Nova resolução do CFP amplia atendimento psicológico online

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 18 de novembro de 2018 às 17:23
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 19:10
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O atendimento online é vedado em algumas situações, como quando existir situação de violência

O atendimento
psicológico online é uma realidade, há alguns anos, no Brasil e no mundo.
Atento a esse cenário, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) elaborou uma nova
resolução com o objetivo de garantir que o serviço seja passível de
fiscalização e prestado dentro de padrões éticos. As mudanças passaram a valer
a partir dessa semana.

Com a nova resolução, cada profissional precisará se cadastrar
no site
do CFP, preenchendo um formulário que pede dados pessoais e profissionais,
detalhes do serviço que será prestado, indicação das plataformas que serão
utilizadas, entre outras informações. Os cuidados que serão tomados em relação
ao sigilo do paciente também precisam ser descritos.

O atendimento online é vedado em algumas situações, como quando
o paciente estiver em situação de violência ou de violação de direitos. Também
não pode ser prestado a vítimas de desastres. Diante da vulnerabilidade desses
pacientes, o apoio psicológico deve ser presencial. Além disso, crianças e
adolescentes só podem ser atendidos por plataformas online se houver concordância dos pais. 

Há outras
situações em que o serviço é permitido apenas de forma complementar, sendo
obrigatório o contato presencial. “É mais uma maneira de ajudar as pessoas. Mais uma maneira
de possibilitar, por exemplo, o atendimento de quem mora longe, quem mora no
interior, quem está viajando e quer continuar um atendimento, quem tem
dificuldade de locomoção. Há casos também em que a pessoa se sente
desconfortável em falar presencialmente, se sentindo mais a vontade no
computador”, avalia a conselheira Rosane Lorena Granzotto.

Ela lembra que a demanda por atendimento psicológico é cada vez
maior. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que cerca de 300 milhões de
pessoas em todo o mundo sofrem de depressão. Em agosto, reportagens mostraram a
preocupação das universidades com o aumento significativo de casos de suicídio,
depressão, ansiedade e outros quadros relacionados à saúde mental que tem
afetado a população jovem.

Aprovada em 11 de maio, a Resolução 11/2018 entrou em vigor
nesta semana após a conclusão do prazo estipulado de 180 dias. Segundo Rosane,
a iniciativa surgiu tanto a partir da demanda de parte da categoria, como
também da necessidade de se adequar à realidade. “Nós estávamos até um
pouco atrasados. Agora nos atualizamos. Nossa resolução é similar à de outros
países”, diz a conselheira, citando Canadá, Estados Unidos, Inglaterra,
Portugal e Espanha.

Discussão antiga

Rosana explica que o uso da tecnologia na profissão é uma
discussão que vem sendo feita desde a década de 1990 e a resolução que vigorava
até então, de 2012, já previa atendimentos online, mas com muitas restrições. Eram permitidas
orientações psicológicas de diversos tipos até o limite de 20 sessões por ano
para cada paciente. 

A psicoterapia era vedada, exceto quando realizadas em
caráter experimental para fins de pesquisa. O psicólogo ou psicóloga deveria
ainda ter um site
exclusivo para a oferta dos serviços online, registrado em domínio nacional e cadastrado no
CFP. “De 2012 para cá, parece que não é tanto tempo. Mas com a
rapidez do desenvolvimento tecnológico, nós tivemos muitas mudanças. Nesse período,
surgiu o Whatsapp e outras plataformas. Também foi aumentando muito o número de
profissionais que estava realizando atendimento online e nós não tínhamos como controlar que tipo de
serviço estava sendo oferecido”, diz Rosane.

A partir de agora, não haverá mais limite para o número de
sessões por ano e a psicoterapia está liberada. A exigência do site também não existe
mais. “Será responsabilidade do psicólogo avaliar as questões técnicas e
metodológicas. Caberá a ele avaliar se aquilo que o paciente está buscando é
compatível com esse tipo de atendimento. Porque há situações que demandam o
atendimento presencial”, afirma a conselheira.

O profissional já pode realizar o
cadastro no site
do Conselho Federal de Psicologia. Segundo Rosane, apenas nos três primeiros
dias, foram preenchidos mais de mil formulários. Ela explica que, se o
profissional cometer alguma falha ética e for denunciado, ele poderá ser
localizado e processado. O CFP também pode aplicar sanções e até cassar o registro
profissional. 

O cadastro é público e fica disponível para a consulta da
população. “Sabemos que podem ocorrer violações éticas, mas que também
acontecem nas consultas presenciais”, avalia a conselheira. Ela afirma que
a resolução busca dar transparência ao serviço, facilitando assim a apuração de
desvios de conduta e as denúncias.

A psicóloga Laura Quadros, chefe do Serviço de Psicologia
Aplicada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), reconhece que
alguns colegas não são favoráveis ao atendimento online. Em sua visão, porém, trata-se um algo
inevitável e desafiante. “Já vivemos na era virtual e temos uma geração
que está muito atravessada pela tecnologia. Portanto, um serviço como esse pode
ser até um facilitador. Há pessoas que vão se sentir melhor usando essas
ferramentas. Isso nos faz rever o modelo tradicional. Quando trabalhamos com
pessoas é importante estar aberto ao novo”, avalia. Segundo ela, a
resolução abrange os cuidados necessários em relação às situações mais agudas e
aos menores de idade.

Experiência individual

Criado há três anos, o Fala Freud é hoje a maior plataforma em
operação que oferece atendimento psicológico online, no país. De acordo com o empresário Yuri
Faber, um dos fundadores, a ideia surgiu de uma experiência individual.
“Eu já estava morando nos Estados Unidos, prestes a me casar, mas com
alguns atritos de relacionamento que são comuns na vida de casal. E aí eu
procurei minha antiga psicóloga no Brasil e começamos a nos falar por WhatsApp.
Comecei a perceber que muitas pessoas poderiam ter interesse em falar com um
psicólogo por uma plataforma online“,
conta.

De acordo com Yuri, as normas no Brasil estavam ultrapassadas e
colocavam limites que já não existem há anos nos Estados Unidos e na Europa.
Segundo ele, houve atritos com o CFP até que o conselho sinalizou enfim a
elaboração de uma nova resolução e pediu sugestões ao Fala Freud. 

Yuri Faber
aprovou as mudanças. “Tem muita gente que não quer ir a um consultório, que mora
fora do país, que mudou de cidade e não quer perder o vínculo com seu
psicólogo. A resolução anterior limitava isso. Uma pessoa que mora no exterior
só poderia fazer 20 sessões ao ano, o que corresponde a quatro ou cinco meses.
Depois teria que abandonar a terapia”, explica.

Uma das usuárias do Fala Freud é Beatriz Tonon, de 23 anos. Ela
sentiu necessidade de recorrer à ajuda profissional depois que se mudou a
trabalho de Campinas para São Paulo. São dois anos na capital paulista. Há seis
meses, ela recorreu à plataforma e aprovou o resultado. “Desde que vim
para cá, minha vida mudou completamente. Meu dia a dia é muito corrido, o ritmo
é muito frenético. Eu tenho muita ansiedade. Fico muito preocupada com o que
vai acontecer mais à frente”, conta.

Tempo e dinheiro

Beatriz revela que a escolha pelo Fala Freud se deu com base em
dois fatores: tempo e dinheiro. Ela chegou a pesquisar valores do atendimento
presencial e achou o serviço online
mais barato. Ao mesmo tempo, considerou que não teria tempo para o deslocamento
até um consultório.

Ela conta que respondeu um questionário apresentando suas
necessidades e escolheu uma psicóloga a partir de uma lista de profissionais
apresentada pela plataforma, que trazia informações sobre cada um deles.
Beatriz diz ter acesso à profissional diariamente e que ela é bastante
atenciosa. Os contatos se dão por mensagens de texto e áudios e, uma vez por
semana, há uma sessão em vídeo. “Eu consigo contar para ela quando
acontece alguma coisa no calor do momento. E ela consegue me ajudar. Não
preciso esperar até o dia da próxima consulta”.

Segundo o Fala Freud, desde sua fundação, já passaram pela
plataforma mais de 650 mil pessoas. Os psicólogos estão disponíveis 24 horas
dia. Alguns moram no exterior. A plataforma afirma que só trabalha com
profissionais que têm no mínimo 10 anos de experiência. Também garante que
observam a legislação brasileira sobre tráfego de informações e que as
mensagens, como no WhatsApp, são criptografadas de ponta a ponta, sendo
acessíveis apenas ao psicólogo e ao paciente. A próxima novidade que será
anunciada é o atendimento através de planos de saúde. “Em breve, vamos
divulgar quais deles já toparam”, diz Yuri.


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