Remédio experimental estimula autodestruição do câncer de próstata

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 5 de maio de 2018 às 23:49
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:43
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Estudo mostra que droga desenvolvida para memória é capaz de reduzir câncer de próstata resistente

o tumor de próstata costuma responder bem aos
tratamentos e, muitas vezes, sequer se manifesta clinicamente. Porém,
dependendo da mutação, ele pode ser agressivo, crescer desordenadamente e se
espalhar para outros órgãos. Nesses casos, não há, até o momento, medicamentos
capazes de detê-lo.

Agora, pesquisadores da Universidade da Califórnia
em São Francisco (UCSF) descobriram que uma droga experimental desenvolvida
para combater problemas de memória e cognição é capaz de induzir as células
doentes a se destruir, sem prejudicar as saudáveis.

De acordo com o principal autor do trabalho, Davide
Ruggero, professor de urologia e farmacologia molecular da UCSF, os
pesquisadores foram atrás de um mecanismo pouco explorado até agora: a resposta
do câncer ao estresse celular. O que caracteriza um tumor é o crescimento e a
multiplicação infinita das células, estimuladas por determinados genes
mutantes. Isso não acontece sem custo. Para se reproduzir interruptamente, há
um gasto energético muito grande, que poderia levá-las à morte, não fosse a
produção de proteínas que funcionam como combustível, repondo o que se perdeu
no processo e permitindo que o tecido tumoral continue se desenvolvendo. O que
os cientistas fizeram foi bloquear essa resposta, minando as forças das células
cancerosas. Em ratos, a estratégia foi bem-sucedida.

Ruggero explica que, depois de
analisar dezenas de tecidos tumorais humanos, os pesquisadores constataram que
as células do câncer de próstata agressivo se “viciam” no processo de síntese
proteica. “Então, descobrimos que há dois lados nessa história. A proteína é
necessária para a rápida taxa de crescimento, mas, em excesso, se torna tóxica
e mata a célula. Existem moléculas que controlam o ‘vício’ das células para
evitar esse excesso. O que fizemos foi retirá-las. Quando isso acontece, elas
morrem rapidamente, em resposta à sua própria ganância por proteína”, explica.
O artigo foi publicado na revista Science Translational Medicine.

Ruggero conta que a equipe trabalhou
com ratos manipulados geneticamente para desenvolverem tumores de próstata que
contêm duas mutações bastante comuns, presentes em quase 50% dos pacientes que,
mesmo com a cirurgia de remoção do órgão, não conseguem se ver livres do
câncer. Uma delas estimula a superexpressão do gene MYC — um dos causadores das
células tumorais, enquanto a outra “desliga” o gene supressor de tumores PTEN.
Crystal Conn, pesquisadora de pós-doutorado no laboratório de Ruggero, conta
que os pesquisadores ficaram surpresos quando viram que cânceres extremamente
agressivos, que tinham as mutações, exibiam taxas menores de síntese proteica
comparados a tumores moderados com uma única variante. “Não era o que
esperávamos. Quanto mais fazíamos experimentos com linhagens humanas e nos
ratos, mais víamos isso acontecer”, conta.

Alteração

Meses de tentativa de montar o
quebra-cabeça finalmente terminaram com o encaixe da peça correta. Crystal Conn
percebeu que, combinadas, as mutações MYC e PTEN desencadeavam um sistema de
controle de qualidade celular chamado resposta de proteína desdobrada (UPR,
sigla inglês), que, diante do estresse celular, reduz os níveis de síntese
proteica. “Essas mutações impactam a atividade de um gene chamado eIF2a, o
transformando em uma forma alterada, P-eIF2a, que faz parar a produção de
proteína”, explica.

Para verificar se os níveis do gene
modificado nos tumores poderiam predizer a agressividade da doença e,
consequentemente, a resistência ao tratamento, os pesquisadores analisaram 422
tumores extraídos de pacientes de câncer de próstata. Eles usaram a técnica de
microarranjo tecidual para medir os níveis das proteínas PTEN, MYC e P-eIF2a
nas amostras e descobriram que essa última é um poderoso indicativo de
metástases e óbitos. Em seguida, os cientistas testaram se bloquear a ação do
gene mutante para que ele deixe de controlar a síntese proteica poderia matar o
câncer agressivo.

Recentemente, um bioquímico da UCSF,
Peter Walter, identificou uma molécula, a ISRIB, que pode restaurar a memória e
estimular a cognição de ratos depois de sofrerem dano cerebral severo. Ela faz
isso justamente revertendo a atividade do gene P-eIF2a. Sabendo disso, Crystal
Conn testou a substância em roedores com câncer de próstata e nas linhagens
humanas da doença. “Descobrimos que os tumores com as mutações PTEN e MYC
expostos à droga são levados à completa síntese proteica, o que faz com que as
células se autodestruam. Ao mesmo tempo, a substância não provoca nenhum efeito
nos tecidos normais”, conta. Em três semanas, o tumor começou a diminuir e,
depois de seis, não voltou a crescer.

Janela terapêutica

Como parte dos testes, os cientistas implantaram
amostras de câncer de próstata humano metastático em ratos e constataram que
aqueles que receberam a ISRIB tiveram redução do tumor, enquanto que os sem
tratamento morreram em pouco tempo. “Estamos bastante empolgados, porque é urgente
encontrarmos novas opções para pacientes com câncer resistente. A molécula
ISRIB é uma bela janela terapêutica, porque não afetas células normais, ao
mesmo tempo em que mata as cancerosas”, observa Conn.

Em um comentário publicado na Science Translational
Medicine, Christopher Logothetis, do Departamento de Oncologia Médica
Geniturinária do Centro de Cancer MD Anderson, em Houston, afirmou que o
trabalho é “provocador”. “As descobertas contribuem para candidatos a
biomarcadores preditivos (da agressividade do câncer) e para conceitos
terapêuticos”, escreveu. O médico, que não participou do estudo, ressaltou,
contudo, a necessidade de a abordagem ser aprofundada antes de se inciarem
estudos em pacientes humanos.


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