
está sempre avançando, e há novas descobertas sendo feitas a cada minuto, a
lista de substâncias consideradas nocivas tem sempre novos itens.

A União Europeia tem uma lista de mais de 1,3 mil substâncias
proibidas que é atualizada de acordo com as últimas análises sobre segurança de
ingredientes – é preciso provar que uma substância não faz mal para que ela
possa ser usada.

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) também tem
uma lista extensa de substâncias controladas, baseada na legislação europeia,
mas nem sempre ela incorpora os últimos avanços imediatamente.

E ainda acontece de
parte da indústria não respeitar as regras determinadas pelo órgão, apesar de
poder ser responsabilizada por isso.

Entenda as controvérsias sobre alguns tipos de substâncias
encontradas em cosméticos no Brasil.

Ftalatos

Ftalatos são um tipo de substância muito usada para tornar plásticos mais
maleáveis, segundo o farmacêutico Diogo Oliveira, pesquisador do Laboratório
Innovare da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unicamp.

Em cosméticos, eles costumam ser usados como agentes
plastificante em esmaltes. “Ajudam a melhorar a cobertura e a
estabilidade, para o esmalte não ficar quebradiço”, explica Oliveira.
Segundo ele, eles também podem ser usados como fixadores e estabilizantes em
produtos desodorantes.

O problema é que não
há garantia de que eles sejam seguros. “Há indícios de que ftalatos são
disruptores endócrinos (interferem na produção de hormônios), e a exposição no
longo prazo pode ter um efeito cumulativo”, explica Oliveira.

Na União Europeia, o
uso intencional de ftalatos em cosméticos é banido pelo Comitê Científico para
Segurança do Consumidor, comissão da UE que regula a produção de cosméticos.
São aceitos apenas traços: quando a substância acaba migrando para o produto,
em baixíssima concentração, por ter sido usada na embalagem.

Nos EUA, em 2003, pesquisadores do CDC (Centro de Controle de
Doenças) descobriram que o público americano tinha alto nível de exposição à
ftalatos.

Eles recomendaram
que os efeitos da exposição à essa substância fossem estudados melhor, o que
gerou uma série de pesquisas focadas em seu uso e publicadas nos últimos anos,
incluindo um longo relatório encomendado pela Comissão para Segurança de
Produtos para o Consumidor, dos EUA.

Embora sejam uma classe ampla de substância, em que nem todos os
subprodutos foram estudados, foram encontrados indícios de problemas causados
por mais de uma dezena de ftalatos, ligando-os a problemas de fertilidade
masculina, asma, baixo QI em crianças, entre outros.

No Brasil, embora existam vários ftalatos na lista de
substâncias proibidas em cosméticos da Anvisa, nem todos são vetados. O ftalato
de dibutila, por exemplo, é autorizado em esmaltes em concentração de até 15%
(e proibido em produtos voltados para crianças).

Formol

Os formaldeídos são um dos casos em que a legislação brasileira está em pé de
igualdade com a internacional: eles são proibidos no Brasil – a Anvisa tem uma
regulamentação rígida que permite seu uso apenas como conservante, em uma
concentração máxima de 0,2%.

Na prática, no entanto, isso não impede que muitos fabricantes
desrespeitem a legislação e coloquem no mercado produtos com concentração maior
do que a permitida.

Em março a Anvisa proibiu a circulação de quatro produtos que
estavam sendo comercializados com mais formol do que o permitido.

Em concentrações bem maiores do que a permitida, a substância
promove alisamento em cabelo. O problema é que também tem outros efeitos: é
considerado cancerígeno pela IARC (Agência Internacional de Pesquisa em
Câncer).

Em altas
concentrações, a substância acaba evaporando e sendo inalada durante a
aplicação, e, segundo a IARC, foi comprovado que ela causa câncer nas vias
respiratórias.

Por isso é importante saber a marca dos cosméticos aplicados
durante visitas ao cabeleireiro e outros profissionais de beleza e garantir que
seja uma em que você confia.

Triclosan

A preocupação com doenças e a popularização de produtos antibacterianos –
principalmente sabonetes de uso doméstico – levou a um efeito paradoxal.
Segundo a FDA (a agência de regulação americana), uma série de pesquisas
indicou que exposição prolongada a substâncias contidas nesses produtos pode
gerar resistência bacteriana e alterações hormonais.

Isso levou a agência
a proibir 19 ingredientes comumente encontrados nesses produtos. A FDA
argumentou que não há garantias de que essas substâncias sejam seguras. Os
principais são os agentes bactericidas triclocarban e o triclosan.

Além de preocupação com possíveis problemas para a saúde, também
há uma preocupação com a contaminação do ambiente com essa substância – que
pode causar o surgimento de bactérias mais resistentes. Isso acontece porque o
uso excessivo de agentes bactericidas e antibióticos mata as bactérias mais
fracas, fazendo com que somente as mais fortes sobrevivam e se reproduzam.

No Brasil, a Anvisa permite uma concentração de até 0,3% de
triclosan em produtos de higiene pessoal.

Parabenos

O conservante é um dos itens mais necessários em qualquer tipo de cosmético –
de hidratante a batom, de creme e barbear à maquiagem de olho.

Conservantes são importantes pois sem eles os produtos podem ser
contaminados por micro-organismos. Eles podem vir tanto da matéria-prima quanto
do próprio consumidor: quando alguém coloca a mão em um creme ou aplica um
batom na boca, está transferindo os contaminantes para o produto. “Sem a
presença dos conservantes, em uma semana já é possível visualizar a
contaminação por bactérias e fungos (que causam o bolor) em algumas
formulações”, explica bioquímica Lorena Rigo Gaspar Cordeiro, professora
da USP.

Pela legislação
brasileira, há um teor máximo permitido de micro-organismos para produtos
cosméticos, dependendo da região de aplicação (corpo, área dos olhos) e as empresas
devem assegurar que o sistema conservante seja capaz de impedir a proliferação
de bactérias e fungos.

Alguns dos ingredientes mais controversos, os parabenos, são
usados justamente como conservantes.

A principal controvérsia sobre a substância começou com uma
pesquisa que encontrou uma molécula de parabeno dentro de uma célula de câncer
– nada indicava que o parabeno havia causado a doença, mas isso foi suficiente
para criar uma grande preocupação nos consumidores sobre o assunto.

O estudo nunca foi reproduzido e nunca analisou se o parabeno
veio de cosméticos ou de outra fonte. “A comissão da União Europeia
considerou, após várias análises e investigações, que não havia dados
suficientes para afirmar que existe correlação entre a doença e os parabenos”,
explica Cordeiro.

No entanto, a
American Cancer Society (Associação Americana contra o Câncer) afirma que os
parabenos – que podem ser absorvidos pela pele – são uma possível fonte de
preocupação pois também são disruptores endócrinos: podem ter efeitos parecidos
ao estrogênio, hormônio conhecido por fazer células das mamas crescerem e se
dividirem. E o aumento de estrogênio já foi ligado a um aumento no risco de
câncer de mama, segundo a entidade.

No entanto, a instituição afirma que o estrogênio produzido pelo
corpo é milhares de vezes mais forte do que o possível efeito do parabeno.
“Estrogênios naturais (ou de reposição de hormonal) têm uma probabilidade
muito maior de causar desenvolvimento de câncer”, afirma.

Apesar de não
encontrar ligação direta entre parabenos e câncer, a União Europeia considera
que, sobre alguns deles, também não há dados suficientes para garantir sua
segurança – assim como os ftalatos, os parabenos são uma classe ampla de
substâncias.

Portanto, a regulação europeia proíbe uma série de substâncias
dessa classe (isopropilparabeno, isobutilparaben, fenilparabeno, benzilparabeno
e pentilparabeno).

Os que são permitidos por lá (propilparabeno, butilparabeno,
methilparabeno e ethilparabeno) são considerados seguros pela comissão
europeia.

Dos vetados na União Europeia, só o benzilparabeno e o
pentilparabeno são proibidos como conservantes pela Anvisa. Os outros podem ser
encontrados em cosméticos no Brasil.

Um estudo publicado
na revista Environmental International, realizado por pesquisadores da
Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP em
colaboração com pesquisadores americanos, mostrou que crianças brasileiras
estão muito expostas a esse tipo de substância.

Em comparação com estudos feitos em outros países, a principal
peculiaridade da amostra brasileira foi a alta concentração nas amostras de
urina de disruptores endócrinos que costumam fazer parte da formulação de
cosméticos – como os parabenos.

Disruptores endócrinos podem ter um efeito maior em crianças, já
que para elas o equilíbrio hormonal é ainda mais importante.

A American Cancer
Society afirma que, quem tem preocupação com exposição a esse tipo de
substância pode facilmente evitá-la lendo a embalagem – tanto nos EUA como
aqui, as empresas precisam indicar o uso de parabenos na lista de ingredientes.

Cordeiro afirma que os parabenos são seguros e não
necessariamente evitá-los será um bom negócio. “Eles possuem menor
potencial de causar alergia do que outros conservantes”, diz. “Se
você tiver algum tipo de irritação ao usar um produto, interrompa o uso,
procure um médico e avise a empresa que produz o produto”, aconselha a
especialista.

Também é importante
evitar aplicar produtos de adultos em crianças, comprar sempre marcas confiáveis
e comprar sempre produtos registrados na Anvisa. “Produtos artesanais
também precisam ter registro. É sempre um risco comprar produtos sem registro.
Por exemplo, sabonetes precisam de controle de Ph, que precisa ser feito em
laboratório. Sabonetes artesanais sem esse controle podem afetar o Ph do corpo,
o que é extremamente prejudicial”, explica Cordeiro.

A
regulação e a indústria

A Anvisa afirma que adota os limites de substâncias apontados em avaliações
conduzidas por autoridades internacionais e que as listas de substâncias
permitidas são resultado de uma harmonização entre os Estados do Mercosul.
“Estão de acordo com o que está sendo praticado em outros países ou
blocos, como Estados Unidos e Europa”, afirma a agência.

A agência também tem um programa de
“Cosmetovigilância”, para monitorar produtos já em comercialização,
avaliar o risco de efeitos indesejáveis e receber queixas.

Cordeiro explica
que, caso algum produto cause alergia, é importe avisar a empresa para que ela
reporte o problema ao programa de cosmetoviligância. “O programa existe
porque alergia é algo muito individual, então mesmo que você faça todos os
testes, é possível que só descubra alguns afeitos posteriormente.”

A ABIHPEC (Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal
e Cosméticos) afirma que a indústria “tem o compromisso de colocar no
mercado produtos que prezem pela proteção da saúde da população e que atendam
as normas da Anvisa”.

A entidade também afirma que “a indústria deve possuir
dados comprobatórios que atestam a segurança e eficácia do produto, e seguir as
legislações de ingredientes atualmente existentes, com suas restrições e
proibições em consonância com o preconizado internacionalmente, que fornecem
respaldo suficiente para a formulação de produtos cosméticos.”

Empresas e indústria
que desrespeitarem as regras podem ser responsabilizadas por isso. Também podem
ser adotadas pela Anvisa medidas de precaução, como suspensão da fabricação,
comércio e uso de produtos e a interdição cautelar parcial ou total de um
estabelecimento ou de um produto, por exemplo.

“Tais medidas visam cessar a exposição da população a
riscos até que seja concluída a investigação”, explica a ABIHPEC.

A ABIHPEC afirma também que apoia todas as medidas de controle e
fiscalização adotadas pela Anvisa e periodicamente fornece treinamentos para
informar e capacitar o setor.


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